Se ainda há alguma dúvida de que o poder econômico pode exercer censura econômica contra a liberdade de informação, um comunicado aos acionistas da Embraer publicado no jornal Gazeta Mercantil (24/3) revela, mais uma vez, que não basta o regime democrático para garantir a tão decantada liberdade de imprensa e o pleno exercício profissional dos jornalistas e alerta que é preciso a eterna vigilância da sociedade, para distinguir os veículos cuja linha editorial e noticiário são direcionados para atender seus interesses comerciais em detrimento da informação isenta e idônea. Mas, sobretudo, reacende a discussão sobre a existência ou não de liberdade de imprensa em sociedades consideradas democráticas e, mais amplamente, sobre as origens do financiamento da comunicação social como um todo.
Relembrando, este episódio começa quando o correspondente da Gazeta Mercantil em São José dos Campos, jornalista Júlio Ottoboni, noticiou com a antecedência de dois meses a demissão de 4 mil funcionários da Embraer, uma das maiores empresas do país e das mais importantes no setor aeronáutico no mundo. Além de ser uma das empresas mais vinculadas ao governo para sustentação de seus projetos e comercialização dos seus produtos.
A empresa, então, não só negou a demissão noticiada, um senhor furo de reportagem, como passou a retaliar o jornalista, impedindo sua entrada na fábrica, negando contato com seus executivos, releases da sua assessoria de imprensa e, com o ímpeto de um inquisidor medieval, pedindo a cabeça do jornalista, como se o jornal houvesse publicado, inadvertidamente, uma mentira do seu correspondente.
‘Aviso aos acionistas’
Após exigir a revelação da fonte, a retratação do jornal e classificar a informação de leviana, como lamenta Júlio Ottoboni, a Embraer confirma a notícia demitindo 4.273 trabalhadores, numa das maiores demissões em massa verificadas no país nos últimos tempos, dando razão à notícia publicada. Porém, se imaginamos que a partir daí a empresa se retrataria ao jornal e ao jornalista, ou que, pelo menos, tentaria fazer que sua intempestividade fosse esquecida, continuou a retaliação, agora não mais como uma medida de proteção aos seus interesses, mas, diante do fato consumado, como gesto (exemplar?) de punição ao jornalista.
Pela atitude firme dos editores, solidariedade dos colegas e, provavelmente, pela ampla repercussão do fato, a Gazeta resistiu às pressões, prestigiou o jornalista e o manteve, apesar do prejuízo de não poder acessar as informações de uma das mais importantes fontes empresariais do país. No dia 24/3 imprimiu a última publicação da Embraer, o ‘Aviso aos Acionistas’, informando que seu Conselho de Administração aprovou ‘mudança do jornal de grande circulação editado na localidade em que ações da Embraer são negociadas da Gazeta Mercantil para o Valor Econômico… Deste modo, as publicações ordenadas pela lei societária serão feitas no Diário Oficial do estado de São Paulo e nos jornais Valeparaibano e Valor Econômico…’
Um cachorro esperto, mas manco
Cliente poderosa e incômoda, essa Embraer. Não há como, a partir da sua atitude em relação à Gazeta Mercantil, imaginar que não agirá mais como agiu e que os jornais que acolherão suas publicações societárias não estarão sujeitos a manter sua linha editorial à mercê dos interesses da empresa. Uma prova dos nove a ser provada constantemente quando a notícia for a Embraer, seja para o bem ou para o mal. E, a rigor, como não identificar tantos veículos de comunicação que, por gosto ou pressão econômica, submetem, visivelmente, sua linha editorial a interesses empresariais e políticos? A questão está exposta mais uma vez e deve ser discutida.
Em tempo, a Gazeta Mercantil sempre manteve um relacionamento difícil com seus jornalistas. Faz contratações ilegais de jornalistas como pessoas jurídicas, os PJs, vem atrasando pagamentos há tempos sem dar qualquer satisfação aos seus jornalistas, mantendo-os em angustiante expectativa e, segundo informações que circulam na sua redação, está demitindo empregados da área comercial e suas dívidas estão sendo cobradas judicialmente. Tudo isso após mirabolantes negócios do seu grupo empresarial. A Embraer bateu forte num cachorro esperto, mas manco, e na sempre combalida liberdade de imprensa.
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Jornalista e secretário-geral eleito do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo