Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Estressados pelas críticas

Desde o momento em que os blogs passaram a ser ferramenta de uso corrente na imprensa brasileira, a agilidade na transmissão de entrevistas exclusivas, furos jornalísticos, transcrição de documentos que incriminem políticos, contraventores etc. permitiu também o nascimento de uma inesperada faca de dois gumes na mídia nacional: a reação igualmente instantânea dos leitores que, dada a extrema facilidade de resposta aos textos postados, utilizam o recurso dos comentários para despejar opiniões nem sempre elogiosas aos escribas. São expressões, e muitas chegam à sarjeta do decoro, que se não atacam diretamente a integridade moral dos jornalistas tentam detonar a alegada imparcialidade com que são conduzidos os rumos dos trabalhos de investigação.

Os sintomas da revolta vêm sendo observados principalmente nos blogs políticos, que servem de termômetro, de espelho – entre outras metáforas de licença poética – dos bastidores do poder em Brasília. A maioria das queixas e ofensas dos ciberleitores endereçados aos repórteres políticos, em especial aos do jornal O Globo, é uma mistura de conspirações amalucadas, das supostas tendências tucanas de opinião sobre os processos de cassação de parlamentares petistas nas CPIs dos Correios, dos Bingos e do Mensalão até inocentes palpites sobre o possível sucessor de Severino Cavalcante na presidência da Câmara dos Deputados. Basta ler o que escreveu a colunista Teresa Cruvinel em 21 de setembro.

Se falo que o Nonô, do PFL, é um bom nome para suceder ao Severino na Câmara, lá vem pedrada. Se noticio, com a maior objetividade, um seminário do PFL sobre pobreza, mais pedradas. (…) Ora, convenhamos, assim não dá.

E dá sinais de estafa quando pensa na possibilidade de até mudar o enfoque do blog:

Se digo que o Lula acha que pode concorrer à reeleição, acha que teria trunfos a apresentar sobre políticas sociais e política externa, um outro diz que sou burra e estúpida porque só eu não vejo que ambas as políticas são um fracasso! (…). Eu mesma estou pensando em transformar isso aqui num blog literário, e tenho certeza de que muitos continuariam aqui comigo.

Serenidade e maracujá

Os blogs proporcionaram duas coisas: promoveram uma extensão analítica dos fatos bem mais amplificada do que as páginas dos jornais, criando-se uma liberdade editorial quase sem limites, mas também enraizaram o hábito da resposta imediata nos leitores. É uma proximidade de contato um tanto delicada, já que quem escreve blog, uma ferramenta de comunicação pública, tem de estar preparando para esse tipo de invasão. Não são poucas as vezes em que colunistas do Globo postam textos em que se explicam, reproduzem mensagens de leitores que se sentem censurados e até desabafam sobre o conteúdo de algo que lhes tirou a paz.

Um dos jornalistas-blogueiros mais atacados é, sem dúvida, Jorge Bastos Moreno. Em 15 de setembro ele escreveu o seguinte:

(…) Se eu posso brincar comigo mesmo, o leitor tem também o direito de fazer o mesmo. Mas estou sendo agredido com palavrões, ofensas. Essa gente que está fazendo isso comigo não me intimida e nem inibe o meu dever de correr em busca da notícia. Esses comentários eu os deleto todos, pois contêm palavrões. Estranho apenas que gente desse tipo tenha acesso à internet, um instrumento que deveria servir aos esclarecidos (…)

Helena Chagas, em 14 de setembro, tenta dosar o espanto das agressões com uma explicação sobre os diversos níveis de rivalidade dentro das sociedades modernas:

Blogueiros, sabem o que mais me tem impressionado nas mensagens de vocês? O nível de radicalização. No bom sentido, gente. Poucos têm passado dos limites da educação e do bom senso. Mas, mesmo esses, refletem em suas mensagens o clima de passionalidade que tomou conta do cenário político. Quem é Lula, é Lula e acabou. Não reconhece erros, nada. Quem é oposição também não consegue sequer ouvir argumentos que não combinem com suas convicções cristalizadas. O que mais me preocupa é que esse é o clima que está tomando conta da sociedade: o branco contra o encarnado, chimangos contra maragatos, York versus Lancaster… Gente, isso não é bom. Um pouco de serenidade e suco de maracujá não faz mal a ninguém. Por que tanta raiva?

Choro é para o terapeuta

Já Ilimar Franco deve ter perdido uma boa parte da manhã de trabalho tentando convencer um blogueiro de que não era vítima de boicote opinativo. Basta constatar o tamanho do texto:

Querido João. Os tempos são difíceis. Às vezes é complicado saber qual deve ser o comportamento adequado. Mas certamente julgar e constranger alguém por suas idéias não é democrático. Ninguém pode ser desqualificado por defender suas posições. Alguns leitores têm a tendência de xingar o jornalista quando não concordam com suas opiniões. Estes não se preocupam em refletir sobre o que estão lendo. Partem de idéias pré-concebidas e são intolerantes quando lêem manifestações diferentes de sua cartilha. Acho mais útil permitir que cada um defenda seus pontos de vista e conteste respeitosamente os argumentos com os quais não concorda. Eu não aceito a utilização do método de espinafrar aqueles com os quais não concordamos. Não é justo, não é inteligente. Além do mais, João, você não é obrigado a ler ninguém. Se você não gosta do que escreve ou considera que determinado jornalista tem sempre a visão errada dos fatos, não perca tempo. Vire a página. Agora, você não pode querer impedir que essa pessoa se manifeste.

Sim, é desgastante ter a honra atacada sistematicamente por tantas pessoas. O signatário deste texto também já teve seus momentos de fúria com as injúrias alheias em seu blog. Mas transformar a estupidez em pauta ainda não é saída para dar voz às insatisfações dos leitores. Até que se prove o contrário, a democracia é a mais humanizada forma de sistema político. É dessa humanização institucional, e também graças à internet, que se permite hoje em dia que uma centena de desconhecidos teça exemplares críticas construtivas ou as mais chinfrins e gratuitas ofensas sobre o que se lê. Essa interatividade entre colunista e leitor precisa ser revista, pois a essência desses blogs, que é discutir política, se afasta a partir do momento em que a preocupação em responder a desaforo torna-se maior do que a preocupação com os rumos políticos do país.

O prefeito do Rio, César Maia, blogueiro criticado pelo excesso de tempo que dedica ao passatempo, em vez de administrar a cidade que o elegeu), nunca perdeu tempo respondendo a leitores mal-educados, por mais que a política motive essa prática. Se os jornalistas-blogueiros de O Globo acham por bem chorar as pitangas em praça pública que o façam com seus analistas e terapeutas. Se o jornal algum dia me contratar, eu prometo que só escreverei sobre minhas fontes, e nunca sobre mim mesmo.

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Jornalista