Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

José Luís Fiori

‘Grande mídia de EUA e Europa se move de forma sincronizada: difundiu-se que estaria em curso um movimento espontâneo de sublevação das massas em busca da liberdade, desencadeado a partir do Iraque – o que justificaria a política belicista dos EUA.

‘A trombeta da liberdade já soou, e não foi com um toque de recolher’ George W. Bush, Le Monde, 10 de março de 2005

O The New York Times publicou, recentemente, uma matéria sobre o funcionamento das 20 agencias federais americanas encarregadas, pela administração Bush, de formar a opinião pública nacional e internacional através de matérias e entrevistas de autoridades, pré-fabricadas e distribuídas prontas para os jornais e as televisões de todo mundo.

Resultado: cada vez mais, a grande imprensa americana e européia se move de forma sincronizada, e às vezes se tem a impressão que os fatos se transformam em acessórios de grandes campanhas e mobilizações publicitárias, em escala global.

Isso ocorreu, por exemplo, com a recente reunião de Bruxelas – no dia 22 de fevereiro passado – entre o presidente Bush e os governantes europeus. As notícias foram substituídas pelas imagens, e as divergências efetivas foram trocadas por uma imagem e um sentimento publicitário de reconciliação e fraternidade, entre os Estados Unidos e a Europa, apesar de que os desacordos entre americanos e europeus tenham permanecido quase os mesmos, depois da reunião de Bruxelas. Logo depois, uma nova ‘onda sentimental’ tomou conta da imprensa dos dois lados do Atlântico, uma espécie de autocongratulação coletiva pela ‘redemocratização do Grande Oriente Médio’, anunciada pelo presidente norte-americano, numa conferência na Universidade de Defesa de Washington, feita no dia 8 de marco. ‘O degelo começou e a historia evolui rapidamente [.] as trombetas da liberdade estão soando.’ (Le Monde, 10 março, p.3).

Alguns dias antes, a secretária de estado americana, Condolezza Rice, afirmou com todas as letras numa cadeia de televisão americana, que ‘esta era uma vitória do espírito humano, da vontade do homem ser livre’, e o jornal The New York Times, que apoiou os democratas nas últimas eleições presidenciais, fez uma homenagem ao presidente Bush, ‘a quem se deve atribuir – segundo o jornal – uma boa parte do crédito por estes novos acontecimentos’. Numa linha ainda mais radical, a revista Newsweek propôs uma revisão da história recente e o reconhecimento da ‘visão histórica’ do presidente Bush. Na mesma hora, o senador Edward Kennedy, que criticou a invasão do Iraque, reconheceu o crédito de Bush, nas mudanças positivas do Oriente Médio. Quase nos mesmos dias, a imprensa européia discutiu exatamente o mesmo assunto, ainda quando tenha mantido uma posição mais analítica e discreta.

Como conseqüência, por todo lado se difundiu instantaneamente a idéia e o sentimento positivo de que o mundo estaria vivendo uma repetição das ‘revoluções de veludo’ da Europa Central, do início da década de 90, só que agora, no Afeganistão, na Ucrânia, no Líbano, na Palestina, no Egito, no Iraque e na Arábia Saudita. Por todos os lados, estaria em curso um movimento massivo e espontâneo, quase telúrico, de sublevação das massas populares – em busca da liberdade – desencadeado a partir do Iraque, o que acabaria justificando ex-post as guerras desencadeadas na região, pelo presidente Bush – verdadeira origem – ainda que trágica – desta verdadeira ‘primavera árabe’.

No momento, a opinião pública internacional parece perplexa frente ao que está acontecendo, e por isso, mais do que nunca, é preciso manter a objetividade. E nesse caso, a primeira coisa importante que se deve entender é que, de fato, o Oriente Médio e a Ásia Central foram abalados profundamente pelas guerras do Afeganistão e do Iraque. Alias, não poderia ter acontecido outra coisa, depois de duas guerras arrasadoras, numa mesma região e num lapso de apenas dois anos. No mínimo, ficou claro em toda a região do ‘Grande Oriente Médio’ que os Estados Unidos vieram para ficar, e que ninguém desafia hoje o poder americano impunemente, exatamente como ocorreu, na mesma região, com o poder imperial britânico, nos tempos da Rainha Vitória.

Portanto, não há como se enganar, porque a presença militar americana na região, a partir de agora, terá um papel decisivo nos desdobramentos da política interna dos países de toda a região. Mas isto não significa necessariamente que o ‘Grande Oriente Médio’ vá se transformar numa região democrática, segundo a vontade e o modelo anglo-saxão. As eleições do Afeganistão confirmaram o governo escolhido pelos invasores, mas sua autoridade vai pouco além dos subúrbios de Kabul, num país onde quase todas as demais regiões voltaram a ser controladas pelos seus antigos ‘senhores da guerra’ pelos produtores de papoulas para a produção de heroína e pelos próprios talibãs, que pouco a pouco vêm retomando suas velhas zonas de influência.

As eleições no Iraque, por sua vez, só se realizaram porque foram exigidas e garantidas pelo Ayatolla Sistani, no momento em que as autoridades norte-americanas pensavam em postergá-las. Foi uma vitória e uma revanche da maioria xiita, de influência iraniana, que chega ao poder de forma paradoxal, pelas mesmas armas americanas que ameaçam invadir e derrubar o regime xiita do Iran, logo do outro lado da fronteira. As mudanças na Palestina e no Líbano ocorreram na seqüência de duas mortes que ainda não foram esclarecidas: a doença de Yasser Arafat, e o atentado contra o antigo primeiro ministro libanês, Rafik Ariri. Duas mortes que provocaram, num primeiro momento, um deslocamento político, na direção dos interesses estratégicos americanos, muito mais do que um processo de redemocratização. Mas mesmo assim, no caso da Palestina, as negociações com Israel estão praticamente paralisadas, desde a cúpula de Charm El-Cheikh, no Egito, no dia 8 de fevereiro.

E, no caso do Líbano, a ‘revolução da cidra’ foi seguida imediatamente por massivas manifestações xiitas, lideradas pelo movimento Hizbollah, e pela volta ao governo do primeiro-ministro ‘pro-sírio’ de Omar Karameh, que havia renunciado há uma semana, sob pressão do movimento popular de oposição, reabrindo o conflito que foi responsável pela violenta guerra civil do Líbano, na década de 80. No Egito e na Arábia Saudita, aliados incondicionais e protetorados militares dos Estados Unidos, o anúncio do presidente Mubarak de eleições presidenciais competitivas foi muito mais impreciso e encomendado do que as eleições locais realizadas pelas autoridades sauditas, sem a participação da população feminina.

No resto da região, não se escuta uma só nota da ‘trombeta libertaria’ do presidente Bush, nos territórios do Paquistão, da Tunísia, da Jordânia, do Yemen, do Kuwait, ou mesmo, no caso da Líbia e da Argélia. E só olhar para o mapa geopolítico da região, para ver que até agora, os movimentos populares pró-democratização, só aparecem e se expandem dentro dos países que não são aliados dos Estados Unidos, e que além disto, em todos os casos, essas ‘explosões democráticas’ têm sido obra de grupos ou minorias nacionais ou religiosas que foram reprimidas e que agora estão sendo ‘libertados’ pela geopolítica americana, dentro da região.

Esta combinação de interesses e de estratégia ‘revolucionaria’ não é completamente nova. Foi concebida durante a Primeira Guerra Mundial, pelos próprios ingleses e nesta mesma região, logo depois de sua derrota militar, na Turquia, durante a Primeira Guerra Mundial. Para destruir o Império Otomano aliado dos alemães em 1914, adotaram uma nova estratégia, concebida pelo T. E. Lawrence, o estranho professor de historia de Oxford, que se transformou em personagem lendário durante a Primeira Guerra, no Oriente Médio. Tratava-se de destruir a Turquia e o Império Otomano, utilizando as próprias divisões internas dos povos árabes que foram organizados e armados para lutar contra o seu próprio Império, em troca da promessa de liberdade e soberania nacional, depois da guerra. A história é conhecida, e todos sabem, que isto não ocorreu, porque depois da guerra, na Conferência de Paris, em 1918, o Oriente Médio foi recortado e entregue à tutela da Inglaterra e da França, transformando-se em novos pedaços dos seus velhos impérios coloniais.

Deste ponto de vista, a experiência recente da ‘revolução laranja’, na Ucrânia, é verdadeiramente paradigmática, porque ocorreu num território situado historicamente dentro da zona de influência política e econômica ‘indiscutível’ da Rússia, mas contando com uma grande população de origem polonesa. A Ucrânia nunca foi considerada parte da ‘Europa Central’, libertada pelas ‘revoluções de veludo’, mas depois de 1991, os Estados Unidos têm demonstrado uma firme decisão de retirar também este território da influência russa, o que representaria uma mudança radical na geopolítica eurasiana dos dois últimos séculos. Alem disto, representaria uma derrota geoeconômica muito importante, para a Rússia, porque a Ucrânia, junto com a Geórgia e a Moldavia, forma hoje o principal corredor de comunicação, entre o mar Negro e o mar Báltico e, portanto, do escoamento do petróleo do Mar Cáspio, do maior interesse das petroleiras e do governo russo. Em síntese, trava-se hoje na Ucrânia uma pesadíssima batalha geopolítica e geoeconômica entre os Estados Unidos e a Rússia, que esteve por trás das últimas eleições presidenciais ucranianas, e do nascimento midiático da ‘revolução laranja’. Na Ucrânia, como nos demais paises envolvidos nesta história, existem forças represadas há muito tempo, e que pressionam por mudanças políticas somando-se as pressões externas e aos interesses estratégicos dos Estados Unidos e da União Européia que apontam, na verdade, para uma mudança imediata da correlação de forças dentro de cada um desses paises, mas não necessariamente, para a formação e consolidação de regimes democráticos. Como no caso da estratégia dos ‘contra’ utilizada por Ronald Reagan, na década de 80, para lutar contra e derrubar governos e regimes contrários aos interesses norte-americanos. Em síntese: o presente não é nada animador, ao contrário do que diz a grande imprensa, os desdobramentos futuros são rigorosamente imprevisíveis, e os ensinamentos passados da história não falam muito bem das ‘democracias ocidentais’. Aliás, neste sentido, o presidente Bush não é um pioneiro, dentro dos Estados Unidos. Muito antes dele, Theodore Roosevelt invadiu o Haiti, em 1902, com a intenção de impor-lhe um regime democrático. Uma história conhecida e que ainda não terminou, um século depois.’



Milton Coelho da Graça

‘A propaganda é a alma do negócio’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 15/03/05

‘(…) ‘Na administração Bush, o governo federal americano tem usado agressivamente uma ferramenta típica de relações públicas: notícias previamente preparadas que grandes corporações há anos distribuem a emissoras de TV para propagandear tudo, de remédios para dor de cabeça a seguros para automóveis. Ao todo, pelo menos 20 agências federais, como o Departamento de Defesa e o escritório responsável pelo censo, produziram e distribuíram centenas de reportagens de TV nos últimos quatro anos. Muitas foram veiculadas em emissoras locais por todo o país, sem qualquer menção ao papel do governo em sua produção’.

(…)

‘As agências federais não negam a origem das reportagens, mas estas são preparadas para ser encaixadas nos noticiários sem chamar atenção. Na maior parte dos casos, os ‘repórteres’ têm o cuidado de não dizer para quem trabalham, além de produzir reportagens sem apelo ideológico. Em vez disso, o aparato governamental que fabrica as notícias produziu uma seqüência de reportagens que descrevem um governo atento e generoso com a população.’

(…)

‘Freqüentemente, elas trazem ‘entrevistas’, com executivos dos órgãos em questão para oferecer, que são roteirizadas e ensaiadas antes. Quaisquer críticas, sinais de má administração, desperdício ou controvérsia são cuidadosamente evitados.’ (…)

Esses são os três parágrafos mais significativos de matéria assinada pelos repórteres do New York Times David Barstow e Robin Stein, reproduzida por O GLOBO na página 23 de sua edição desta segunda-feira, 14/3.

Goebbels, o ministro da Informação e Propaganda de Hitler, estaria certamente babando de inveja vendo os limites que a televisão progressivamente estende ao poder de persuasão de um governo do século XXI, seguindo os preceitos que ele vislumbrou para o uso da imagem. As cenas comandadas por Lina Riefenstahl em Nuremberg são a principal fonte de inspiração para os encarregados, quase 70 anos depois, de convencer cidadãos sobre a bondade e a eficiência de seus líderes – nem importa mais se forem ditadores ou eleitos.

O horário eleitoral – tanto de candidatos como de partidos – já nos oferece belos exemplos de manipulação da informação. Mas felizmente ainda não chegamos a esta nova fase em que a maioria das cenas de guerra é produzida por cinegrafistas militares e distribuída pelo Pentágono; ou que uma boa parte do ‘noticiário’ é produzida por serviços governamentais de relações públicas (se alguém tem alguma dica em contrário, que tal enviá-la a mim, através do Comunique-se?).

Mas é bom ligarmos as antenas. O que dá voto nos Estados Unidos logo, logo, é aprendido e seguido pelos nossos marqueteiros políticos.’



JORNALISMO NOS EUA
Antonio Brasil

‘Boa notícia: Jornalismo ainda não é irrelevante’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 18/03/05

‘Segundo a pesquisa anual do Projeto de Excelência em Jornalismo, ligado à Universidade de Columbia, dos EUA, (ver aqui), a maioria dos americanos continua pessimista em relação ao jornalismo. Pelo menos, a situação não piorou muito comparada com o ano anterior. Menos mal! A situação já esteve bem pior.

Mas ainda há muito a fazer para recuperar índices de credibilidade considerados ‘aceitáveis’ e garantir o futuro do jornalismo. Estamos certamente numa ‘encruzilhada’. Ainda não conseguimos definir um caminho ou sequer uma identidade. Enfrentamos com dificuldades momentos de transição equivalentes ao período da invenção do telégrafo ou o lançamento da TV. Mas a boa notícia do estudo é que o jornalismo tradicional ‘ainda’ não é considerado totalmente ‘irrelevante’. Pelo menos, por enquanto.

O poder dos Blogs

Logo nas primeiras páginas da pesquisa nos encontramos diante de um novo paradigma ou desafio profissional: ‘A tecnologia está transformando os cidadãos de passivos consumidores de notícias produzidas por profissionais em participantes ativos que podem criar o seu próprio jornalismo.’

Segundo o estudo, este ano também presenciamos o fortalecimento dos blogs. Aos poucos, eles conquistam a preferência do público como principal instrumento de informação. Ainda mais, após os últimos escândalos na mídia tradicional. Surge uma nova forma de cidadania ‘virtual’ nos EUA que inclui uma relação indefinida entre o leitor e o jornalista. O público passou a utilizar os blogs para investigações que muitos jornalistas, por vários motivos, negligenciaram. O leitor blogueiro assume e confunde funções consideradas até hoje como ‘monopólio’ dos jornalistas.

Pode ser. Mas os pesquisadores da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia fazem questão de dizer que o objetivo da pesquisa é fornecer dados e não simplesmente ‘debater’ o problema. Eles querem ‘informar’ e não ‘convencer’. Mas algumas das conclusões ou interpretações da pesquisa acabam sempre revelando um certo posicionamento ideológico ou ‘ingenuidade’.

É evidente que a mídia tradicional ainda tem aliados poderosos, garante prestígio, empregos e muitas pesquisas. Mas isso seguramente não invalida um trabalho tão extenso e profundo, e principalmente regular. Há anos a Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia vem a público expor os nossos problemas e apontar soluções.

Nightline, o ‘Bistrô de Notícias’.

Mas o relatório da pesquisa é particularmente ‘cruel’ em relação aos telejornais das grandes redes de TV americanas. Elas enfrentam o seu ‘maior desafio desde que foram criadas’. Nos próximos anos, ‘a paixão, a inércia ou os indices de audiência vão decidir o futuro dos telejornais das grandes redes americanas.’

Enquanto isso, os executivos das redes americanas tentam de tudo para contrariar as ‘previsões’ da pesquisa.

Esta semana a mídia especializada divulgou que dos mais tradicionais programas jornalísticos da ABC, o Nightline vai se tornar uma espécie de ‘Bistrô’ de noticias ou ‘News a Go Go’ (ver aqui). Sinceramente, não sei muito bem o que isso significa. Mas, certamente inclui mudanças drásticas e desesperadas no velho programa. Apresentado por um dos ‘dinossauros’ do jornalismo americano, o Ted Koppel, o Nightline, assim como tantos outros programas de jornalismo de TV considerados ‘sérios’, enfrenta um futuro incerto. Está cada vez mais difícil para o jornalismo ‘competir’ com o entretenimento. Na melhor das hipóteses, tudo se confunde e vira ‘infotainment’. Em um mundo pós-moderno, não há mais certezas e definições. Há somente uma hibridização de conceitos, concessões e tentativas de ‘sobrevivência’ .

Mas, segundo os jornalistas considerados ‘pragmáticos’ ou realistas, vale tudo para salvar mais um espaço precioso do jornalismo nas redes americanas. Eles prometem que no novo Nightline Bistro os jornalistas vão servir de tudo: jazz, pop, entretenimento, salgadinhos, gracinhas e, se possível, algumas notícias.

Em vez de ‘Bistro’, o tradicional Nightline corre o risco de acabar virando uma ‘birosca’. Perdão. Não pude evitar.

Cobertura do Iraque: menos negativa

Ainda sobre o estudo da Universidade de Columbia, uma das ‘conclusões’ mais polêmicas diz respeito à cobertura da guerra do Iraque pela mídia americana no ano passado. Segundo a avaliação dos pesquisadores, os noticiários americanos não fizeram uma cobertura tão negativa do conflito. Ou seja, eles não foram tão contra a guerra ou antipatrióticos como alguns críticos americanos fizeram questão de denunciar. Essa conclusão pode ‘surpreender’ observadores americanos. Mas, certamente, não surpreende os estrangeiros.

Mesmo sem dados precisos, era evidente que a mídia americana, apesar de um pouco mais crítica, menos patriótica, ainda não conseguiu se livrar das pressões do governo e da própria população para torcer ou ‘apoiar’ o conflito no Iraque. Em tempos de guerra, a primeira vitima é a verdade, o jornalismo faz concessões. E o jornalista? Assim como certos jornalistas esportivos, vira ‘torcedor’ apaixonado.

Telejornais redundantes

Outra conclusão interessante da pesquisa diz respeito aos novos hábitos e horários dos americanos que buscam notícias na mídia. O acesso mais rápido, eficiente e freqüente, a Internet, no local e o horário de trabalho estimulam uma nova relação com a informação.

Os últimos dados comprovam que cada vez mais os americanos abandonam as fontes tradicionais de notícias, os horários rígidos e buscam alternativas na Internet. Quem mais sofre com essa mudança de habito são obviamente os noticiários na TV. Para quem está ligado na Internet no horário de trabalho – um público específico com alto poder aquisitivo – os telejornais se tornam demasiadamente rígidos, supérfluos e redundantes.

Obesidade de informações

Em 2004, o número de americanos que acessaram os noticiários online cresceu em 42 % ou 92 milhões de adultos. Por outro lado, a pesquisa aponta um grande problema nos noticiários na Internet. Trata-se do excesso de notícias. Em uma analogia ao problema de obesidade nos EUA, a pesquisa alerta para uma tendência, a ‘obesidade de informações’.

Mas o levantamento também conclui que, pelo menos por enquanto, diminuiu a tendência de queda na audiência dos telejornais locais. No entanto, a grande esperança do jornalismo das grandes redes americanas está direcionada para os noticiários da manhã. Os dados demonstram que há um evidente crescimento no número de telespectadores que assistem aos programas jornalísticos matinais. Essa é uma questão interessante que merecia maior investigação. Os ‘telejornais’ da manhã, no estilo Bom Dia Brasil, menos rígidos, mais descontraídos e comunicativos, têm demonstrado que o problema talvez esteja no formato dos telejornais e não no conteúdo jornalístico ou no desinteresse do público. Os programas jornalísticos continuam inovando e garantindo bons índices de audiência.

O fim do New York Times e o Googlezom

Em relação às finanças, as redes americanas e as TVs locais não podem reclamar. Apesar dos problemas nos índices de audiência, tiveram um crescimento financeiro médio de 10%. Mas novamente a pesquisa faz questão de destacar a importância dos telejornais da manhã nesses números. Eles faturaram entre 5 a 10% a mais, enquanto os telejornais noturnos apresentaram queda.

Em relação à mídia impressa, a melhor dica da pesquisa é um vídeo excelente sobre o futuro dos noticiários (ver aqui). O vídeo foi produzido por dois jornalistas talentosos, recém-formados que estão obviamente muito preocupados com a crise no setor. O conteúdo mostra um futuro pessimista, mas muito possível. Trata-se, antes de tudo, um alerta para os jornalistas do futuro. Se não utilizarmos os dados de pesquisas como essa para alterarmos os rumos do jornalismo, talvez estejamos ‘matando’ o jornalismo. Mostrei este vídeo para os meus alunos aqui nos EUA e a reação foi muito positiva. Vale a pena conferir. Afinal, apesar do que dizem certos críticos, nem todo o vídeo na Internet é perda de tempo ou pornografia.

E as pesquisas sobre o jornalismo brasileiro?

Alem do vídeo, deveríamos analisar com cuidado e isenção e os dados dessa pesquisa. Se não concordamos com as interpretações, devemos respeitar a dedicação e o empenho em buscar mais dados sobre a nossa profissão.

Aqui entre nós, nunca conseguir entender por que não temos algo parecido como o Projeto de Excelência em Jornalismo no Brasil. Ao invés de investirmos tanto dinheiro público em propaganda oficial ou em ‘televisitite’ – lançamento de inúmeras, caríssimas e inúteis TVs estatais às quais ninguém assiste mesmo – deveríamos garantir recursos para pesquisar o nosso jornalismo, TVs e telejornais. Menos propaganda e mais jornalismo. Nenhuma democracia sobrevive sem cidadãos mobilizados e bem informados.

Enquanto isso as pesquisas no Brasil privilegiam o consumo…’



Ana Maria Bahiana

‘A informação desencarnada’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 17/03/05

‘Estava eu pesquisando e anotando, me preparando para um seminário do qual vou participar, na OAB, mês que vem (I Seminário de Direito de Entretenimento, veja aqui) quando leio, no Blue Bus, uma pesquisa do Project for Excellence in Journalism, da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia. Em miúdos, a pesquisa afirma que os jornais americanos ainda são a fonte de notícias ‘densas e equilibradas’, mas estão perdendo leitores em ritmo constante a cada ano. Segundo o documento, intitulado ‘The State of the American News Media, 2005’, a circulação dos jornais diários nos EUA cai cerca de 1% ao ano desde 1990 e manteve essa taxa em 2004. E conclui: ‘Os jornais precisam se ver no negócio de notícias e não no negócio do papel e da tinta’.

Ora se este não é o pano de fundo ideal para as minhas reflexões! Mesmo com um título (e um ângulo, calculo) voltado a advogados e estudantes de direito, o seminário debaterá, em essência, que negócio resta quando se retiram dos suportes da informação a nobreza e a desejabilidade que um dia tiveram. Discutiremos música e não disco, audiovisual e não película cinematográfica. Tentaremos descobrir que novos caminhos são possíveis até que se consume a – inevitável, creio – transição para uma cultura onde a informação será, enfim, plenamente desencarnada. Livre do meio, o que restará da mensagem?

É assunto que já foi discutido aqui, e que, apropriadamente, se recusa a ir embora. Um eco dessa conversa está em outra ponta – na discussão entre a Casa Branca e o Government Accountability Office (GAO), espécie de auditor das contas do executivo americano. A respeito dos famigerados vídeo-releases. O GAO quer saber por que dinheiro público (e muito!) foi gasto em propaganda disfarçada de informação. A Casa Branca diz que o GAO não tem nada com isso, e que os uso do video-release é mais antigo do que macaco gostar de banana.

E de fato – onipresente e quase onipotente, o vídeo-release (ou o release, puro e simples) é a deidade das mídias contemporâneas, de costura tão exata e bem-feita que nós o engolimos diariamente sem nem perceber. Não exatamente os de George e sua turma (embora eu suspeite o contrário…) mas de quase todas as outras áreas, de entretenimento à ciência, de esportes a negócios.

Eis um dos efeitos colaterais desta inexorável degradação dos suportes físicos da informação: o canal distribuidor torna-se mais poderoso que o conteúdo, o conteúdo se banaliza, o conteúdo passa a ser qualquer coisa, porque o conteúdo é tudo, está em toda parte, com cada vez menos controles de qualidade, comportas, intermediários, mídias. Vemos propaganda achando que é informação e publicidade pensando que é divertimento. Tudo é conteúdo, tudo é mensagem, pipocando de um pólo ao outro de um universo sem fronteiras. Aparentemente livre, mas, com certeza, controlado por quem tem a ganhar com ele.

Não creio que isso seja nem permanente (mas o que é?) nem inevitável – seria mais uma fase, um choque de adaptação, uma etapa na dança das cadeiras em que as mídias se tornaram. Não ouso pensar no que vem depois.’