Morreu no domingo (30/3), em um hospital de Nova Jersey, nos EUA, o fotojornalista cambojano Dith Pran, cuja terrível história de fuga do regime do Khmer Vermelho foi imortalizada no filme Os Gritos do Silêncio, de 1984. Pran tinha 65 anos e lutava contra um câncer no pâncreas, diagnosticado há pouco menos de três meses.
O cambojano trabalhou como intérprete e assistente do jornalista Sydney Schanberg, do New York Times, em Phonm Penh, capital do Camboja, no fim da Guerra do Vietnã, em 1975. Schanberg ajudou a família do amigo a fugir, mas foi obrigado a deixá-lo para trás com a tomada de poder dos comunistas. Os dois se reencontraram na Tailândia quatro anos e meio mais tarde, quando Pran conseguiu fugir. Ele passou a viver nos EUA e se tornou fotógrafo do NYTimes, onde trabalhou até o ano passado, quando ficou doente.
Campos da morte
Foi Pran quem cunhou o termo ‘campos da morte’ (killing fields, título original do filme de 1984). Ele se referia aos montes de cadáveres e esqueletos que encontrou pelo caminho quando tentava fugir. O regime do marxista Pol Pot transformou o Camboja em uma sociedade estritamente agrária; os comunistas são acusados pela morte de cerca de dois milhões de cambojanos. ‘Este foi o termo que Pran usou no primeiro dia de nosso extraordinário reencontro no campo de refugiados’, conta Schanberg.
Sob o controle do Khmer Vermelho, os cambojanos eram levados para campos de trabalho de cultivo de arroz e quem se opusesse ao regime era assassinado. Enquanto milhares de pessoas eram executadas simplesmente por exibir sinais de intelectualidade ou de influência ocidental, como o uso de relógios de pulso e óculos, Pran sobreviveu ao massacre fingindo ser um camponês sem estudo.
Calma e coragem
Depois de se mudar para os EUA, o fotógrafo se tornou embaixador da Boa Vontade para o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados e fundou o Projeto de Conscientização do Holocausto Dith Pran, dedicando-se a ensinar as pessoas sobre a obscura história do Khmer Vermelho, que governou o Camboja entre 1975 e 79. Quando Pol Pot morreu, em 1998, Pran disse estar triste pelo ditador não ter sido responsabilizado pelo genocídio no Camboja. ‘A busca dos judeus por justiça não terminou com a morte de Hitler, e a luta do povo cambojano por justiça não termina com a morte de Pol Pot’, afirmou na ocasião.
Em 1976, Schanberg recebeu um prêmio Pulitzer por sua cobertura de Phnom Penh, e dedicou o prêmio a Pran, na época desaparecido. Em 1980, o jornalista escreveu sobre o drama e a salvação do amigo em um artigo intitulado ‘Morte e vida de Dith Pran’. O texto virou livro e serviu de base para Os Gritos do Silêncio, que recebeu três Oscars. ‘Pran era um repórter de verdade, lutava pela verdade e por seu povo’, diz Schanberg. ‘Quando foi atingido pelo câncer, lutou novamente por sua vida. E o fez com a mesma calma, coragem e espírito positivo budista que fizeram de meu irmão uma pessoa tão especial’.
Pran deixa a esposa, três filhos e uma filha, e seis netos. Informações de Richard Pyle [AP, 30/3/08].