Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Muros comerciais contra você

Enquanto a tecnologia evolui e a internet avança, empresários e comerciantes inventam novas maneiras de levantar muros e fronteiras digitais para preservar seus velhos modelos de negócio, inclusive nos novos territórios virtuais. Como escreveu no último domingo (5/6) o jornalista Elio Gaspari, o mercado editorial “tropeçou numa lombada do atraso” com o impedimento a clientes no Brasil da livraria online Amazon de comprar livros em inglês em formato eletrônico, caso esses livros já tenham versão em português. Mesmo que a versão em português seja apenas em papel.

Incrível, não? Reserva de mercado da pior espécie. Se quero ler um livro em inglês, não posso? Quem se dá o direito de me impedir de ler qualquer livro no idioma que bem entender? No mundo real, vou a uma livraria em São Paulo e compro qualquer livro em inglês que estiver disponível. Por que na internet não posso fazer o mesmo? Desculpe a força das palavras, mas esse bloqueio da Amazon é uma das ideias mais idiotas que já vi no mundo online. E olha que já vi muitas ideias idiotas na internet nos 16 anos em que trabalho no ramo.

Enquanto a internet ultrapassa livremente as fronteiras geográficas, certas empresas e certos ramos de atividade tentam a todo custo manter a sua velha forma de funcionamento, à revelia dos interesses do público. Contra a “lombada do atraso” do mundo editorial está, por exemplo, o best-seller global Paulo Coelho, que não só incentiva a pirataria de seus livros como afirma de pés juntos que a pirataria ajuda a divulgar a obra para um público muito mais amplo e, por isso, ajuda incrivelmente a venda posterior de livros. Ele certamente sabe do que está falando. E, sem dúvida, deve ter conquistado muitos novos admiradores com esse tipo de atitude, contemporânea, em perfeita sintonia com o nosso tempo, com os jovens, com o público.

Bloqueios precisam e serão demolidos

A “lombada do atraso” acontece no esporte também. Por exemplo: se uma empresa de internet compra direitos de transmissão de um campeonato, lá vêm os detentores dos direitos com requisitos de bloqueio geográfico ou preços globais, impagáveis por uma empresa apenas nacional. Então, empresa, trate logo de desperdiçar recursos para fazer o geobloqueio. E trate de deixar na mão, sem sinal, o seu assinante ou o espectador que estiver fora da região geográfica da empresa no momento do jogo. No mundo do entretenimento – leia-se música, televisão e cinema –, a “lombada do atraso” e a antiga geopolítica predominam também.

Corre que a Amazon quer se instalar no Brasil em 2012. Também dizem que a iTunes Store, da Apple, estaria para iniciar em breve a venda de músicas em formato eletrônico no Brasil. Por que simplesmente não aceitam nossos cartões de crédito ditos internacionais em suas lojas principais, já que vendem produtos digitais? Não dependem de logística, pois o livro eletrônico, a música ou o filme podem ir direto do computador da loja para o computador do comprador. A única razão para não aceitarem nossos cartões “internacionais” e estarem demorando tanto para criar suas lojas meia-boca “brasileiras” é a reserva de mercado que velhas instituições querem manter a qualquer preço, forçando a manutenção das fronteiras geográficas comerciais e políticas do mundo como eram antes de a internet surgir. Mesmo que o preço seja prejudicar o público e dificultar a circulação dos bens culturais.

É a briga de foice dos direitos autorais, patrimoniais, de imagem, de distribuição e dos intermediários e representantes em geral, dos quais a Fifa e o Ecad são apenas exemplos. Escritores querem ser lidos, músicos querem ser ouvidos, atores e jogadores querem ser vistos, mas o cipoal jurídico e o universo de intermediários – alguns com, mas outros sem nenhum valor a agregar às obras artísticas ou esportivas – alimentam a “lombada do atraso” e seus bloqueios geográficos. Que obviamente estimulam a pirataria.

Falta entender que os bloqueios geográficos da internet precisam e serão demolidos, cedo ou tarde, porque esse é o desejo da maioria.