Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O boato nefasto da ‘bolsa-prostituição’

A credulidade inocente de boa parte da população usuária das mídias sociais é um risco e um problema que ainda não foi suficientemente abordado pela imprensa. Uma postagem absurda em um blog (10/5) quase desconhecido espalhou-se pela blogosfera, pelo Facebook e o Twitter, e quase convenceu muita gente que o governo federal iria subsidiar garotas de programa em 2 mil reais ao mês. Por alguns dias, muita gente acreditou que a administração Dilma Rousseff iria pagar algum tipo de auxílio às profissionais do sexo.

A Rádio Criciúma (16/5) comentou o bizarro fato, mas não captou a malícia do autor da mentira publicada: “Mesmo a ‘notícia’ sendo totalmente descabida e o blog ser exclusivamente preenchido com textos de humor, muitos internautas compartilharam nas redes sociais, sem conferir a veracidade, causando revolta dos indignados – que também não procuraram se informar, com a suposta ajuda às garotas de programa. Foram tantas pessoas tomando a informação como verídica que levaram à ira a senadora petista Ana Rita (PT), do Espírito Santo”.

O problema é que o blogueiro atribuiu a proposta supostamente aprovada no Senado à senadora do PT, que desmentiu tudo e prometeu colocar a Polícia do Senado atrás do autor da falsa notícia. O diário Estado de Minas (16/5) e a Agência Senado (no mesmo dia) publicaram a notícia. O blogueiro desconhecido, que se identifica como “Joselito Müller, o homem do jornalismo destemido” permaneceu altaneiro e desafiador: “Podem processar que eu não tenho medo”, dizia “Joselito”. Ao mesmo tempo, desculpou-se à senadora, prometeu revelar seu nome e reconheceu o erro.

Sempre a manter o tom agressivo e desafiador: “Devo admitir, vá lá, que foi leviano de minha parte atribuir à parlamentar a autoria de um projeto inexistente.Minha conduta é passível de reparação, caso sua Excelência queira me processar e, no âmbito do processo, comprove que sofreu danos em função de meu humilde post. Redijo o presente não com escopo de me retratar, mas para expressar minha preocupação com o fato de que mentiras descabidas, redigidas em linguagem supostamente jornalística são verossímeis atualmente no Brasil. Isso é um sintoma de que algo vai mal na política nacional, e demonstra que representantes dos poderes da República vêm protagonizando atos capazes de deixar o povo estarrecido. Por isso qualquer absurdo se torna crível no Brasil de hoje em dia!”

Finge ser semianalfabeto

O blogueiro aproveitou a situação para atacar a atual administração, que segundo ele é a principal responsável pela disseminação de mentiras na web. Ele diz-se apartidário e anarquista, mas seu alvo invariavelmente é o PT nas sandices que publica. O homem é perigoso e mal intencionado. É, na realidade, um elemento nocivo ao trabalho de todos os blogueiros políticos sérios que existem no Brasil. Seu blog é um espaço para piadas e brincadeiras de péssimo gosto e inclinações fascistoides. E registra imensa disseminação a partir dele da informação falsa no Facebook e no Twitter.

Quem partilhou aquela imensidade de informação falsa na web agiu com ingenuidade perigosa. E acabou como piada para o blogueiro não-identificado, que debochou de todos que embarcaram em sua loucura. Postou insultos e deboches no Twitter sobre todos os que acreditaram nele. Chegou a enganar algumas rádios do interior do país e muitos e muitos outros blogueiros, além de publicações de pouca importância.

“Joselito” é uma invenção suspeita: esconde-se atrás de uma alcunha e de seu blog, que apresenta fotos falsas como sendo suas. A última usada foi a do falecido ator Warren Oates. O blog mostra ainda um homem apontando uma pistola em direção de quem lê e uma antiga ficha da censura dos tempos da ditadura militar. “Joselito” fez questão de afirmar no Twitter que “não é réu primário” e já cumpriu pena por “por homicídio e extorsão mediante sequestro com resultado de morte”, ameaçou. Ele intimida explicitamente quem lhe faz oposição, a menos que seja uma autoridade. Ele finge ser semianalfabeto, mas quem lê a fundo o que ele escreve vê que a coisa não é tão simples assim: ele conhece a lei, e parece usar um português vulgar como instrumento para esconder sua verdadeira identidade.

“Deficientes cognitivos”

Não é difícil estabelecer um perfil aproximado do “Joselito”:

>> Ele ataca todos os partidos políticos;

>> Proclama-se anarquista, mas isso não é compatível com suas ideias;

>> Tem uma agenda ultraconservadora e uma veia agressiva;

>> Parece também bem sustentado por gente mais poderosa do que o alcance de suas mentiras;

>> Dispara seu fel contra tudo e contra todos;

>> Usa a democracia para desacreditá-la;

>> Segue gente importante no Twitter. De todas as tendências políticas.

Seu perfil sugere conexões com a ultradireita e com os opositores antidemocratas de um governo democraticamente eleito e bem aceito pela população. Mas o homem pode muito bem ser um “franco-atirador” a operar sozinho. Pessoalmente, não acredito nisso, mas é uma possibilidade concreta.

Joselito desmentiu tudo (17/5), quando viu que a coisa estava a esquentar. Mas o fez em seus termos: entre o material publicável que encontrei ele chamou de “deficientes cognitivos” todos aqueles que acreditaram em sua postagem, e depois de desmentir a mesma sobre a senadora e seu suposto projeto de financiamento a prostituição, publicou uma série de links para publicações que fazem oposição sistemática ao governo, incluindo algumas que envolvem a senadora Ana Rita. O blogueiro quase sempre mira o PT em suas postagens.

Postagem maligna

A “experiência” iniciada por “Joselito Müller” demonstra que grande parte dos usuários das redes sociais contenta-se em ler a penas os títulos dos artigos. Depois, se aprovam os mesmos, partilham na mídia social. Mesmo não tendo tido qualquer contato com o conteúdo da postagem. Como foi o caso aqui relatado: a postagem falsa era passada adiante aparentemente sem qualquer verificação ou um mínimo de senso-comum. Principalmente no Facebook. É o que eu chamo, nas redes sociais, de “síndrome de incêndio australiano”: a coisa se alastra com uma velocidade tamanha que pouco há a ser feito. Mas também foi muito mais do que isto: foi uma tentativa de desacreditar as instituições democráticas, um governo eleito, a imprensa e o público incauto das redes sociais que não verifica a autenticidade do que lê e partilha na rede.

Postagens com as do blogueiro que se esconde atrás do nome “Joselito” são comuns na web. Ele mesmo confessou que não esperava tanta repercussão do post. O aumento das visitas em seu blog foi de 1.700% a partir da postagem sobre a suposta “bolsa-prostituição”, segundo a Alexa, o site da Amazon que faz a contagem de visitas e classificação hierárquica dos sites e blogs na web. Antes disso, suas estatísticas eram nem mesmo registradas pela controladora de estatísticas na rede. Também podemos suspeitar que uma postagem daquelas jamais seria tão popular sem a colaboração daqueles que querem a derrocada deste governo a qualquer custa e qualquer meio, seja ele qual for. O título era conveniente, e eles o partilharam na web. Sem ler o que estava escrito. O tiro acabou saindo pela culatra.

O “caso Joselito” serve como alerta contra a excessiva credulidade de boa parte dos internautas que não conferem nada do que lêem na web: se está escrito lá, em tom de notícia séria, então é verdade. Grande parte dos usuários das mídias sociais precisa mudar seu comportamento com relação ao que compartilha nas mídias sociais. O atual padrão de não ler (ou ler parcialmente) o conteúdo é irresponsável: nem tudo que é publicado lá é verdade, e a credulidade de alguns utentes pode ser manipulada para causar problemas de proporções inesperadas e danos de grande extensão a sociedade.

Se os cidadãos contemporâneos também são informadores hoje em dia, é necessário que comecem a comportar-se como gente de imprensa: tudo o que é lido e partilhado deve ser verificado. Não custa nada, não é difícil e com apenas alguns cliques uma mentira pode ser desmascarada facilmente. Em alguns casos não é preciso chegar a tanto: a mentira é tão óbvia que um pouco de bom senso basta. Joselito debochou do povo que acreditou nele. Chamou todos de “deficientes cognitivos”. Agora ficou sem apoio e marcado pelos que foram enganados e ofendidos, os que já desconfiaram desde o início, e aqueles que tomaram conhecimento do caso e condenaram sua postagem absurda e maligna.

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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor