Em novembro deste ano acontece no Rio de Janeiro a segunda edição do Fórum de Governança da Internet (IGF, sigla em inglês para Internet Governance Forum). Como etapa preparatória, foi realizado nos dias 3 e 4 de julho um seminário na Faculdade Getúlio Vargas de São Paulo, que contou com a presença dos principais especialistas brasileiros envolvidos na discussão da governança da internet. O seminário será complementado por uma segunda edição, em setembro, na capital fluminense [ver ‘Seminário preparatório para o Internet Governance Fórum‘].
Os participantes do seminário ressaltaram a importância da atuação do Brasil na discussão sobre quem estabelece os marcos regulatórios e administra a internet em âmbito global. Gustavo Gindre, representante do terceiro setor no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), frisou que é importante desmistificar o senso comum de que a governança da rede se dá de forma espontânea. ‘Existem diferentes interesses se contrapondo, a internet não segue uma linha evolutiva normal – o grande mérito do IGF é consolidar essa idéia para que as pessoas atentem para isso’. Para Alexandre Bicalho, do Conselho Diretor da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), a importância do Fórum vai além, pois ‘vai formatar não só o mecanismo de governança da Internet. É uma discussão de modelo global de governança, em todos os âmbitos’.
Assim como já faz há alguns anos, a tendência é que o Brasil defenda no IGF uma governança diferente do atual, que tem regras definidas e aplicadas pela ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), agência sediada na Califórnia e que, mesmo com membros de diversos países, é controlada pelos Estados Unidos, respondendo, inclusive, às leis do Departamento de Comércio do país. O que propõem os brasileiros é um modelo semelhante ao do CGI.Br, que tem participação não apenas de representantes do governo, mas também da sociedade civil, de acadêmicos e empresários. Bicalho afirma que é necessária uma composição que difira tanto da ICANN quanto de entidades como a ONU, onde só há representação governamental. ‘Ambos os modelos precisam ser adequados de acordo com os princípios da multilateralidade, transparência e participação de todos’, defende.
O Fórum de Governança da Internet não terá caráter deliberativo, mas pode fazer recomendações e encaminhá-las para a Organização das Nações Unidas (ONU) e para a ICANN, além de produzir estudos e documentos. Serão realizadas mesas de debate e também discussões paralelas, como workshops e as chamadas coalizões dinâmicas, grupos de discussão com a presença de representantes tanto governamentais quanto de organizações da sociedade civil e que se estendem para além dos dias em que o IGF acontece.
Padrões e propriedade intelectual
Sérgio Rosa, ex-diretor do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), e Sérgio Amadeu da Silveira, professor da Faculdade Cásper Líbero e ex-representante da Casa Civil no CGI.br, compuseram a mesa sobre padrões abertos. Rosa ressaltou que ‘a internet não é uma solução para os povos, ela é um meio de comunicação. Ela não vai resolver desavenças e diferenças culturais’. Para ele, há que se tomar muito cuidado para que a questão da investigação e prevenção de crimes pela internet não descambe para projetos como o do senador Eduardo Azeredo (PSDB/MG), que, entre outros pontos, tenta acabar com o anonimato na rede e estabelece quais crimes ganham agravante quando praticados pela Internet. ‘O freio foi feito para o carro andar em alta velocidade; a tecnologia está andando rápido, é só estabelecermos freios que não a façam parar’, afirma o ex-diretor da Serpro.
Após ressaltar que a tecnologia não é neutra, e sim fruto de definições humanas, Sérgio Amadeu dedicou sua exposição a uma disputa que existe atualmente dentro da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) sobre a aprovação ou não de um padrão de documentos defendido pela Microsoft, chamado de OOXML. A questão é que, recentemente, já foi aprovado outro padrão, o ODF, que é totalmente aberto e permite que um arquivo rode em qualquer sistema operacional (Linux, Apple, Windows, etc.), diferentemente do padrão da empresa norte-americana, que ‘é um arranjo malfeito de muitas patentes. O arranjo é aberto, as patentes não’, afirma Amadeu. ‘Se o monopólio [da Microsoft] é tecnicamente competente, por que teme a concorrência?’, questionou?
Robin Grass, norte-americana representante dos usuários não-comerciais na ICANN e ativista da luta pela liberdade de expressão, e Pedro Paranaguá, da Faculdade Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, abordaram questões relativas à propriedade intelectual e liberdade do conhecimento. Robin alertou para o risco de que a criação de novos domínios (como os atuais ‘.com’ ou ‘.org’ – por exemplo ‘.fun’ para família ou ‘.xxx’ para pornografia) acabe gerando censura e imposição, já que prevê, por exemplo, a proibição de domínios com nomes ‘imorais’ ou ofensivos. Segundo ela, o problema reside em saber quem define o que é imoral e/ou ofensivo. Já Paranaguá apresentou um histórico da propriedade intelectual, mostrando que ela foi inicialmente regulamentada a fim de proteger o autor e estimular sua produção, algo muito diferente do que ocorre hoje. ‘Há grande diferença entre o autor e o titular dos direitos autorais. Proteger e incentivar a criação não é a mesma coisa que propriedade intelectual, já que o titular da obra (quem recebe os direitos) é a indústria, não o autor.’
Na última mesa do dia, Magaly Pazello, do movimento de mulheres e especialista em regulação da internet, discutiu a questão de gênero na rede mundial de computadores e a luta do movimento feminista contra a resistência em se aceitar, internacionalmente, o combate à exclusão digital baseada no gênero. Lembrou também que não há proporcionalidade entre homens e mulheres nos cargos diretivos da ONU e da ICANN, o que acaba fazendo com que as políticas sejam feitas ‘em nome’ das mulheres, não por elas mesmas.
O seminário preparatório foi organizado pelo Núcleo de Pesquisas, Estudos e Formação da Rits (Rede de Informações para o Terceiro Setor) em parceria com o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e a Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.