A Comissão Europeia acusou formalmente ontem [quarta, 15/4] o Google de abuso de posição dominante, em um processo que pode resultar em uma multa de até € 6 bilhões – ou 10% da receita mundial do gigante americano da internet. A decisão foi anunciada pela comissária europeia de concorrência, Margrethe Vestager, que investigou a suposta violação da lei antitruste. Se não houver acordo, a companhia corre ainda o risco de ser dividida em duas, quebrando seu modelo de negócios.
O processo foi aberto há cinco anos e quase foi arquivado em 2014. Por pressão do Parlamento Europeu – que em novembro recomendou a divisão da empresa –, mas também dos governos da Alemanha e da França e de um lobby de empresas da indústria cultural, da web e de telecomunicações, a ação acabou levada até o fim. Seu objetivo é obrigar a gigante americana a mudar suas práticas comerciais, como as usadas pelo serviço Google Shopping.
Segundo a Comissão Europeia, os usuários da ferramenta de pesquisas do Google seriam ludibriados porque os resultados das buscas não são necessariamente “os mais pertinentes”, e sim aqueles que trazem mais lucro à companhia. “Temo que a empresa tenha injustamente dado vantagem a seu próprio serviço de comparação de preços, em violação às regras da União Europeia em matéria de cartel e de abuso de posição dominante”, afirmou Margrethe.
Cisão
Em Bruxelas, a hipótese de uma divisão das atividades do Google, separando o buscador de todos os outros serviços, como YouTube, é vista como pouco provável. Mas uma possibilidade concreta seria exigir que o algoritmo que diferencia o Google de concorrentes como o Bing seja revelado, ou ainda que todos os links patrocinados sejam apresentados como tal – o que não acontece hoje.
A iniciativa da comissão foi aplaudida pelo lobby de empresas que pressiona pela punição da companhia americana. “Esta notificação representa um passo significativo para interromper as práticas anticoncorrenciais do Google, que prejudicam a inovação e a escolha dos consumidores”, afirmou em nota a associação FairSearch, integrada por Microsoft, Oracle, Expedia e Nokia.
O grupo é formado por mais de 30 companhias, que esperam no mínimo que Bruxelas reforce sua posição nas negociações que devem ser realizadas com Google a partir de agora. O processo, aliás, também expõe a influência de grupos de lobby internacional, em especial de empresas de tecnologia e telecomunicações.
O Google terá dez semanas para se defender. Mas ontem o vice-presidente do Google, Amit Singhal, publicou no blog da empresa uma argumentação na qual afirma estar “em firme desacordo” sobre as acusações.
Segundo o executivo, mesmo que Google responda por 80% das buscas na Europa, nunca o usuário teve tantas opções, como Bing, Yahoo!, Quora e DuckDuckGo. “Os internautas podem encontrar e acessar informações de muitas formas e as alegações passadas de prejuízos, de consumidores e concorrentes, se mostraram distantes da verdade”, afirmou Singhal.
Hoje, o Google sofre na Europa a maior onda de contestações desde sua fundação, em 1998. Na França, na Alemanha e na Espanha, o serviço Google News é questionado, enquanto Bruxelas já ordenou que a empresa garanta o direito ao esquecimento de usuários que se sintam prejudicados por pesquisas. A briga, no entanto, está ainda longe do fim. A decisão pode depender de novas negociações amigáveis, que podem se estender por meses ou até anos.
Caso seja de fato condenada a pagar a multa de 10% sobre o faturamento, o Google baterá o recorde em processos abertos pela Comissão. Nos anos 2000, Microsoft sofreu três multas – de € 497,5 milhões, em 2004, de € 280 milhões, em 2006, e de € 899 milhões, em 2009. Em 2009, a Intel foi condenada a desembolsar € 1,09 bilhão, a maior multa até hoje.
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Andrei Netto é correspondente do Estado de S.Paulo em Paris