A convenção do Partido Republicano em Nova York, na segunda-feira (30/8), pode ser o teste definitivo para o que alguns observadores da mídia americana (media watchers) chamaram de ‘adoção dos webloggers’ pela grande imprensa.
Será a segunda vez que um grupo de criadores de páginas pessoais de informação, mais conhecidos como webloggers ou blogueiros, recebe credenciais para cobrir o grande show das convenções nacionais dos principais partidos americanos.
Em julho, o Partido Democrata conquistou as manchetes de jornais ao credenciar 35 blogueiros em meio a um forte ceticismo da grande imprensa, que torceu o nariz ao constatar que teria que dividir espaço com professores de jornalismo, repórteres free lancers e amadores que nunca entraram numa redação – como Natasha Silver, uma dona-de-casa de 29 anos de Seattle, responsável pelo weblog Pacific Views (http://www.pacificviews.org/).
Mas quando os blogueiros começaram a chegar a Boston, sede da convenção democrata, eles imediatamente se transformaram numa atração para a grande mídia, frustrada pela monotonia dos discursos e pela total previsibilidade do show destinado a consagrar a candidatura presidencial do senador John Kerry.
O que inicialmente aproximou a grande imprensa dos blogueiros foi a curiosidade, principalmente quando entre os credenciados estavam personalidades como Jay Rosen, diretor da Faculdade de Jornalismo da Universidade de Nova York e produtor do site Press Think (http://journalism.nyu.edu/pubzone/weblogs/pressthink/), ou anônimos sem experiência em coberturas jornalísticas como Stephen Yellin, de 16 anos, que juntou mesadas para ir a Boston.
Stephen foi escolhido depois de chamar a atenção de Peggy Wilhide, diretora de imprensa da convenção do Partido Democrata, pelos textos enviados para o respeitado blog Daily Kós (http://www.dailykos.com/) com opiniões de jovens sobre os políticos americanos. O garoto deu quase 40 entrevistas a jornalistas americanos e estrangeiros na convenção.
Controle asfixiante
Ao atender à curiosidade da mídia convencional, os blogueiros aproveitaram para vender o seu peixe, buscando credibilidade junto à opinião pública americana. O resultado foi uma inédita interatividade que provocou algumas situações inusitadas.
O veterano de dez eleições presidenciais americanas Walter Mears foi escolhido pela Associated Press para escrever, durante a convenção, no blog criado pela agência de notícias. Mas a inexperiência em matéria de jornalismo online levou Mears, ganhador do prêmio Pullitzer, a buscar conselhos e dicas de repórteres amadores como o bibliotecário Jessamyn West, que faz o blog Librarian.net (http://librarian.net/), cujo contato com o jornalismo se limitou à entrega de livros para repórteres de sua cidade.
De estranhos no ninho, os blogueiros passaram a chamar a atenção também pelo que publicaram em seus sites. Enquanto a imprensa convencional seguia cegamente a sua própria agenda centrada no jogo de interesses eleitorais e partidários, os ‘jornalistas amadores’ faziam uma cobertura absolutamente personalizada, cheia de opiniões e observações pessoais dirigidas a um público muito especifico (os alunos e admiradores do professor Jay Rosen) ou com forte cunho local (caso dos vizinhos de Natasha Silver, em Seattle).
Foram duas agendas totalmente diferentes, que poderiam dar a impressão de que havia duas convenções em curso em Boston. Foi uma amostra bem clara da enorme diferença de enfoques entre um jornalismo prisioneiro de uma rotina de relacionamento com o poder, e outro, que procura sobreviver cultivando a preocupação com o local e o específico, conforme avaliação de Jay Rosen.
Enquanto os grandes jornais se preocupavam com as entrelinhas dos discursos na convenção, blogueiros como Jay Rosen preferiram falar sobre o asfixiante esquema de segurança, que obrigava os convencionais a mostrar sua credencial pelo menos 50 vezes entre o portão de entrada e o seu lugar em plenário. O titulo do posting (nome usado entre os blogueiros para indicar um comentário ou reportagem) sobre a segurança foi ‘Bin Laden também veio a Boston’.
Desafio político
A divergência de agendas acabou se sobrepondo ao debate sobre credibilidade, o grande calcanhar-de-Aquiles dos blogueiros. O que inicialmente foi visto pela grande imprensa como um show de força em relação aos blogueiros acabou se transformando numa civilizada polêmica sobre quem tem mais crédito junto à opinião pública.
A Online Journalism Review, da Universidade do Sul da Califórnia, publicou na semana passada um texto mostrando que os blogs têm mais credibilidade do que se pensava (veja em http://ojr.org/ojr/technology/1092267863.php). O site Technorati, especializado em monitoramento de blogs (visita semanalmente cerca de 3,2 milhões de blogs), comparou a confiança dos usuários da web na imprensa convencional e nos blogs. Os dados estão num gráfico na página (http://politics.technorati.com/convention_guide.html).
Como era previsto, os grandes jornais e emissoras de TV (New York Times, CNN, BBC e Washington Post) ficaram com os quatro primeiros lugares; mas, para surpresa geral, a revista online de tecnologia Slashdot, redigida por leitores, (http://slashdot.org/) ficou com o quinto lugar e, em sétimo, outra revista online, a Plastic (http://www.plastic.com/).
Jornais conhecidos como o Los Angeles Times, Miami Herald, Wall Street Journal ou revistas como Time e Newsweek têm menos credibilidade entre os usuários da web que muitos blogs que a grande imprensa nem sabe que existem.
David Sifry, fundador e presidente do Technorati explica os resultados da pesquisa como uma conseqüência de uma importante mudança em curso na forma como as pessoas estão buscando informações. ‘O público está ficando cada vez mais seletivo na busca de informações, porque a web entrou de vez no processo’, diz Sifry. ‘A tendência é combinar a consulta aos veículos com mais credibilidade junto com a busca em sites da web, onde a informação é apresentada de uma forma mais informal e personalizada.’
Na convenção republicana, o fenômeno blog não terá mais o beneficio do ineditismo e nem da curiosidade da grande imprensa. O seu desafio será político, ou seja, terá que convencer seus públicos que pode ser uma alternativa à agenda política da grande imprensa.
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Jornalista e pesquisador de mídia eletrônica.