Em 2009, a revista Rolling Stone descreveu o banco de investimentos Goldman Sachs como ‘uma enorme hidra vampiresca’ que gosta de grudar seu ‘funil de sangue’ em qualquer coisa que represente dinheiro. A hidra sugou mais um negócio dos grandes. Associado ao grupo russo Digital Sky Technologies (DST), o Goldman Sachs investiu a cifra de 500 milhões de dólares no Facebook, valorizando a mais popular rede social para um incrível patamar de 50 bilhões de dólares. O banco também tem planos de gerenciar um fundo que canalizará para a empresa 1,5 bilhão de dólares de ricos investidores.
Para o Facebook, o negócio proporciona uma montanha de dinheiro a mais para investir em coisas como novos centros de informações e aquisições. Traz combustível para aumentar o crescimento sem o inconveniente de ter que listar suas ações em bolsas de valores. Para o Goldman Sachs, a transação representa uma oportunidade de grudar seu ‘funil’ numa empresa de internet que faz seus investidores babarem. Além do benefício que usufruirá com a valorização do Facebook, o banco pretende sugar contribuições para o gerenciamento do novo fundo. E, sem dúvida, ao se aproximar dos manda-chuvas do Facebook, está acelerando as possibilidades de liderar uma possível oferta pública inicial [IPO, na sigla em inglês] pelas ações da empresa.
As notícias do negócio desfecharam um debate enérgico. O valor implícito do Facebook quintuplicou desde meados de 2009, mas os céticos duvidam que uma firma cujo modelo de negócios não foi comprovado possa valer mais que gigantes da mídia já estabelecidos, como a Time Warner.
Um salto de tirar o fôlego
Uma vez que o Facebook não é obrigado a divulgar informações financeiras, é difícil saber ao certo se o Goldman Sachs e a DST – que já possuíam uma parte considerável das ações do Facebook – estão fazendo um pagamento supervalorizado. Mas os otimistas do Facebook argumentam que a escala da rede será irresistível para os anunciantes. Debra Aho Williamson, da empresa de pesquisas eMarketer, destaca que o Facebook até começou a atrair anunciantes deliberadamente conservadores – e abastados –, como a Procter & Gamble.
A empresa também começa a parecer cada vez mais um monopólio natural. A rede MySpace (Meu Espaço), que já dominou a arena das redes sociais, vem se parecendo My Empty Space (Meu Espaço Vazio). Consta que estaria em vias de fazer novos cortes na força de trabalho. E as start-ups da rede – como o Twitter, que também viu seu valor disparar (para 3,7 bilhões de dólares) – têm receitas que não passam de uma fração daquela do Facebook que, segundo dizem, chegou a 2 bilhões de dólares no ano passado.
Entretanto, os 50 bilhões de dólares do Facebook parecem um exagero. Se suas vendas realmente forem de 2 bilhões de dólares por ano, isso significa que o Goldman Sachs e a DST estariam pagando o valor de 25 receitas anuais por suas ações. Isso seria um salto mortal de tirar o fôlego, mesmo pelos padrões estonteantes do mundo das start-ups.
As regras da SEC
Além do mais, o Facebook está longe de ter um modelo sólido de publicidade, como, por exemplo, o Google, cujos anúncios relacionados com busca são oferecidos aos usuários quando estes estão a ponto de fazer uma compra. Grande parte da receita do Facebook vem da exibição de anúncios de pé de página. E, embora venha a se beneficiar do crescente interesse de publicitários em promoções boca-a-boca, a empresa terá de batalhar por esses dólares com a mídia tradicional, cujo conteúdo também a torna atraente à publicidade das redes sociais.
Apesar disto, os investidores ainda estão se digladiando para ter acesso às ações do Facebook – e o Goldman Sachs está disposto a ajudá-los, desde que concordem em aceitar algumas regras. Consta que os clientes que pensam em se associar ao fundo do Facebook estão sendo sondados para fazer um depósito de, pelo menos, 2 milhões de dólares cada um e, além disso, não negociar quaisquer ações que venham a receber pelo menos até 2013.
Um problema distinto para o Facebook e o Goldman Sachs é que o fundo planejado pelo banco poderia ter problemas com a Comissão de Segurança e Câmbio [Securities and Exchange Commission – SEC, o equivalente americano à brasileira Comissão de Valores Mobiliários]. No dia 3 de janeiro, uma corretora que trabalha com ações de empresas privadas, a SecondMarket, disse que recebera um questionário da SEC sobre fundos de investimentos em pool, criados para comprar ações de companhias privadas – exatamente o tipo de veículo que o Goldman Sachs planeja para possíveis investidores do Facebook.
Nos meses recentes, várias outras instituições financeiras criaram veículos de objetivos específicos semelhantes que fazem investimentos nas ações das empresas, o que chamou a atenção da SEC. Isso suscitou previsões de que medidas regulatórias poderão vir a tratar tais entidades não como um acionista individual, mas como um grupo de investidores individuais. Isso poderia ter implicações importantes para as companhias em que eles investem. Uma das regras da SEC exige que empresas privadas com 500 ou mais acionistas registrados em determinado tipo de ação publiquem, a cada quatro meses, relatórios financeiros feitos por auditoria. Diante de tais obrigações, a maioria das empresas procura abrir o capital na bolsa de valores. Essa regra foi um dos motivos que levou o Google, em última instância, a tornar-se público em 2004.
Uma delicada questão de equilíbrio
Tornar-se público, agora, seria um pesadelo para o Facebook e Mark Zuckerberg, seu fundador e principal executivo, de quem consta que disse que gostaria de adiar uma oferta pública inicial (IPO) pelo maior prazo possível. Também consta que a empresa teria menos de 500 acionistas no final do ano passado, incluindo empregados e capitalistas que investiram em pool. Portanto, não há dúvida de que a esperança é evitar ter seus braços torcidos.
Aparentemente, o Facebook e o Goldman Sachs têm a lei de seu lado. Joseph Grundfest, professor na Faculdade de Direito de Stanford e ex-integrante da SEC, assinala que a regra em questão determina, de maneira clara, que um fundo como aquele planejado pelo Goldman Sachs deveria ser tratado como um acionista individual. ‘Se alguém disser que o Goldman Sachs está violando a lei, obviamente desconhece a lei’, diz ele. Se medidas regulatórias interpretassem a regra de outra forma, as consequências iriam longe e atingiriam, por exemplo, as indústrias de capital aberto em pool, nas quais fundos com múltiplos investidores frequentemente investem em empresas privadas.
No entanto, alguns observadores dizem que a SEC poderá ser tentada a concluir que o novo gênero de veículos específicos que vem sendo criado por investidores como o Goldman Sachs foram especificamente planejados para funcionar na regra dos 500 acionistas. Potencialmente, poderão abarcar uma quantidade mais ampla de investidores do que um fundo de investimentos em pool típico e poderão atrair uma verificação mais precisa.
As medidas regulatórias devem proteger os investidores e avaliar as preocupações das empresas que preferem se manter privadas. Trata-se de uma delicada questão de equilíbrio. Mas qualquer pessoa que invista num mercado tão efervescente sabe, com certeza, que também corre riscos. No meio tempo, o Goldman Sachs e outros bancos que esperem tornar esses veículos um grande negócio deveriam pensar em fazer amizade com bons advogados.