Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Joaquim Furtado

Quem são os islamistas? São os islamitas, ou são outros?

Como deve o jornal referir-se aos activistas que usam o islão como arma?

E às Forças de Defesa de Israel, como deve o PÚBLICO chamar-lhes: IDF, iniciais da designação em inglês, ou FDI, respeitando a tradução para português?

Os publicistas existem? Existiram mas já não existem? São, ou foram, parentes dos jornalistas ou dos escritores ou dos publicitários?

Esta crónica não é, pois, sobre nenhum grande caso de deontologia jornalística. E não sendo sobre nenhum dos desafios que hoje se colocam aos profissionais da informação é, afinal, sobre o primeiro desafio que sempre se lhes colocou: o do rigor e da exactidão dos conceitos e das palavras, na descrição dos factos.

** O leitor Gerês Pereira, de Vila Nova de Famalicão, consultou dicionários e em todos viu consagrada a palavra ‘islamita’. E por isso estranha que, ao ler o Público, sempre encontre, e ‘ mais ainda desde que o terrorismo passou a assunto do dia ‘a designação de ‘islamista’ referida a ‘indivíduos que têm conexões com a fé islâmica’.

Convidada a esclarecer o leitor, a editora da secção ‘Mundo’, Margarida Santos Lopes, explica que o Público seguiu o critério de jornais franceses ( que usam islamiste ou intégriste ) e ingleses (que usam islamist e islamicist ) distinguindo assim ‘entre ‘ISLAMITAS’, os fiéis do islão crentes da religião, e os ‘ISLAMISTAS’, um termo novo adoptado pela maioria dos islamólogos, para definir os activistas políticos e militares que usam o islão como arma.’ Segundo a editora, estão neste caso, entre outros, ‘ os membros do Hamas, da Al-Qaeda, do grupo Salafita para a Prédica e o Combate ( na Argélia ).

** E sobre ‘o outro lado’ chegou também uma questão a esta coluna: o leitor Fernando Gouveia discorda do uso da sigla IDF ( do inglês ‘Israeli Defense Forces ‘ ) para designar as Forças de Defesa de Israel, já que se trata de uma organi zação de um país que não é de língua inglesa: ‘A traduzir-se, que se traduza para português. A deixar numa língua estrangeira, que seja a original !’ Neste caso seria FDI ( sigla das palavras em português ) ou em hebraico ‘ em que as 3 letras da sigla são lidas como uma só palavra ?Tsahal’ ‘.Jorge Heitor, autor do texto em causa, respondeu que a editora Margarida Santos Lopes defende o uso de IDF porque ‘ no próprio Estado de Israel também se usa muito a língua inglesa e há quem se chegue a referir assim às forças de defesa. Tsahal seria mais aplicado para o caso específico do Exército’.

Perante este argumento, o leitor mantém a discordância dizendo que ‘Tsahal? é o acrónimo da expressão hebraica ?Tsavah Haganah L?Israel?, que se traduz para português exactamente como ?Forças de Defesa de Israel?(…). Po outro lado , diz compreender que ‘ os israelitas, ao falarem para fora ‘, traduzam para inglês, mas não compreender que nós não ‘traduzamos para português’.

** Em matéria de siglas, há que considerar, entre outros aspectos, as mais citadas, por vezes as mais antigas, logo as mais conhecidas dos leitores, e as que vão entrando todos os dias no universo noticioso. Nas primeiras, encontramos casos de tradução para português (ONU, OPEP) e também casos no original (BBC, IRA), critérios que devem manter-se. Quanto ao segundo grupo, prevalecerão regras, ainda que com inevitáveis excepções. Livros de Estilo como o dos jornais ‘El País’, ou ‘O Estado de S. Paulo’(exemplos consultados), são bem mais profundos nessa definição, do que o do PÚBLICO.

Será, pois, um aspecto a considerar no processo, que decorre, de revisão do Livro de Estilo do Público (em que os leitores podem participar, nomeadamente, através do website do jornal) tal como o caso de ‘islamista’ e ‘islamita’: no capítulo dedicado às religiões e, dentro dele, nas páginas que se ocupam do islamismo, nenhuma daquelas palavras consta, entre os termos e expressões seleccionados.

** E eis aqui terminologia diariamente usada por jornalistas, observadores, editorialistas. E publicistas?!

Existem publicistas? Na dúvida, o leitor Paulo Araújo, do Porto, foi ao Dicionário da Academia das Ciências: ‘escritor político’; jornalista ou qualquer pessoa que escreve para o público em geral; escritor ou jornalista especializado; agente ou técnico de publicidade’. Foi o que o leitor encontrou e o deixou confuso.

No passado domingo, numa notícia sobre a reacção de um dirigente do PSD a uma crónica de Miguel Sousa Tavares acerca de Santana Lopes, o jornalista é referido como ‘publicista e escritor’.

Daí a interpelação do leitor: que o provedor ‘se pronuncie sobre a capacidade de criar novas palavras (neologismos) ou recuperar algumas que não são propriamente do domínio público’.

Sem prejuízo de voltar à questão nesses termos, fiquemos pela ‘recuperação’de palavras. Será o caso de ‘publicista’ ?

** Outras consultas dão respostas idênticas à que o leitor obteve. Com a excepção do ‘Petit Robert’ (edição de 1986) que classifica a palavra como um arcaísmo, enquanto sinónimo de escritor político e que, embora ainda seja ‘compreensível’, já não se usa como sinónimo de jornalista. E que é errado usá-la em vez de publicitário.

Recuemos então ao passado deste ‘arcaísmo’ importado do francês ‘publiciste’, categoria em que Balzac incluiu jornalistas e outros, e que definiu como ‘escrevinhadores que fazem política’(*). No séc. XIX português e depois, a palavra identificava, também, escritores e intelectuais em geral, que pontificavam nas páginas dos jornais então com maior pendor opinativo do que noticioso: Por exemplo, Ramalho Ortigão ou Eça de Queirós (que apesar da sua abundante colaboração na imprensa, um dia se definiu como ‘uma espécie de jornalista’). E outros, hoje menos reconhecidos, como Pinheiro Chagas, ou Sampaio Bruno autor, aliás, de ‘Os Modernos Publicistas Portugueses’ (1906), livro em que comenta opiniões dos ‘publicistas’ atrás citados e de muitos outros.

** Mas não ficaram por aqui, os ‘publicistas’. Em 1960, escrevia António José Saraiva: ‘Certos publicistas hodiernos opinam nos jornais que se devem combater os males do mundo, tais como o bikini das senhoras nas praias, as faltas de respeito das gentes inferiores, a camaradagem das crianças com mestres e pais brincalhões, os delírios da arte abstracta e outros semelhantes, com um remédio: a Política (…)’.(**)

Foi há mais de 40 anos. Com a evolução da imprensa e a profissionalização dos jornalistas, o ‘publicista’ foi sendo esquecido. Afinal, por aqueles que mais lhe podiam valer: os que escrevem nos jornais…

Com excepções: ao exemplo trazido pelo leitor, pode-se acrescentar o que, ainda há cerca de dois meses, se lia no Diário de Notícias, referente a António Barreto: ‘respeitado sociólogo, professor e publicista, a sua é das raras vozes verdadeiramente autorizadas no panorama dos opinadores nacionais’. Autor, Paulo Almeida Sande, publicista…

‘Opinadores’ são, afinal, os publicistas. Ou seja: são o que eram, mas a que passámos a chamar colunistas, comentadores, ‘opinion makers’ ?… e a que a opinião pública não chama nem isso nem publicistas mas…jornalistas?!…

Ocupação, mais do que profissão, na história dos jornais, ‘publicista’ não caiu, porém, no ‘desemprego’…

Segundo a pesquisa feita, é quem, no âmbito da actividade cinematográfica, assegura tarefas de natureza publicitária. Aquilo que consta em vários dicionários, mas que o ‘Petit Robert’ não contempla…

(*) Nelson Traquina, ‘Jornalismo’, Quimera Editores, Lda.

(**) ‘Politique d’abord’ in ‘Dicionário Crítico de Algumas Ideias e Palavras Correntes’, Publicações Europa-América.’