O Grupo Folha prepara-se para dar início a um novo ciclo editorial, iniciativa que envolverá o conjunto de seus veículos, em especial seu mais nobre título, a Folha de S. Paulo. O objetivo é colocar o jornal na rota do que se diz ser a modernidade, saindo do discurso para a prática sobre o que se considera hoje o papel principal de um jornal impresso: a análise. Em reunião que teve com os editores na última semana – e que se repetirá nesta quinta-feira (19/2), aí com todos os jornalistas da casa –, a direção do jornal deu outros detalhes sobre o projeto: a Folha quer ser um jornal com textos cada vez mais compactos, didáticos e analíticos; que valorize cada vez mais os seus colunistas e os furos; e que tenha como meta ser uma síntese analítica do que aconteceu de mais importante no mundo no ciclo de 24 horas.
Segundo apurou este J&Cia, tudo o que puder ser considerado commoditie, em termos de noticiário, seguirá, no jornal, a tendência da condensação (se cabe numa única retranca, não mais terá duas ou três, como hoje), ficando para a plataforma online a missão de expandir e multiplicar as notícias. Mas se o assunto for relevante, complexo, exclusivo, permanecerá com autonomia para espaços maiores, textos mais longos.
Como tendência geral, no entanto, prevalecerão os textos curtos, sucintos e cada vez mais didáticos, dentro do que pode ser considerado o binômio-chave para o jornal: compactação vs. dimensão analítica.
Além de ir na direção do que os principais estudiosos da mídia afirmam ser o caminho para o jornal impresso (partir do factual e da notícia já veiculada por outras plataformas para levar aos leitores informações novas e qualificadas, que o ajudem a entender melhor os acontecimentos, os cenários, os impactos que aquele acontecimento terá na sua vida etc), a reforma da Folha de S.Paulo, quer dizer, da sua edição em papel, tem como proposta básica valorizar as características intrínsecas da plataforma impressa, que são a de poder oferecer informação de qualidade para os leitores num número de páginas que não precisa ser necessariamente elástico, e combater as suas desvantagens físicas (quanto menor for a edição impressa, menos dispêndio com papel – comprado em dólar – e impressão e também com toda a logística de distribuição).
Preservando a ‘galinha de ovos de ouro’
Dilema para grande parte dos donos de jornais, mexer com a chamada ‘galinha dos ovos de ouro’ exige ousadia e coragem e é sempre um risco. Mas se há entre os executivos da área a convicção de que o jornal não vai morrer e de que, ao contrário, ele ainda tem um futuro brilhante, também há a certeza de que é preciso mudar. São cada vez mais veementes as críticas de todo o espectro da sociedade contra o chamado jornal velho, aquele que chega cedinho em casa repleto de notícias já vistas na web, nos celulares, nos blogs, na televisão, nas mídias sociais etc. Os números da própria Folha são eloquentes nesse sentido: o jornal impresso tem uma audiência diária média de 1 milhão de leitores; e o virtual já está batendo na casa dos 900 mil visitantes únicos. Quase a mesma. No entanto, o faturamento do jornal online é apenas uma fração do impresso, o que certamente tem sido levado em consideração nas decisões do negócio e na velocidade com que se têm feito ajustes. No caso da Folha, a decisão tomada mostra claramente a disposição da sua direção de agora sair do discurso e partir para a ação.
Conjuntamente e em consonância com as reformas editoriais (e tão estratégicas e importantes quanto elas), a direção da Folha anunciou outras duas: uma arquitetônica, nas instalações físicas do prédio da Barão de Limeira; e outra do sistema digital. A reforma arquitetônica (já iniciada) será feita em duas etapas: a primeira, prevista para se estender até setembro, promoverá o reagrupamento de todas as redações do Grupo (Agora, Folha, Folha Online e revistas, que hoje ocupam respectivamente o 2º; 4º; 6º e 8º andares), em três andares (do 4º ao 6º); e a segunda, que se estenderá até 2010, abrangendo as demais áreas, de modo a integrar e aumentar a sinergia entre elas, sobretudo as editoriais, que ficarão mais próximas e, espera-se, unidas.
Além de objetivos de produtividade, a reforma das instalações também busca melhorar as condições de trabalho, o bem-estar e o convívio entre as pessoas, coisa que acabou relegada a segundo plano no final da década passada, quando uma crise de graves proporções atingiu toda a mídia, postergando inúmeros investimentos, entre eles, esse, no caso da Folha. A reforma digital envolverá a troca de equipamentos e sistemas por outros de última geração, o que vai permitir integração total do jornal, maior velocidade e agilidade na produção e melhores recursos de edição, entre outros benefícios. Ela será feita por etapas, editoria por editoria, com previsão de conclusão no início de 2010.
Ao largo da crise
Na mesma reunião em que revelou os novos planos editoriais e de reformas, a direção da Folha também falou sobre o cenário econômico e a empresa dentro dele. O Grupo fechou 2008 com um resultado excelente (o melhor de sua história), repetindo o desempenho excepcional que já havia obtido nos quatro anos anteriores, desde 2004, crescendo entre 10% e 15% (ebtida). Entre 2006 e 2008, a publicidade do Grupo bateu recorde sobre recorde. Em meados de 2007, o Grupo quitou as suas últimas dívidas e está hoje economicamente saudável e capitalizado. Em janeiro deste ano, registrou uma queda de 8% em suas receitas, na comparação com janeiro de 2008, número que deve ser relativizado, já que a comparação se dá com o melhor janeiro da história do jornal, que foi o do ano passado. O cenário, portanto, é de cautela, mas não de crise, como tem sido com grandes grupos de comunicação no exterior e mesmo de outros setores, no caso do Brasil. Segundo apurou este J&Cia, não deverá haver cortes de pessoal na empresa. As redações estão ajustadas e, salvo melhor juízo, o ritmo do turnover ficará por conta de trocas pontuais, como é corriqueiro numa empresa com número elevado de funcionários.
O foco da cobertura em 2009
Num ano com calendário livre dos grandes eventos que mobilizam a imprensa (eleições, Copa do Mundo, Olimpíadas e panamericanos), a cobertura da Folha vai se debruçar prioritariamente na crise econômico-financeira mundial e nas ações do governo Obama, pelos desdobramentos e impactos que poderão ter no Brasil.
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Jornalista, dirige e edita o informativo Jornalistas&Cia, da M&A Editora.