O Brasil é o oitavo país mais conectado à internet do mundo. Segundo a Agência Brasil, em janeiro de 2004 o país possuía 3,1 milhões de computadores ligados à rede. Ocupamos o terceiro lugar nas Américas e o primeiro na América Latina. Temos o dobro do número de computadores conectados no México (1,3 milhão), o outro país do continente listado no ranking, na 15ª posição. Estão à frente do Brasil os Estados Unidos, Japão, Itália, Reino Unido, Alemanha, Holanda e Canadá, nesta ordem.
Por outro lado, dados do painel do Ibope/NetRatings, divulgados na segunda-feira (27/9), indicam que os 12,02 milhões de usuários ativos da internet em agosto de 2004 (11,6 milhões em julho), no Brasil, bateram mais um recorde em tempo de uso em seus domicílios – com 13hs58min/mês. Só ficaram menos tempo navegando que os japoneses, com 14hs26min. Os americanos estão em terceiro lugar, com 13hs40min. No último ano, os brasileiros aumentaram o uso domiciliar da web em 24,1% (foram 11hs15min em agosto de 2003).
Números como esses têm aparecido com freqüência na mídia e, independente do perfil elitista da maioria dos usuários, nos remetem a uma questão que raramente é discutida quando se fala na nova ‘sociedade do conhecimento’ ou ‘economia do conhecimento’ – e, sobretudo, quando se divulgam os inegáveis avanços que a crescente utilização da internet provoca. Trata-se da diferença fundamental entre informação e conhecimento.
Fatores políticos
Recorro a um precioso ensaio dos professores James Carey e John Quirk, da Universidade de Illinois-Urbana, EUA. Escrito originalmente na década de 1970 e publicado há alguns anos em português (‘A história do futuro’, Comunicação&política, nova série, volume III, nº 1, janeiro-abril, 1996; págs 102 a 123), mesmo referindo-se às tecnologias de comunicações em geral e não particularmente à internet que ainda engatinhava, permanece atual e instigante. Dizem eles:
Nos escritos sobre as novas tecnologias de comunicações, raras vezes a relação entre informação e conhecimento é articulada de modo adequado, porque ela simplesmente não é reconhecida como um problema. Informação e conhecimento são geralmente considerados como idênticos e sinônimos. Assume-se que a realidade consiste de dados ou bits de informação, e que esta realidade é, em princípio, registrável e armazenável. Portanto, [assume-se que] é possível, também em princípio, para um usuário [dessas novas tecnologias] saber tudo ou pelo menos ter acesso a todo o conhecimento.
Mas…
(…) o conhecimento, no final das contas, é paradigmático. Ele não surge na experiência em forma de dados. Não existe uma coisa chamada ‘informação’ sobre o mundo fora dos sistemas conceituais que criam e definem o mundo no próprio ato de conhecê-lo.
Acrescentam os professores que esse conhecimento paradigmático está presente exatamente nos sistemas de informação…
(…) contidos nos programas de computadores, nos instrumentos estatísticos, no armazenamento de informações e nos códigos de recuperação, nas teorias técnicas que pré-definem a informação, e, talvez ainda mais importante, nos sistemas de oposições binárias, esta língua franca da ciência moderna.
Ainda mais importante…
(…) os paradigmas não são independentes de propósitos e distorções exteriores; eles expressam em linguagem técnica um raciocínio impregnado de valores. Os sistemas de informação por computador não são apenas meros instrumentos de registrar informações objetivas. Eles são emanações de atitudes e esperanças.
E, concluem, a própria…
(…) ‘idéia de informação’ é um outro modo de desconsiderar fatores políticos reais como classe, status e poder.
Experiência coletiva
É preciso, portanto, que a enorme potencialidade de acesso à informação representada pelo computador e a divulgação de números relativos à utilização crescente da internet não nos iludam com relação ao verdadeiro acesso ao conhecimento. Não podemos sucumbir a uma epistemologia barata que equaciona disponibilidade de informação com aumento automático de conhecimento.
O conhecimento, ademais de paradigmático, não é neutro. Impregnado de valores e propósitos, é através dele que se organizam as informações que estão disponíveis na internet, da mesma forma que é através dele que se pode construir os sentidos do fluxo permanentemente de informações difundidas pela mídia.
Nunca será demais lembrar que somente uma educação fundada na experiência coletiva de transformação do mundo é capaz de fazer brotar o conhecimento emancipador. Internet significa, sim, mais informação disponível. Mas informação não é igual a conhecimento.
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Professor aposentado da Universidade de Brasília, fundador e primeiro coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da UnB, autor de Mídia: teoria e política (Editora Fundação Perseu Abramo)