A ‘grande Tia’ do Reino Unido, a BBC de Londres, parece muito mais antenada em produzir conteúdo tratando da situação do open source no Brasil, do que a nossa própria grande imprensa. Nota-se, ao ler matérias em sites internacionais (não somente da BBC), que este movimento incentivado pelo governo federal do Brasil em favor da adoção do modelo aberto e colaborativo para desenvolvimento, distribuição e uso de software causa grande impacto na imprensa internacional. São muitas as matérias, algumas até bem longas, associando Brasil e open source [sistemas de código aberto].
Ocorre que este ‘grande impacto’ parece estar sendo amortecido internamente pela nossa ‘grande imprensa’. Nosso analfabetismo digital, ao que parece, afeta muito mais as cabeças formadas nas escolas de jornalismo do que o chamado ‘grande público leigo’, como é classificado o leitor que procura informações nos encartes de informática dos grandes jornais e revistas, ou nos sites noticiosos da internet. Estes, coincidência ou não, em geral pertencem aos grupos de comunicação proprietários também dos jornais e revistas de ampla circulação. Ou seja, a mentalidade que permeia a mídia impressa, sobretudo a especializada em informática, vai também sendo transferida para o meio internet.
Talvez esteja na hora de a ‘grande imprensa’ descer do pedestal, reconhecer sua ignorância em relação ao universo da informática e adotar sistemas segundo os moldes do Backstage – é a BBC fazendo escola, mais uma vez – e assim permitir que aqueles que realmente se interessam e que gostam de informática possam contribuir para um conteúdo de nível elevado e antenado com as rápidas mudanças nesse meio.
Questão prática
Personalidades internacionalmente reconhecidas na divulgação do open source, como é o caso de John ‘Maddog’ Hall, afirmam que o Brasil está em posição de destaque na liderança deste movimento. Mas nossa imprensa não está sabendo colocar isto para o grande público. Esse ‘cara’ preside a Linux International (http://www.li.org/who/bio.php?name=hall) e fica pra lá e pra cá, dando sopa. É uma fonte enorme de informação. Cadê o conteúdo que poderia ser gerado a partir de entrevistas com ele? Só vi algo no Link do Estadão, onde não faltou o estereótipo, classificando o cidadão de ‘hacker’. Nada no sentido de trazer ao leitor o que é a Linux Internacional, como se formou, quais seus objetivos, como se sustenta, qual é a atuação prática do ‘Cachorro Louco’ em suas andanças pelo mundo, quais as projeções para o avanço do Linux etc. etc. etc.
Open source é coisa de geeks? Por isto não merece ser tratado na imprensa de ‘primeira linha’? Isso é um erro de avaliação grosseiro.
Open source tem sim o seu lado ‘ideologizado’, mas também tem seu lado prático. O lado ideologizado serve como um motor eficiente para este modelo, no sentido da evangelização, da divulgação, cooptação de talentos etc. Já o lado prático ataca o modelo efetivamente dominante, não baseado em ideologia (exceto a do capitalismo, obviamente). Não são os geeks que estão se chocando contra o modelo proprietário da indústria de informática, mas são empresas como IBM, Novell, HP, Nokia, Sharp, Sony, entre tantas outras (algumas com problemas de identidade até, não sabendo qual galho é melhor).
Importância encoberta
Enquanto os geeks contribuem na base, as grandes corporações vão delineando uma oportunidade única de se livrar do ‘fornecedor único’ e, desta maneira, pôr fim ao custo imposto pela taxa de um ‘quase monopólio’.
É a chance de colocar fim a esta ‘anomalia’ de mercado, gerada pela situação dominante da Microsoft em setores importantes da indústria de informática, que impulsiona em grande parte os gigantescos investimentos (tanto em espécie, quanto em propriedade intelectual) em open source. Aqui há um casamento entre ideologia e pragmatismo, pois sem esta associação singular a oposição ao status quo não seria possível.
Isto posto, motivos há – e de sobra – para que o open source permeie o notíciário especializado em informática. E, vamos reconhecer, são motivos muito importantes, componentes de um contexto de batalha ferrenha em campos que vão do desenvolvimento de software, controle do que está nas linhas de código do software (que tal o software que gerencia as urnas eletrônicas do TSE passar a ser baseado em um modelo plenamente aberto?), controle de patentes, redução de custo de propriedade (aqui um dos motivos que leva, por exemplo, o governo do Brasil a estimular o modelo open source), entre outras variáveis correlatas.
Nessa linha, poderemos expandir e conectar áreas as quais, no caso específico do Brasil, são sofríveis e têm que ser privilegiadas pelas políticas públicas – em especial saúde, educação e cultura. Sem estes pilares básicos, como formar o cidadão que será participante ativo deste modelo, colaborando com conhecimento para desenvolvimento de novas soluções?
O modelo colaborativo pede isto, ou seja, pede uma legião capacitada para desenvolver e testar novas idéias, assim como também ser capaz de analisar e propor melhorias ao que já existe. Aqui, a ‘inclusão digital’, muito (mal)tratada, e de maneira superficial, mostra-se componente essencial (porém longe de ser o único) para a vital ‘inclusão social’. Open source também gera renda.
O que mais é preciso para que nossa ‘grande imprensa especializada’ procure entender, mergulhar no contexto da informática atual e conscientizar-se sobre a importância do open source?
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Analista de sistemas