Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Estamos falando pelos dedos’

Thomas Pettitt tem provocado discussão nos meios acadêmicos ao afirmar que a humanidade está voltando à cultura de transmissão oral de informação e conhecimento, tornando a época da imprensa escrita e dos livros apenas um parêntese na História. Professor de História da Cultura na Universidade do Sul da Dinamarca, ele construiu a Teoria do Parêntese de Gutenberg para analisar uma época que teria começado com a invenção da prensa, no século 15, e terminado com a era da mídia eletrônica.

‘Estamos caminhando para um futuro pós-imprensa’, disse ele, para mais adiante acrescentar: ‘Alguém pode receber uma mensagem escrita quase tão rapidamente como se estivesse falando com a pessoa. É como se estivéssemos falando pelos dedos.’ Pettitt, que deu entrevista ao Globo por e-mail, criou sua teoria no espírito de cooperação que marca as redes sociais. Usou um conceito surgido em uma discussão entre professores e, com a permissão do autor, o colega Lars Ole Sauerberg, cunhou a Teoria do Parêntese de Gutenberg, pai da imprensa. Segundo ele, a era digital derruba barreiras entre imprensa tradicional e novas mídias. A sobrevivência dos meios de comunicação, garante, estará cada vez mais vinculada à sua credibilidade.

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Estamos mesmo indo ‘de volta para o futuro’, ou seja, passando por uma revolução que nos levará de volta a um passado no qual a cultura era oral, como diz a Teoria do Parêntese de Gutenberg?

Thomas PettittDe volta para o futuro é um filme adorável, mas sempre penso sobre esse título. Imagino que, tendo viajado a um passado quando seus pais eram jovens, no fim do filme era hora de o rapaz voltar ao futuro de onde ele tinha vindo. No Parêntese de Gutenberg, a ideia é a oposta: estamos voltando ao passado ao nos movermos para o futuro. Afirmar que o futuro será uma volta ao passado não parece muito otimista. Haverá mais guerras, mais superstição e fundamentalismo, mais caças às bruxas e pragas, como na Idade Média? Fico feliz em poder dizer que a Teoria do Parêntese de Gutenberg não tem nada a ver com isso, embora meu colega L.O. Sauerberg não estivesse otimista quando inventou o termo. Ele é professor de Literatura Inglesa e literatura é algo que se lê basicamente em livros. Então, se os livros estão acabando, isso pode ser o fim da literatura também. Não estou tão preocupado, porque estudo cultura medieval e sei que havia canções, histórias e encenações maravilhosas antes dos livros, então podemos esperar que as pessoas continuarão a fazer coisas incríveis com as palavras depois dos livros.

E como isso afeta os meios de comunicação?

T.P. – O Parêntese de Gutenberg diz respeito a mudanças na maneira como comunicamos informação e histórias, de um lugar a outro e de um momento a outro. Pela lembrança e pela fala; por manuscritos; por livros, filmes, gravações e pela TV; por tecnologia digital e pela internet. Depois que a prensa foi inventada por Gutenberg, levou um tempo até que ela se espalhasse, mas por volta de 1600 o livro impresso tinha virado o meio dominante e de maior prestígio, e permaneceu nessa posição até recentemente, digamos, até o ano 2000. Agora, estamos usando meios tecnologicamente mais avançados que o livro, mas de certa forma se parecem com as tradições orais que o precederam. Da mesma forma que uma frase contém parênteses: eles interrompem a frase (mas, como estes, a modificam) e , quando o parêntese acaba, a frase continua onde a havíamos deixado antes da interrupção. Então, sim, estamos caminhando para um futuro pós-imprensa que, de certa forma, se parecerá com o passado pré-imprensa. Claro que ainda não chegamos lá: estamos na transição, na saída.

Dois momentos decisivos

De que maneira a cultura da internet está resgatando e continuando a cultura pré-Gutenberg?

T.P. – As semelhanças estão na maneira pela qual nos comunicamos por palavras: a maneira como lidamos com informações e narrativas que estão em palavras. Já temos há algum tempo meios eletrônicos como a TV, o rádio e o cinema, que voltam ao mundo da oralidade porque as palavras são faladas, e não vistas em uma página. Foi a isso que Marshall McLuhan se referiu quando disse que estávamos saindo da ‘Galáxia de Gutenberg’. Nossas novas mídias (smartphones, laptops, tablets e suas conexões de internet) estão tomando conta dessa comunicação pelo som e até ampliando-a. Claro que elas também são usadas, talvez até mais, para a comunicação pela palavra escrita, mas isso é feito de maneira diferente da usada pela imprensa. Em alguns dos meios mais difundidos (emails, SMS, Twitter), alguém pode receber uma mensagem escrita quase tão rapidamente como se estivesse falando com a pessoa. É como se estivéssemos falando pelos dedos, então a maneira de escrever é muito mais próxima da fala. As novas mídias também tornam mais fácil mexer em um texto.

Mesmo nas revoluções, o ponto da virada muitas vezes só é percebido quando já passou. Quais são esses pontos, até agora?

T.P. – Não tenho certeza de que as pessoas não se dão conta das revoluções enquanto elas estão acontecendo. Mas, por outro lado, a natureza da mudança ou o ponto sem retorno pode nos escapar. Penso em dois momentos decisivos na nossa revolução. Um deles é o dia em que todos os livros (e jornais) forem criados em forma digital – suspeito que em muitos países este momento já passou. O outro é o dia em que todos os livros (e jornais) que já existiam tiverem sido escaneados e portanto existirem em forma digital – estamos muito próximos disso.

A época da imprensa nos deu a História

Até que ponto nossa percepção do mundo e nossa comunicação são determinadas pela tecnologia?

T.P. – Esta pode acabar sendo a mudança mais importante de todas. Há coincidências interessantes entre revoluções na mídia e na maneira de pensar das pessoas. Alguns estudiosos veem uma conexão entre a difusão da imprensa e grandes mudanças na cultura europeia: o Renascimento, a Reforma, a revolução científica. Se isso for verdade, podemos esperar que nossa revolução digital tenha um efeito radical sobre a maneira de pensar. Minha teoria é que há uma conexão entre os livros e uma visão de mundo que separa as coisas em categorias rígidas. A tribo que chamo de ‘gente do livro’ parece gostar de categorias. É apenas durante o Parêntese de Gutenberg que as pessoas insistiram tão ‘categoricamente’ em que alguém é macho ou fêmea, negro ou branco, humano ou animal, ser vivo ou máquina. Na Idade Média, antes da imprensa, as misturas eram mais toleradas, e parece que estamos voltando a essa tolerância.

Qual a influência definitiva da era de Gutenberg para a humanidade?

T.P. – Difícil dizer. Daqui a um século, é possível que turistas visitem bibliotecas da mesma maneira que hoje nós vamos a museus para ver espadas e armaduras. A ideia de parênteses (já que parênteses modificam a frase que interrompem) sugere que não teríamos chegado onde estamos agora sem o período da imprensa. Mas isso não significa que ele é um estágio obrigatório de desenvolvimento. Deve haver muitas comunidades no que costumávamos chamar de Terceiro Mundo que eram analfabetas até pouco tempo atrás, ou que não tinham dinheiro para livros, e que passaram diretamente para os celulares e a internet, que simplesmente pularam o Parêntese de Gutenberg. A verdadeira questão é: a época da imprensa nos deu algo que não teríamos tido sem ela? E a resposta mais óbvia é: a História. Para as culturas alfabetizadas, o que aconteceu no passado está registrado em documentos, e a imprensa assegura que muitas cópias desses documentos sobrevivam, e há muitas cópias dos livros de História que discutem o que os documentos registram.

O fator-chave é a reputação do mensageiro

O senhor disse que, na era de Gutenberg, o impresso era visto como uma garantia da verdade, e que isso está deixando de existir. Com que rapidez isso está acontecendo?

T.P. – As pessoas preferiam pensar de acordo com categorias, incluindo categorias de mídia. Então, a escrita é mais verdadeira do que a fala, e a imprensa, mais verdadeira que um manuscrito. Livros com encadernação de couro e letras douradas são tratados com mais respeito do que panfletos. É só quando você mesmo escreve um verbete de enciclopédia que se dá conta de que a capa de couro não prova nada.

Como a mídia tradicional pode se diferenciar neste mundo de abundância de informação?

T.P. – Esta é uma das áreas nas quais a ideia do Parêntese de Gutenberg pode nos ajudar a prever ou a lidar com o futuro. As coisas estão mudando muito rapidamente. A maioria dos jornais complementou sua versão impressa com um site, e já foi previsto que dentro de 15 anos a maioria dos jornais existirá apenas na sua forma digital. Os jornais já não podem presumir que serão mais respeitados que outras fontes de informação devido ao seu formato. A imprensa está no caminho de saída, e qualquer veículo com patrocinadores generosos, não importa o quão errônea ou extrema sua mensagem, pode criar um website tão impressionante como o do mais respeitado jornal. Então, como os jornais podem convencer as pessoas de que sua mensagem é mais confiável e que vale mais pagar por ela? Estamos de volta à era pré-Gutenberg, quando os medievais recebiam notícias por meio de rumores, e as notícias de lugares remotos chegavam por estrangeiros. Como decidir em quem acreditar? A chave é a reputação, ou a fama. Essa era a coisa mais importante nas sociedades orais, e o mesmo pode acontecer nas sociedades digitais. Na hora de decidir sobre a veracidade das notícias, o fator-chave é a reputação do mensageiro.

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Jornalista