Enquanto os leitores mais exigentes são obrigados a contentar-se com a caricatura do jornalismo americano oferecida às segundas-feiras no caderno do New York Times encartado na Folha de S.Paulo, o diário espanhol El País oferece todos os dias, por 8 reais, um show de bom jornalismo, inteligência e informação privilegiada (e sem infográficos, professor Di Franco!).
Enquanto nos bastidores trava uma guerra contra a influência da Opus Dei na mídia espanhola e ibero-americana, El País vem acompanhando com muita seriedade o despertar do laicismo na sociedade européia.
No domingo (30/11, na página 30 inteira e com destaque na capa), o jornal entrevistou o pai da aluna da escola pública em Valladolid que venceu a demanda judicial e obrigou a direção do estabelecimento a retirar os símbolos religiosos dos locais públicos. Fernando Pastor, porta-voz da Associación Escuela Laica agora denuncia as represálias contra sua filha: ‘Ahora insultan a mi hija en clase. No sé se aguantaré’.
Dia seguinte, segunda (1/12), com duas páginas (e chamada na capa), o jornal madrileno investe contra a exibição de crucifixos nos espaços públicos dos governos e revela as sucessivas vitórias da sociedade civil espanhola para garantir o caráter não-confessional do Estado. O último feito é atribuído aos jovens casais que exigem a retirada do crucifixo em ambientes onde se celebram casamentos civis.
Na mesma edição, um editorial sereno e firme (‘Aulas sin crucifijo’, página 26) elogia o governo Zapatero por não converter a questão num conflito político. Basta que respeite a lei.
Secularização vs. fanatismo
A secularização da Espanha é um fato novo e contrasta vivamente com uma história de fanatismo religioso e brutalidade. A Espanha institucionalizou a Inquisição no século 15 e a transformou num aparelho policial; promoveu pogroms contra judeus e mouros antes mesmo da expulsão de 1492; criou duas poderosas ordens religiosas opostas, porém com enorme penetração mundial (a Companhia de Jesus e a Opus Dei); e, como se não bastasse, a Igreja espanhola foi um dos baluartes do franquismo. E também vítima da paranóia de grupos extremistas republicanos.
Antonio Hernández Gil, o jurista que em 1977 mandou tirar o crucifixo da sala das Cortes, era profundamente católico. Teve a grandeza para perceber os perigos de um Estado confessional. Sabia que religião misturada à política inevitavelmente acaba em banho de sangue.
A chacina de Mumbai mostra que tinha razão.