Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornal mente sobre senadora

Jornais e jornalistas gostam muito de falar mal dos políticos. De cobrar-lhes coerência, ética, transparência. É uma atitude meritória, já que jornais e jornalistas devem mesmo cobrar e conferir a postura daqueles que são eleitos para expressar e representar os interesses da população. Só que jornais e jornalistas também cometem suas patifarias, suas safadezas.

Atuando como jornalista desde a década de 1970, apesar de todas minhas limitações e tibiezas, acho que já deu para que eu percebesse alguma coisa. Mas a história que passo a relatar é bem recente: o jornal O Estado de S.Paulo – um dos maiores do país, baluarte na luta contra a ditadura militar, de tradição quatrocentona – cometeu um grave descuido de apuração e faltou com a verdade em sua edição de 10 de novembro de 2007. Nesse dia, este jornal, de grande circulação em todo o país, atraiçoando e comprometendo o conceito com que conta junto à população brasileira, distorceu a realidade dos fatos ao publicar matéria sob o título ‘Força-tarefa do caso Zeca investiga Serys’. Quer dizer, mentiu para o seu público leitor.

Eis a reportagem que questiono:

Força-tarefa do caso Zeca investiga Serys

Promotores apuram se campanha da petista recebeu R$ 200 mil

João Naves, Campo Grande

A força-tarefa do Ministério Público de Mato Grosso do Sul que investiga o `mensalão do Zeca´ – suposto esquema de pagamentos a aliados em troca de apoio ao ex-governador José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT – levantou suspeita de que a campanha da senadora Serys Slhessarenko (PT-MT) teria recebido R$ 200 mil. O nome dela aparece, associado a esse valor, em livro-caixa apreendido pelos promotores que serve de base às investigações.

Delação premiada

De acordo com o Ministério Público, o dinheiro que irrigava o pagamento a aliados e o financiamento de campanhas, por meio de caixa 2, vinha de contratos de publicidade do governo de Mato Grosso do Sul. Zeca nega todas as denúncias. A força-tarefa encaminhou a suspeita contra Serys à Procuradoria-Geral da República, já que a parlamentar tem foro especial.

Dizendo-se `indignada´, Serys distribuiu ontem uma nota negando qualquer participação em irregularidades. `Gato escaldado tem medo de água fria. Depois de toda aquela trama da qual fui vítima em 2006, meu receio é de que possam estar querendo armar, novamente, contra mim´, disse ela, referindo-se ao fato de seu nome ter sido citado nas investigações da Operação Sanguessuga, sobre fraudes com ambulâncias. Sua assessoria jurídica pediu informações ao Ministério Público sobre a nova suspeita.

Enquanto isso, os promotores continuam a avançar nas investigações sobre os supostos pagamentos mensais. O comandante da Polícia Militar no Estado, coronel Geraldo Garcia Orti, aceitou as condições da delação premiada e deixou de ser réu nas ações. O coronel – cujo nome também aparece na lista do livro-caixa – disse aos promotores que recebia R$ 5 mil mensais. Alegou, porém, que desconhecia a origem do dinheiro.’

Sem fatos, só má-fé

Acontece que esta pequena matéria publicada pelo Estadão se constitui em um grande repositório de mentiras. Vejam que o Estadão, de maneira torpe, garantia que ‘a força-tarefa do Ministério Público de Mato Grosso do Sul que investiga o `mensalão do Zeca´ – suposto esquema de pagamentos a aliados em troca de apoio ao ex-governador José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT – levantou suspeita de que a campanha da senadora Serys Slhessarenko (PT-MT) teria recebido R$ 200 mil. O nome dela aparece, associado a esse valor, em livro-caixa apreendido pelos promotores que serve de base às investigações.’

Acontece que, ao contrário do que O Estado de S.Paulo publicou, a força-tarefa do Ministério Público não citou, uma vez sequer que fosse ou em qualquer momento de sua investigação, o nome da senadora Serys. A informação do Estadão é leviana, mentirosa. Criminosa.

Isto foi apurado pelo advogado Vilson Nery, assessor da senadora, que, alertada pela surpreendente matéria, determinou que este seu auxiliar viajasse até a cidade de Campo Grande, no dia 12 de novembro, para cientificar-se pessoalmente dos fatos. Em Campo Grande, conversando com as autoridades que conduzem as investigações em torno do pretenso Caixa 2, o advogado constatou a irresponsabilidade que guiou a atuação do repórter e do Estado de S.Paulo neste episódio. Vilson Nery esteve com o pessoal do Ministério Público, circulou por todos os cantos de Campo Grande em busca de um fato que ligasse Serys ao episódio sob investigação. Pelos levantamentos que promoveu, ficou patente que não existiram fatos, só a má-fé de quem divulgou, com grande alarde, em jornal de circulação nacional, o falso envolvimento da senadora Serys.

Mais um ‘escândalo petista’

O promotor de Justiça Marcos Sottoriva, que coordena as investigações em Campo Grande, garantiu ao advogado que o nome da senadora Serys, ao contrário do que escreveu o repórter João Naves, jamais apareceu durante a apuração de toda esta lastimável história e não consta, de forma alguma, do livro-caixa apreendido pelo MP – desmentindo assim, de forma cabal, o que publicou, de forma irresponsável, o jornal O Estado de S.Paulo. A advogada da ex-servidora do governo de MS Ivanete Leite Martins, apontada como testemunha-chave da investigação, também afirmou que sua cliente jamais fez qualquer citação do nome da senadora Serys.

As informações levantadas pelo assessor Vilson Nery foram imediatamente repassadas ao gabinete da senadora Serys, em Brasília, que determinou à sua assessora de imprensa, a jornalista Myriam Pereira, que entrasse em contato com a redação de O Estado de S.Paulo em São Paulo para que o veículo, à luz dos fatos arrolados, procedesse à conveniente reparação de seu erro. Desde o dia 12, a jornalista Myriam Pereira vem mantendo contato com o jornalista Cláudio Augusto, que se apresenta como um dos responsáveis pela editoria de Política, mas que só tem feito desconversar. Quem foi ágil em acusar Serys, distorcendo a realidade da investigação levada a efeito pelo Parquet, agora tenta se esquivar de promover a conveniente reparação.

Em Campo Grande, o advogado Vilson Nery apurou, em complemento, que o jornalista João Naves não integra o quadro de profissionais contratados de forma permanente pelo Estadão. É um frila, como se diz, que, vez por outra, consegue ‘encaixar’ uma matéria nas páginas do jornalão – uma relação que se repete em outros rincões e reflete, de forma evidente, como já foi repetidas vezes destacado neste Observatório da Imprensa, o descaso do Estadão e demais jornalões para com a cobertura de tudo o que acontece no vasto interior do país.

Confrontado por Vilson Nery, Naves alegou que Ivanete Martins citara o envio de recursos do PT de Mato Grosso do Sul para a ‘campanha de governador em Mato Grosso’, citação a partir da qual se achara autorizado a arrolar, por conta própria, o nome da senadora Serys, já que ela fora candidata a governadora pelo PT na eleição mais recentemente realizada, de 2006. Quer dizer, uma citação temerária que, no entanto, foi incorporada pelo Estadão e divulgada não só nas páginas do jornalão, no dia 10 de novembro, como distribuída pela Agência Estado aos veículos que compram as matérias da agência pelo Brasil afora, transformando a nobre senadora em personagem de mais um ‘escândalo petista’ aos olhos de não se sabe quantos brasileiros e brasileiras.

O debate esclarecedor

Estarei me igualando aos editores do Estadão se concluir, a partir dos fatos aqui relatados, que a citação do nome de Serys na reportagem em questão constitui uma sórdida campanha contra a dignidade da senadora petista? Vejam que, quando cobrado a desmentir a matéria que assinara, o repórter João Naves disse ao advogado Vilson Nery: ‘Isso não vai adiantar porque se sair uma nota dizendo que ela não está envolvida no caso daqui, o jornal (Estadão) não vai deixar de lembrar que a senadora Serys foi suspeita no caso dos sanguessugas.’

Quer dizer, o que vemos é o frila do interior, dada a prática corriqueira das grandes redações de tripudiar sobre a honra alheia, apontando como que a inutilidade de reação de quem vira alvo deste jornalismo aparentemente todo poderoso que alguns passaram a adotar. Fico imaginando que a turma do Estadão, babando na gravata, talvez tenha pensado: ‘Se a revista Veja ataca tanto a Serys, por que é nós não podemos também atacá-la? Essa senadora já foi arrolada como suspeita no caso dos sanguessugas, alguma coisa deve existir contra ela.’ E danem-se os fatos, dane-se o dever de apurar e publicar com correção, dane-se a responsabilidade que deve orientar a prática do jornalismo em nosso país, dane-se o respeito à honra alheia. Uma vez acusada, sempre suspeita – ainda que a suspeita, uma vez investigada, não tenha dado em nada.

De sordidez em sordidez, chega-se à sórdida campanha. Campanha que fica mais do que evidente dada a atitude dos editores do jornal que, na redação em São Paulo, não demonstraram pressa alguma ou interesse em reparar o grave delito comportamental de sua equipe – desde o frila lá de Campo Grande até os maiorais que tudo definem nos aquários confortáveis da grande e majestosa redação em Sampa. O que fazer diante deste muro de insensibilidade? A senadora Serys, através de seus advogados, já iniciou mais uma demanda visando a garantir, na Justiça brasileira, o seu direito de resposta.

Vejam só que ironia: o nome dela foi envolvido indevidamente, e de forma torpe, em uma prática criminosa, e ela, Serys, é que tem que brigar para que isto não mais aconteça. Inverte-se o ônus da prova. O Estadão erra, mente, distorce a realidade dos fatos e se nega a falar do seu erro. Reparem que estamos falando de um dos principais e mais acreditados jornais brasileiros. No entanto, é dessa forma irresponsável que ele exercita as responsabilidades. Rex Stout, pela boca do seu imortal personagem Nero Wolfe, criou a expressão mais precisa para avaliar o Estadão e a postura de sua valorosa equipe neste episódio: Pfui!

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P.S: Se alguém se dispuser a expor estes fatos de outra forma, que se apresente. Nada mais interessante, para a população, do que o debate esclarecedor e revelador sobre as práticas da mídia. Se for o caso, irei pessoalmente onde quer que queiram que eu vá, para expor a minha versão. É o mínimo que posso me dispor a fazer dentro deste esforço cotidiano em que todos devemos nos empenhar para que se estabeleça a verdade, em todas as suas possíveis angulações.

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Jornalista, assessor do mandato da senadora Serys Slhessarenko (PT-MT)