Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Ciberdemocracia ou transferência de poderes?

Quando se fala em ciberdemocracia, os menos entusiastas das mídias digitais afirmam se tratar de uma utopia. Talvez o estado pleno dessa democracia digital seja mesmo algo inatingível, mas é preciso considerar que existe uma libertação de padrões, modelos e poderes. Pouco a pouco, o que era considerado como natural vai se modificando. E o poder também vai sendo transferido, ou talvez, até dissolvido por diversas vertentes.

O anúncio feito pelas Organizações Globo, de retirada do seu conteúdo jornalístico e de entretenimento da rede social Facebook, reflete esse novo período. Os argumentos dados pelo CEO do grupo, Juarez Queiroz, mostram diretamente esse descontentamento com a falta do controle midiático. As Organizações Globo argumentam que, entre os motivos apontados para saída, está à questão das notícias postadas que não chegavam ao news feed dos usuários por conta de uma edição do próprio Facebook, que através de algoritmos, escalona as atualizações a serem postadas em feeds.

Além disso, o outro problema estaria relacionado à possibilidade de anunciantes utilizarem o sistema de filtros e chegarem a grupos de usuários fãs de determinadas marcas para distribuir suas informações. Assim, a Globo abriria espaço comercial para outras empresas na sua lista de seguidores. O que se percebe é um claro descontentamento com o poder que escapa das mãos. Um posicionamento contrário ao que não é controlado. Por um lado pode ser, sim, um escudo de proteção, mas por outro, uma lança em direção oposta ao público-alvo.

Os novos nichos de poder

Levando em consideração que, segundo pesquisa do Ibope de janeiro de 2013, 94,5 milhões de pessoas acessam frequentemente a internet, não estamos mais falando de algo pequeno ou sem valor. Acrescentam-se aqui os dados da pesquisa do Serasa Experian, que afirma que mais de 65% dos brasileiros acessam o Facebook. Estamos falando de maioria da população brasileira.

Uma maioria que está optando mais por postar do que assistir, escolher o que deseja ver do que assimilar uma programação. São passos em uma direção diferenciada onde o que está em alta é o poder de escolha, concedido pela internet. Onde os usuários interagem e se posicionam.

Mas para além das novidades concedias aos internautas também é preciso perceber que existe igualmente uma fonte de poder. Não mais concentrada nos mesmos grupos midiáticos brasileiros, mas distribuída mundialmente para aqueles que possuem maior capacidade criativa. Os proprietários desses novos nichos de poder da comunicação, como o Facebook, não ganham mais concessão pública outorgada pelo governo, mas sim, pelas pessoas comuns que acessam e gostam do seu modelo de conteúdo.

A cultura do futuro

De toda forma é uma concentração. Mas um processo diferente, onde essa concentração garante muito dinheiro aos proprietários, mas pouca interferência de conteúdo. Ocorre um processo de escolha diferenciado, onde as intervenções e passaram a ser controladas, sim, pelos algoritmos (criticados pela Globo).

Aí vem o questionamento: isso seria uma troca da figura do editor pelos cálculos matemáticos? Pelo lado mais simplista, sim, mas por outro ângulo esses algoritmos são justamente posicionados diante das informações que o público informa. Os algoritmos são montados com bases matemáticas das escolhas de cada usuário. E aí novamente vemos o público tendo voz.

Por fim, pode-se dizer que há, sim, uma libertação de alguns grupos midiáticos para cair sobre outros grupos. Mas esse novos grupos trazem quesitos a mais no que se refere à democracia, isso porque, o grande trunfo da internet – a interatividade – está fortemente presente. E é através dela que são baseados cálculos, processos e necessidades. O público ganhou de vez o poder de se manifestar. E aí entra a afirmação de Jenkins que diz: “Produtores que falham ao dialogar com esta nova cultura participativa entrarão em declínio. As tensões futuras irão definir a cultura do público do futuro [JENKINS, Henry. Convergence Culture. New York: New York University Press, 2006. p. 23].”

******

Maíra Bittencourt é jornalista, doutoranda da ECA-USP e docente de Comunicação Social