Dentre as diversas perguntas que surgem com o avanço das novas plataformas de consumo de conteúdo, uma se destaca: quem pagará toda essa conta? Afinal, para que o consumidor – seja ele telespectador, ouvinte, leitor, internauta etc. – receba o que quer, na hora que quiser, são necessários vários milhões em pesquisa e desenvolvimento de novas interfaces, formação e reciclagem de profissionais, produção ou adaptação de conteúdos, entre diversos outros esforços.
Para desgosto dos ‘cavaleiros do Apocalipse’ da comunicação, o fato é de que todo este avanço tem sido cada vez mais viabilizado pela mídia tradicional, tanto direta quanto indiretamente, já que as poucas empresas lucrativas de conteúdo e informação premium no mercado online só o são porque contam com a escala de produção e o respaldo de marcas nascidas, criadas, reconhecidas e financiadas no offline. Por isso, o objetivo deste artigo é refletir sobre um modelo de negócio sustentável para as empresas de comunicação que atuam tanto no mundo real quanto no virtual, pois elas ainda são as grandes responsáveis por 90% de tudo o que se consome nas novas mídias e necessitam permanecer lucrativas dentro de um novo cenário cada vez mais dominado por uma concorrência gratuita, oculta, opinativa e não-especializada.
Sob o ponto de vista tecnológico, é inegável que a última década tenha valido muito mais do que quase toda a metade do século passado somada. Apesar disso, ainda não foram capazes de inventar uma forma de transformar o conteúdo numa peça rentável dentro da engrenagem da internet, que já desfruta de certa popularidade há pelo menos dez anos.
Mundo real
Por outro lado, os três canais de TV existentes em São Paulo na década de 1950 passaram a faturar mais do que todas as emissoras de rádio paulistanas juntas já em 1956, ou seja, apenas seis anos depois da televisão ter sido inaugurada no Brasil (MATTOS, 2002). Isso aconteceu porque, desde o seu começo, a TV conta com uma linguagem que prevê o espaço comercial de maneira confortável tanto para quem produz quanto para quem consome, além de formas razoáveis de ter esse espaço medido e precificado – mesmo que a sua completa normatização e profissionalização só viesse a acontecer nos anos 1960. Ainda não se encontrou uma linguagem adequada para a propaganda na internet porque, antes disso, ainda não se encontrou uma linguagem para a internet – ao contrário da televisão, que já cresceu sobre os ombros do glorioso rádio.
Falo da propaganda como a geradora de receita para produção de conteúdo porque o público final não vê vantagem alguma em pagar por uma informação de qualidade pela qual sempre esteve acostumado a receber de graça através da radiodifusão comercial.
Nesse cenário, a mídia impressa poderia até ter certa vantagem, afinal, ao contrário do que acontece no rádio e na TV aberta, seu consumidor sempre pagou pelo conteúdo por meio da compra de exemplares. Acontece que as editoras de jornais e revistas cometeram um erro fatal ao abrirem gratuitamente as suas matérias para consulta logo primeiros tempos da Internet, iniciando um processo progressivo de depreciação do ato de pagar por um conteúdo premium em papel.
A viabilização comercial da internet de forma independente passaria antes pela viabilização da internet como um espaço também independente de produção e consumo de informação e entretenimento, sem a necessidade de recorrer à materiais e marcas nascidas fora dela. Mas será que isso é interessante para todos os públicos? Muitos definem a internet como um agregador de conteúdo ou ponto de convergência e sua grande contribuição seria a possibilidade de difusão e repercussão imediata de todos os dados armazenados nela. É nesta novidade que reside a origem do interesse cada vez maior dos consumidores pela internet.
Na verdade, ninguém busca na rede uma sobreposição ou extinção do que já existe, mas sim a reunião, sistematização e complementação pelo debate de todo o conteúdo do mundo real. Por isso é que o Google é o líder que é. Afinal, sua principal proposta é a de aglutinar e organizar dados – e não necessariamente criá-los. Vale lembrar: o Google não é uma empresa de conteúdo, e sim, de tecnologia – que, por sua vez, só tem serventia com conteúdo (que não é feito por ela).
A convergência comercial
Como consequência dessa participação mais direta do receptor na internet, abrem-se as portas para a ultrasegmentação – um conceito ainda difícil de ser casado com a mídia tradicional. Por exemplo: 150 acessos/dia é um resultado bastante satisfatório para um blog, enquanto 150 telespectadores/minuto para uma TV aberta é a falência. Por isso os portais são tão importantes, pois somando diversos ultrasegmentos chega-se aos segmentos que, juntos, chegam à audiência de massa tão necessária aos grandes anunciantes.
Nesse ponto, voltam os ‘cavaleiros do Apocalipse’ e proclamam que a internet acabará com a propaganda massiva. Isso só acontecerá se o consumo massivo acabar, o que é impossível num planeta com 4 bilhões de habitantes.
Então, com tantos dilemas, qual a saída para o público manter seus benefícios já adquiridos e as empresas preservarem a rentabilidade e o crescimento dos seus negócios? Se a palavra-chave na comunicação de hoje é convergência, então deve também existir a convergência comercial, ou seja: os esforços nas mídias novas e tradicionais devem ser unidos sob os mesmos pensamentos e profissionais tanto na área de produção quanto na de vendas.
Fundamental e necessário
Partindo do princípio que os responsáveis pela convergência são os consumidores, então as empresas de mídia devem fazer o mesmo para atendê-los melhor, unificando seus posicionamentos de marca, discursos de venda, projetos de design, processos de trabalho – respeitando, naturalmente, as especificidades de cada área – e, principalmente, os esforços de inteligência, para que possa ser oferecida uma visão global e real de como é a audiência tanto para quem faz quanto para quem compra mídia.
Boa parte desse trabalho é possível de ser feito com treinamento e conscientização de toda a cadeia produtiva da comunicação, mas ele só será plenamente viável se: (1) os esforços online forem feitos seguindo rigorosamente as mesmas diretrizes editoriais, artísticas, de marca e comerciais dos negócios offline, de forma que todos os públicos vejam coerência em qualquer mídia que estejam consumindo; (2) as pesquisas de audiência na internet usarem conceitos e metodologias que dialoguem melhor com as práticas adotadas nas mídias tradicionais. A boa notícia é de que esforços nesse sentido já estão sendo feitos em todo o mundo.
A primazia das linguagens de produção já consolidadas deve permanecer, com a internet posicionando-se cada vez mais como uma enorme janela de exibição e repercussão de tudo o que acontece. Até alcançarmos a plena convergência comercial, deve-se encarar o dinheiro aplicado nas plataformas online como um custo tão fundamental e necessário para a sobrevivência das empresas de conteúdo quanto pagar as contas de água, luz ou telefone e, assim como nesses casos, não ansiar por um retorno diretamente vindo deles – pelo menos, por enquanto.
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Consultor, professor e pesquisador