Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Escândalos sob encomenda

Em 1998, ano da tumultuada privatização do sistema Telebrás, o então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros – que, além de articulador do processo de privatização, também estava envolvido nas discussões sobre a criação de uma agência reguladora para os serviços de rádio e TV – acabou devidamente deletado no dia 24 de novembro daquele ano, graças a um escândalo provocado pela divulgação de gravações ilegais obtidas por arapongas. Nelas, o ministro aparecia negociando uma carta de fiança do Banco do Brasil que permitiria ao Banco Opportunity arrematar em leilão o controle acionário da Telemar Norte Leste (TNL), contrariando os interesses do consórcio liderado pelo empresário Carlos Jereissati, que no fim, acabou levando a melhor e ficando com a empresa.

Por uma inexplicável coincidência, logo no dia seguinte à saída do ministro Mendonça de Barros, a Anatel publicou a Resolução 73, na qual os próprios conselheiros da agência se arrogaram uma prerrogativa constitucional e privativa do presidente da República e regulamentaram por conta própria diversos títulos do Livro III da Lei Geral das Telecomunicações, ‘baixando’ um lixo regulatório denominado ‘Regulamento Geral dos Serviços de Telecomunicações’ que, por não ter sido oficializado por decreto presidencial, não vale absolutamente nada em termos legais.

Este ‘Regulamento Geral’, cujo texto ‘aprovado’ pelos doutores é completamente diferente do que foi colocado em consulta pública (CP 28, de 30/4/1998), serviu de base para a criação dos regulamentos específicos dos diversos serviços de telecom, como o STFC, SMP e SCM que, desta forma, assim como qualquer outra regulamentação da LGT ‘aprovada’ pelo Conselho Diretor da Anatel, também não valem absolutamente nada, entendimento que inclusive foi manifestado pelo Supremo Tribunal federal no Acórdão da ADIN 1.668-5, emitido no dia 20 de agosto de 1998.

Pois bem. No meio do caos regulatório estabelecido a partir da Resolução 73, a agência aproveitou o embalo para parir aquela licitação esquisitona de julho de 2001, que entregava de bandeja os serviços de comunicação de dados do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) às concessionárias de telefonia. As quais, de acordo com a LGT, não podem explorar outros serviços de telecom diferentes daquele que é o objeto específico de suas concessões. Graças a uma ação movida pelos deputados Sérgio Miranda e Walter Pinheiro em dezembro de 2001, o Tribunal de Contas da União interveio na maracutaia, resultando em que, em julho de 2002, a própria Anatel anulou a licitação antes que o TCU o fizesse.

Já vimos este filme

Com a posse do Miro Teixeira no cargo de ministro das Comunicações, em janeiro de 2003, a agência se assanhou toda e, mesmo não tendo poderes legais para estabelecer políticas de governo, apresentou o Serviço de Comunicações Digitais (SCD), seu ‘fantástico’ programa de ‘inclusão digital’ que, na realidade, não passa de uma nova armação para restabelecer as metas originais da licitação de 2001 melada pelo TCU, sendo que a agência ainda teve a cara-de-pau de criar uma interpretação distorcida de um acórdão do tribunal, emitido em resposta a uma consulta feita pelo ministro Miro, como pretexto para tentar emplacar sua nova panacéia esquisitona de inclusão digital.

Aí veio a reforma ministerial de dezembro de 2003, com Miro Teixeira sendo substituído por Eunício de Oliveira no comando do Minicom. Ao contrário de seu antecessor, o ministro Eunício sempre demonstrou postura neutra, talvez até um pouco indiferente, em relação à Anatel. Em outubro passado, porém, o ministro finalmente demonstrou o que achava da ‘inclusão digital’ da agência e travou o processo de aprovação do SCD, mandando um claro recado a Pedro Ziller e companhia: políticas de governo não são para o bico da Anatel – e fim de papo.

Se o ministro fosse atrás do papo-furado dos doutores, o SCD seria o primeiro serviço de telecom da era pós-Anatel a ser aprovado por decreto, pois o último exemplar da espécie, que criou os Serviços Limitados (Decreto 2.197) ainda era fundamentado na Lei 9.295 (Lei Mínima das Telecomunicações).

Por isso, como já vimos este filme em 1998, não chegou a ser nenhuma surpresa o surgimento deste novo ‘escândalo’ envolvendo justamente o nome do ministro Eunício de Oliveira e o do TCU. Será que os indivíduos que encomendaram o ‘serviço’ ainda acreditam que há trouxas para cair neste tipo de golpe tão manjado?

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