Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O perigo da tecnologia sem relevância

Em São Francisco, um mau hábito pode levar à criação de uma empresa de tecnologia. Mike Belshe e Bill Lee, por exemplo, viviam atrasados para reuniões e trocavam mensagens de texto: “Chego em 5 minutos!” Foi assim que eles criaram o Twist, uma startup de 10 pessoas.

O primeiro produto deles é um aplicativo para smartphone que ajuda usuários a informar alguém de que estão atrasados, mostrando a localização num mapa. Investidores gostaram da ideia o suficiente para investir US$ 6 milhões no Twist no ano passado. “Achamos que podíamos fazer algo melhor que enviar mensagens de texto entre nós”, disse Belshe. “Estávamos tentando lidar com aquele problema e facilitar as coisas.”

Será o Twist uma boa ideia ou Belshe e Lee estarão caindo numa propensão para criar um produto mais para amigos “tecnófilos” do que para o público?

Às vezes, roteiristas de Hollywood criam roteiros cheios de piadas internas que só pessoas do meio entendem. E, às vezes, empresários de tecnologia do Vale do Silício criam companhias mais apreciadas por outras pessoas que vivem e respiram tecnologia.

O Twist não é a única startup cujo público-alvo não vai além de São Francisco. Entre muitas, há a BlackJet, que oferece “jatos privados acessíveis” a pessoas da região. E o Swig, que conecta pessoas a lojas de bebidas.

“Uma das lições mais importantes que aprendi é que somos culpados no Vale de projetar coisas para nós mesmos”, disse Andy Smith, coautor de The Dragonfly Effect, livro sobre tecnologia e empreendedorismo.

Numa região que tem a mais alta concentração de trabalhadores em tecnologia dos Estados Unidos, segundo o Departamento de Estatísticas do Trabalho, o resultado pode ser um foco em soluções para problemas mundanos. “Não são necessariamente más ideias, mas não são as ideias de que o mundo mais precisa”, disse Smith.

Isso não significa que não haja pessoas pensando nos grandes mercados. Elon Musk, criador da Tesla, fabricantes de carros elétricos que podem custar mais de US$ 100 mil, disse na semana passada durante um evento que deve lançar um carro de US$ 30 mil nos próximos cinco anos. Musk trabalha também no SpaceX, que já leva cargas para a Estação Espacial Internacional e que ele espera que um dia leve pessoas comuns (ou ao menos pessoas ricas) em viagens pelo espaço.

Mas com frequência, diz Jason Pontin, editor-chefe da revista MIT Technology Review, essas startups estão solucionando “problemas falsos que na verdade não criam valor nenhum”. Ele tem bastante conhecimento sobre empresas cujo objetivo não é exatamente o sucesso absoluto. Entre 1996 e 2002 Pontin foi editor da revista Red Herring, publicação de São Francisco que cobriu e relatou a bolha das empresas de internet e o eventual colapso delas no fim dos anos 1990.

Adaptação

Ainda assim, algumas empresas que começam com o Vale do Silício em mente se adaptam ao restante da sociedade. Um exemplo é a Uber, que no início era um serviço online de aluguel de carros de luxo e que tinha pessoas ricas como público-alvo. À medida que a empresa se expandiu para outras cidades, criou opções mais baratas.

Mesmo os fundadores do Twist veem um futuro além de avisar seus amigos de que estão cinco minutos atrasados. Belshe disse que planeja criar uma versão do aplicativo que informa o “tempo estimado de chegada de encomendas” feitas pelas pessoas.

Assim como o Google é sinônimo de busca e o Facebook é sinônimo de rede social, Belshe espera que o Twist venha a ser a empresa imprescindível para pessoas que querem saber o tempo de chegada de uma série de coisas. “Quando se é uma startup, pouco importa se tudo está planejado”, disse Belshe, que já trabalhou no Google, e antes vendeu uma empresa de software à Microsoft. “Importa que se tenha grandes oportunidades.”

Se o Twist fracassar, tudo bem, é o que ocorre com a maioria das startups. “Uma das coisas mais interessantes do Vale é que ele é o lugar onde se pode falhar, e se isso acontecer pode-se levantar dinheiro e tentar de novo”, disse Mark Leslie, empresário aposentado e palestrante na Escola de Graduação em Administração de Stanford.

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Nick Bilton, do New York Times