Steven Keating tem 26 anos e é aluno de pós-graduação do MIT Media Lab. Em junho de 2014, ele começou, sem nenhuma explicação, a sentir cheiro de vinagre. Imediatamente, fez uma ressonância magnética que confirmou que tinha um tumor cerebral do tamanho de uma bola de tênis alojado próximo aos centros olfativos. O cheiro era indício de derrame. O tumor foi removido com sucesso e ele segue agora vida normal, de cabeça raspada.
Keating tornou-se um dos maiores ativistas do mundo na defesa do livre acesso a informações médicas. Seu caso é exemplar e foi destaque na semana passada no jornal “The New York Times”. Ele só soube que tinha de procurar um hospital imediatamente porque havia tido acesso, cinco anos atrás, ao seu prontuário médico, que indicava pequenas alterações cerebrais. A orientação na época era para “não se preocupar” e monitorar periodicamente.
Foi exatamente o que ele fez. De posse dos seus registros, começou a estudar e pesquisar as implicações do seu caso por conta própria. Quando os primeiros sintomas começaram, estava pronto para tomar as medidas necessárias e isso provavelmente salvou sua vida.
Keating faz parte da luta pelo compartilhamento mais amplo das informações médicas, hoje praticamente restritas aos profissionais de saúde. Na sua visão, pacientes deveriam ter o direito de acessar esses dados e até mesmo autorizar que sejam compartilhados abertamente. Isso poderia salvar vidas e fazer avançar a pesquisa científica.
Prontuários médicos
Ele mesmo deu o exemplo. Disponibilizou em seu site o vídeo de dez horas da sua cirurgia, informações genéticas e quase 300 páginas de registros médicos. O objetivo é tornar seu próprio caso aberto à pesquisa. É como se usasse a lógica do software de “código aberto”, que pode ser analisado e modificado por qualquer pessoa, para o campo da medicina.
O estudante não está sozinho na sua luta. Iniciativas como o Data4Health (dados para a saúde) e a “OpenNotes” (notas abertas), criada para que médicos e pacientes possam compartilhar informações entre si, seguem nessa linha.
É claro que essa discussão está só no começo e toca em difíceis questões legais, de sigilo profissional, de privacidade e éticas. No entanto, os defensores da ideia gostam de lembrar que muitas vezes os pacientes são quem tem menos acesso aos dados sobre si mesmos no sistema de saúde.
A história de Keating ajuda também a pensar sobre o controle e acesso à informação. Hoje multiplicam-se os bancos de dados existentes sobre cada indivíduo. Dados médicos são só um exemplo. Outros incluem análises de crédito, atuarial, hábitos de consumo, análise de comportamento na internet e muitos outros. Grande parte desses dados é tão ou mais inacessível do que os prontuários médicos. Teria o indivíduo o direito de acesso a eles? Quando e em quais circunstâncias podemos saber o que se sabe sobre nós mesmos? São questões que não irão embora tão cedo.
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Ronaldo Lemos é advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro