Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Folha de S. Paulo


MÍDIA & POLÍTICA
Andreza Matais Maria Clara Cabral


Falta de regra põe papéis do Congresso sob sigilo eterno


‘O projeto de lei encaminhado pelo governo ao Congresso que trata do acesso a informações públicas vai obrigar o Legislativo a rever seus procedimentos. Atualmente, o Congresso mantém em sigilo eterno todos os documentos produzidos pelas Casas. A falta de classificação, faz com que, por exemplo, o Senado preserve até hoje relatórios da CPI dos Gêneros Alimentícios, de 1962.


A comissão investigou há 47 anos ‘as causas da crise que se verifica no Estado da Guanabara (Rio de Janeiro) no tocante ao abastecimento de gêneros de primeira necessidade destinados à alimentação.’ O diretor do arquivo, Francisco Maurício da Paz, diz que, como não há classificação de documentos, todos recebem carimbo de sigiloso e não é ele quem irá torná-los públicos. ‘Só o presidente da Casa é que pode autorizar.’


Somente daqui a cem anos será possível saber o que os senadores disseram na sessão do dia 12 de setembro de 2007, que decidiu pela absolvição de Renan Calheiros (PMDB-AL), acusado à época de ter as contas pessoais pagas por um lobista, entre outras irregularidades. A Secretaria Geral da Mesa é responsável por classificar o tempo de sigilo dos documentos discutidos em plenário.


O sigilo por cem anos também foi decretado para a sessão de 28 de junho de 2000, que decidiu pela cassação do ex-senador Luiz Estevão, na época no PMDB-DF. A sessão é histórica porque o ex-senador é até hoje o único que teve o mandato cassado na história da Casa. Ele foi acusado de participação no desvio de verba da obra do Fórum Trabalhista de São Paulo.


A secretária-geral da Mesa, Claudia Lyra, disse que o prazo de cem anos segue a lei 8.159/91 dos arquivos públicos para ‘documentos sigilosos referentes à honra e à imagem das pessoas’. O prazo foi mantido no projeto.


Segundo ela, o voto dado sob sigiloso continuará guardado assim eternamente porque a Constituição garante esse direito aos parlamentares.


Na Câmara, também não há regras para a classificação dos documentos sigilosos. Os membros das comissões e das CPIs têm o poder de determinar o tempo de sigilo das documentações. Segundo o diretor das Comissões, Sílvio Avelino da Silva, porém, os deputados nunca fixam os prazos, deixando tudo secreto eternamente.


Com a nova lei de acesso proposta pelo governo, as duas Casas Legislativas não poderão mais tratar todos os documentos como sigilosos eternamente. Terão que classificá-los como ultrassecreto, secreto, confidencial e reservado, cujos prazos de sigilo serão de 5, 15 e 25 anos. Para informações pessoais o prazo é de cem anos.’


 


TELEVISÃO
Daniel Castro


Um amor de vilã


‘Bianca Castanho, 30, ficou marcada pelas mocinhas que interpretou no SBT. Em ‘Promessas de Amor’, vive sua segunda vilã (a primeira foi em ‘Malhação’), a garota de programa Armanda. Ou quase. ‘A Armanda não chega a ser uma vilã, mas é diferente das heroínas românticas que fiz. Ela é completamente sem-noção’, diz. Bianca se considera uma atriz super-focada. ‘Essa coisa de chegar ao estúdio sem decorar texto não é comigo’, ensina. No SBT, onde gravava 30 cenas por dia, usava a tática de acordar muito cedo. ‘Não funciono à noite’, explica.


SBT desiste de fazer comercial com Ronaldo, do Corinthians


O ‘Pânico na TV’ (Rede TV!) inicia hoje uma campanha para que Ronaldo grave comerciais para o SBT. Mas pode ser tarde. Grupo Silvio Santos e staff do atleta reiniciaram na semana passada negociações para a gravação de comerciais, mas as peças não serão para a rede de TV. Isso sinaliza que o SBT pode ter desistido de ter Ronaldo.


No pacote do patrocínio do Grupo Silvio Santos ao Corinthians, ficou acertado em contrato que Ronaldo gravaria dois comerciais institucionais para empresas do grupo. Segundo executivos, foi apalavrado que as peças seriam para o SBT. A emissora chegou até a encomendar os anúncios à agência Talent. Neles, Ronaldo interagiria com apresentadores. O mote seria superação.


Mas, pressionado pela Globo, Ronaldo deu declarações de que tal compromisso nunca existiu. Silvio Santos reagiu no programa de domingo passado. Em tom de brincadeira, chamou Ronaldo de ‘tratante’.


Os humoristas do ‘Pânico na TV’ aproveitaram a deixa. Na última quarta, entrevistaram Silvio Santos na saída de um salão de cabeleireiros, em São Paulo. O dono do SBT foi diplomático e, desta vez, convidou Ronaldo para fazer comerciais para Baú, Tele Sena e Banco Panamericano. ‘E eu vou dar pra você R$ 50 milhões. Mas é um cheque sem fundo’, brincou.


Nas próximas semanas, o ‘Pânico na TV’ irá perseguir Ronaldo. Vai atrás também do técnico Dunga, pedir a convocação do camisa 9.


IDEOLOGIA DA BARRIGA


Protagonista de ‘Paraíso’, o ator Eriberto Leão, 37, saiu-se com essa ao recusar fotos que mostrassem seu abdome: ‘Não quero mostrar barriguinha, pagar de gatinho. É uma parada ideológica mesmo. E nem estou com o corpo assim tão bom. Mas não tenho nada contra ensaios sensuais. Muitos amigos meus já fizeram’. A frase está na revista ‘TPM’ deste mês, em que Leão posa para um ensaio sensual, do qual a foto ao lado faz parte.


EXPORTAÇÃO


Há um brasileiro entre os participantes da décima edição do ‘Big Brother’ inglês, que começou na última quinta. ‘A Inglaterra está me tornando gay’, falou o estudante Rodrigo, em entrevista gravada. E a corintiana Jaque Khury, primeira eliminada do ‘BBB 9’, diz ter sido convidada para um ‘BB’ no Dubai, mas não vai porque não fala árabe.


TELEFILME


A MTV brasileira lança em 23 de julho seu primeiro telefilme, ‘Friends Forever’, com os integrantes da banda Fresno, Nasi e os VJs Luísa e Felipe Solari no elenco. O filminho contará a história de três adolescentes em São Paulo. O projeto foi desenvolvido em parceria com o desodorante Rexona Teens e a revista ‘Capricho’. Juram que não é merchandising.’


 


Gabriel Toueg


Globotur chega a Israel


‘Entre as gravações de uma e outra cena da próxima novela das oito da Globo, os atores Thiago Lacerda e Rodrigo Hilbert tiveram tempo de sobra para admirar a paisagem de uma das cidades mais antigas do mundo: Jerusalém. A cidade israelense é uma das escolhidas para compor o cenário internacional de ‘Viver a Vida’, que vai ao ar em setembro, substituindo ‘Caminho das Índias’.


Apesar do momento relativamente tranquilo em Israel, a polícia local destacou dois guardas da unidade de elite para acompanhar a equipe da Globo durante toda a semana de filmagens no país. Vestidos de cinza e armados com fuzis, os guardas observavam com curiosidade o vaivém de equipamentos e atores, enquanto procuravam afastar do grupo pessoas não autorizadas -em geral turistas e curiosos.


O esquema de segurança impressionou os atores. No intervalo das gravações no monte das Oliveiras, Lacerda abordou a reportagem para perguntar sobre como é a vida no país. ‘Jerusalém é segura?’


Em entrevista a jornalistas locais, contudo, o ator disse que percebe o conflito como algo distante. Mais tarde, nas ruas da Cidade Velha de Jerusalém, ele e Hilbert conversaram com os policiais israelenses sobre atentados, o Exército e os riscos de viver no país. Os guardas queriam saber sobre futebol e sobre os atores: ‘Vocês são celebridades no Brasil?’


Apesar de não parecer uma celebridade para os policiais, Lacerda foi reconhecido nas ruas da cidade. Fãs brasileiros e israelenses o abordaram para pedir fotos e comentar o personagem Jorge, vivido por ele em ‘Páginas da Vida’ (2006), no ar desde maio no país.


Pelas ruas de Jerusalém


A equipe de 24 pessoas, encabeçada pelo diretor Jayme Monjardim, chegou a Israel em meados de maio. Lacerda, Hilbert e as atrizes novatas Thianna Bialli e Natasha Haydt vieram depois. Monjardim já tinha visitado o país em fevereiro para escolher pessoalmente as locações -ruas e muralhas da Cidade Velha de Jerusalém, o Muro das Lamentações, o mercado livre da cidade, o monte das Oliveiras, a igreja do Santo Sepulcro e o mar Morto.


De acordo com Sharon Schaveet, a produtora local contratada pela Globo, Monjardim se emocionou ao visitar o museu do Holocausto, entre as gravações, e decidiu filmar no local. Embora o museu geralmente negue pedidos para filmagens ali, Schaveet conseguiu uma autorização especial.


As cenas foram gravadas no vale das Comunidades, que relembra os locais na Europa cuja população judaica foi dizimada no Holocausto, e na avenida dos Justos entre as Nações, que homenageia pessoas que salvaram judeus durante a Segunda Guerra Mundial -entre elas dois brasileiros.


Na história de ‘Viver a Vida’, Bruno (Lacerda) é um fotógrafo que viaja o mundo e vive das imagens que vende para revistas de turismo. Ele vai a Jerusalém visitar Felipe (Hilbert), que mora na cidade e namora Fanny (Thianna Bialli). Na mesma viagem, o fotógrafo vai até a Jordânia, onde conhece Helena (Taís Araújo) e Luciana (Alinne Morais). As duas são modelos internacionais que moram no Rio.


Jordânia


As gravações em Israel duraram uma semana, entre 21 e 28 de maio. Em seguida, a equipe viajou para a Jordânia, onde fica até o dia 18. Lá, entram no roteiro de ‘Viver a Vida’ Petra (cidade em que foram gravadas cenas de ‘Indiana Jones e a Última Cruzada’), Jerash, Amã e o deserto de Wadi Rum. Depois, a equipe segue para Paris.


A previsão é que o público brasileiro assista às cenas de Israel por volta do capítulo 20, mas a Globo não confirma com precisão quando elas devem ir ao ar. Segundo a assessoria de imprensa, a sequência dos capítulos ainda não está finalizada.


A trama tem direção de fotografia de Affonso Beato, que trabalhou com Monjardim na minissérie ‘Maysa’ (2009) e com o cineasta espanhol Pedro Almodóvar em filmes como ‘Tudo sobre a Minha Mãe’ (1999) e ‘Carne Trêmula’ (1997).’


 


***
Lacerda é reconhecido na rua


‘Em Israel, a paixão pelas novelas não é diferente da brasileira. A televisão local tem um canal a cabo que transmite novelas -principalmente latinoamericanas- durante todo o dia.


Canais abertos têm folhetins israelenses e estrangeiros na programação. Além de ‘Páginas da Vida’, no ar desde maio, ‘Sinhá Moça’ também está sendo exibida. Nos últimos anos, novelas como ‘O Clone’, ‘Celebridade’ e ‘Mulheres Apaixonadas’ foram ao ar no país.


Mas Jorge, o personagem de Thiago Lacerda em ‘Páginas da Vida’, não é o responsável pela fama do autor na Terra Santa. A história de Matteo, o italiano de ‘Terra Nostra’ (1999) que tenta a vida no Brasil e se apaixona por Giuliana (Ana Paula Arósio), fez sucesso no país, sendo até reprisada. Por conta deste papel, o ator foi reconhecido por fãs em Jerusalém.’


 


Lúcia Valentim Rodrigues


‘Por mim, não gravaria no exterior’, diz autor


‘Aos 76 anos -mais de 30 deles escrevendo novelas para a Globo-, Manoel Carlos resolveu satisfazer duas vontades de uma vez. Ao montar a escalação de ‘Viver a Vida’, próxima novela das oito da emissora, ele convidou a atriz Taís Araujo, 30, para ser a heroína Helena.


‘Sempre quis ter uma Helena jovem e uma Helena negra. Resolvi me atender nas duas vontades, de uma única vez. E por admirar muito a Taís, sempre que cogitava fazer, era nela que me fixava. Não pensei, em nenhum momento, em preconceito a combater, mas acredito que isso acabe colaborando para diminuir possíveis focos desse preconceito’, conta o autor, em entrevista por e-mail à Folha. Este é o canal habitual para falar com o dramaturgo -um recluso que diz detestar conversas por telefone.


Enquanto Manoel Carlos está em sua casa, no Leblon, no Rio, o diretor Jayme Monjardim filma na Jordânia cenas com Taís, Thiago Lacerda e Alinne Moraes. Esta última é uma modelo rival de Helena nas passarelas. Filha de José Mayer, ela vai se opor ao envolvimento amoroso da personagem dele com a da jovem Taís.


‘Eu, por mim, não gravaria no exterior’, afirma o autor, ‘mas é uma tradição das novelas da TV Globo, e a empresa incentiva para que se faça. Outro estímulo vem do público, que aprova. É a porção ‘National Geographic’ das novelas’.


O autor reclama da pecha de fazer novelas realistas, sempre ambientadas nos cenários cariocas, retratando a classe média. Ele diz que suas obras apenas falam ‘da vida comum’. ‘É normal cometerem esse erro de avaliação com o que eu escrevo. Minhas novelas procuram ser verossímeis, o que é bem diferente de ser realista.’


‘Drunkorexia’


A trama de ‘Viver a Vida’ também vai abordar temas polêmicos. Além do óbvio casamento entre pessoas de idades diferentes, haverá discussões sobre a ‘drunkorexia’, doença em que mulheres deprimidas substituem a comida por bebidas alcoólicas. Esse deve ser o mote principal de Renata, a ser vivida por Barbara Paz.


A crise econômica mundial, tema constante da cobertura jornalística, também será recorrente na novela, a partir de uma equipe de reportagem que fará inserções a serem gravadas até no próprio dia de exibição da cena, para ‘esquentar’ o noticiário fictício do enredo. A atriz Camila Morgado vai liderar esse núcleo.


Com tudo isso, Manoel Carlos busca criar identificação com o público atual, que tem migrado cada vez mais para a TV paga e outras mídias. Acha que tem conseguido: ‘Busco empatia com todas as classes, pois uma novela das oito atinge milhões de pessoas. E é a todas elas que eu me dirijo. Como tenho conseguido, em 11 ou 12 novelas, alcançar essas grandes audiências, não se pode dizer que eu procuro empatia somente com a classe média alta.’


É saber se o autor de ‘Páginas da Vida’ e ‘Mulheres Apaixonadas’ conseguirá de novo.’


 


Bia Abramo


Susan Boyle e o efeito Patinho Feio


‘DUROU SEIS semanas, uma eternidade em termos de tempo-internet.


Essa foi a janela oferecida a Susan Boyle, a escocesa pé-no-chão depois de sua apresentação incrível no ‘Britain’s Got Talent’.


Incrível, no sentido de difícil de acreditar, é mesmo a palavra para a primeira aparição de Susan, no longínquo mês de abril deste ano. Os olhares e esgares de incredulidade de todos, jurados e público, quando ela apareceu pela primeira vez no palco não precisam de muita sociologia para explicar. Já dizia tudo: como ela poderia ousar?


É claro que todo mundo adorou se sentir magnânimo ao trocar a incredulidade pela admiração quando ela apareceu cantando ‘I Dreamed a Dream’ no YouTube. A gente nem precisou mesmo manifestar o desagrado, o incômodo -as caras dos jurados e os risos da plateia fizeram isso por nós. É claro que muitos se sentiram aliviados ao ouvir como ela cantava, com paixão e beleza, com afinação e vontade.


Ficamos todos encantados com o contraste entre sua vida apagada e sua coragem de enfrentar um programa de televisão competitivo, em que um e apenas um se sai vencedor (apesar de toda a conversa de que o importante é participar). Conhecemos a capacidade devastadora dos julgamentos de Simon Cowell e, bem, se ele, o sujeito que ganha dinheiro para ser livremente sarcástico, simplesmente ‘adora’ Susan, como ele declarou ao comentar sua performance, quem somos nós para também não adorá-la?


Mas ela não ia mesmo ganhar, ia? Alguém achou que Susan Boyle, mesmo cantando daquele jeito, mesmo possibilitando que milhões de pessoas no mundo inteiro se sentissem bem por acreditar em alguém incrível, seria a vencedora de ‘Britain’s Got Talent’?


Na máquina de moer carne da hiperexposição, ela já teria ido longe demais. Começou a dar defeito -dias antes da final, teria agredido verbalmente repórteres do ‘The Sun’. O efeito Patinho Feio não ia durar para sempre. Mesmo com todo o sucesso, não seria tão marquetável como seus outros concorrentes -um simpático grupo de street dance com o nome mais politicamente correto possível, Diversity, adolescentes talentosos e crianças mais ou menos prodigiosas.


E, claro, derrotada, ela é um prato mais substancioso para voragem da mídia – ainda por cima para o apetite dos terríveis tabloides ingleses.


Na letra da canção que a consagrou, há tigres que vem com a noite e transformam os sonhos em vergonha. Na história real, eles vem a qualquer momento.’


 


JORNALISMO CULTURAL
Marcelo Coelho


O grito das ruas


‘Um leitor brasileiro pode pensar que este livro cuida apenas de contar a história dos comerciantes de quinquilharias nas calçadas de Paris. Mas o termo francês ‘camelot’, preservado na tradução, corresponde a mais do que isso.


Vendedores ambulantes de jornais, panfletos, poemas e canções satíricas também fazem parte, de modo muito mais importante, da categoria estudada por Jean-Yves Mollier, professor de história contemporânea da Universidade de Versailles (França).


No fim do século 19, o papel desses ‘camelôs’ era muito maior do que o de simplesmente apregoar pelas ruas as manchetes de jornais. Naquele período tumultuado da vida republicana francesa, funcionavam como verdadeiros cabos eleitorais e agitadores de multidões.


Seus líderes, dentre os quais se destaca a figura tonitruante e mitômana de Napoléon Hayard, dispunham de uma rede organizada, em escala nacional, para espalhar boatos, panfletos e mesmo pancadas para o distinto público.


Os camelôs eram temidos pela esquerda, que não se recusava a recorrer ocasionalmente a seus serviços, e além disso tendia a ver neles algo como a alegoria viva e pedestre de algumas instituições sacrossantas, como a liberdade de imprensa e a voz do povo.


Foi a direita, contudo, que pôs em movimento com mais eficiência aquela verdadeira máquina de construção da ‘opinião popular’.


Foi assim nas agitações em torno do nacionalismo golpista do general Boulanger, nos anos 1887-1889, e mais ainda no auge da histeria antissemita em torno do caso Dreyfus, dez anos depois.


Muitos temas e áreas de interesse se cruzam neste estudo: as atribulações da liberdade de pensamento na França do século 19; a pré-história da cultura de massas; a vida cotidiana de uma grande cidade, com seus gritos, cheiros e personagens; a dinâmica da opinião pública e as lutas políticas na França republicana.


O problema de ‘O Camelô’ (Edusp, tradução de Fátima Murad, 416 págs., R$ 59) é que todos esses temas se misturam, num percurso quase tão arbitrário quanto o de seus personagens pelas ruas de Paris.


Cordel


Há espaço para falar dos poetas de cordel na Bahia e para o gênero literário dos ‘falsos testamentos’, que remonta a François Villon, no século 15.


Farrapos biográficos de Napoléon Hayard (1850-1903) se enovelam em extensas estatísticas a respeito da atividade tipográfica no interior da França; a narrativa de célebres escândalos políticos é atropelada aqui e retomada acolá, como se o leitor ao mesmo tempo já soubesse do que se trata e precisasse ser relembrado a todo tempo do que nunca se chegou a explicar direito.


Lendo a página dos agradecimentos, talvez se possa intuir o que aconteceu. Jean-Yves Mollier dirigiu um grupo grande de pesquisadores, que aparentemente foram a campo com um roteiro mais ou menos preciso a cumprir, como faziam os camelôs de Napoléon Hayard no século 19. Voltaram ao centro de pesquisas, cada qual com sua história.


Sem contexto


Mas Mollier não tem nem de longe os poderes de comunicação do ‘imperador dos camelôs’, e o que se tem é um vozerio repetitivo de dados, um balcão de preciosidades e bagatelas factuais bastante mal arranjadas. Sequer os capítulos têm numeração.


Pode-se esperar que o interessado na história da França tenha alguma ideia do que foi o boulangismo ou o caso Dreyfus.


Mas a pletora de informações descontextualizadas do livro faz com que o leitor brasileiro tenha de se defrontar com referências ao caso Troppmann (1881), à prisão de Émile Arton em 1895 (que reavivou, no dizer do autor, ‘o escândalo do Panamá na memória de todos’) e às semelhanças entre o período que sucedeu a queda de Mac-Mahon e aquele marcado pela publicação das cartas de Boulanger ao duque d’ Aumale.


A edição brasileira ajuda ainda menos, traduzindo, por exemplo, ‘répétition’ (ensaio de teatro) como ‘repetição’, e deixando sem traduzir (mas nem sempre) os títulos originais dos panfletos vendidos na época.


Versos de cordel colhidos na Bahia são mantidos fielmente, com os problemas de transcrição presentes na edição francesa, de modo que até o nome do presidente brasileiro é grafado erradamente: ‘Lulla’.


Ulalá! ‘C’est un peu trop fort quand même’.’


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