O mundo blogueiro viveu momentos difíceis neste ano de 2004. Pelo menos três blogs (e seus responsáveis) foram ameaçados com processo judicial. Dois deles por conta de opiniões publicadas, casos de Cris Dias e Edney Souza, e outro por suposto uso indevido de uma marca de bebidas, caso de Alessandra Félix (leia mais no texto Caça à liberdade, www.laboratoriopop.com.br/
col_rodneybrocanelli/col_rodneybrocanelli_20040326.html). Cada um deles conseguiu reverter as respectivas situações à sua maneira, mas a preocupação continuou. ‘Esses imbróglios foram os primeiros indícios de que a visibilidade crescente dos blogs e a liberdade de expressão exercida por quem os escreve começavam a incomodar’, disse o escritor Alexandre Inagaki em seu Pensar Enlouquece (www.pensarenlouquece.com/).
O que vinha se anunciando com os casos relatados finalmente aconteceu. Em agosto, o blog Imprensa Marrom (www.imprensamarrom.com.br/) foi retirado do ar por determinação judicial. O motivo: um comentário deixado por um internauta num post sobre a conduta pouco abonadora de algumas empresas de Recursos Humanos. A indignação da pessoa que deixou a mensagem era tamanha, que até mesmo a honra do dono de uma delas foi atingida. Era algo, porém, que poderia ser resolvido de uma maneira mais simples, sem a necessidade da intervenção da Justiça.
Era só nos avisar
O Laboratório Pop procurou Gravataí Merengue, 27, responsável pelo Imprensa Marrom para falar um pouco mais dessa história. Mas antes, um pouco de sua trajetória, iniciada em 2001. ‘A idéia era falar mal da imprensa, mesmo. Criamos, eu e Marcos Roberto Lúcio, grande gênio que tem um pouco de preguiça, e depois foi crescendo’, diz Gravataí, ou melhor, Fernando Gouveia, advogado formado pelo Mackenzie, que decidiu usar um pseudônimo. ‘Foi para diferenciar do meu próprio nome, isso para escrever no jornal do D.A. Como Fernando fazia os textos mais sérios, Gravataí faria os de humor’, explica.
Voltando ao presente, sobre a situação que tirou seu blog do ar, Gravataí é taxativo: ‘Não fomos chamados para apagar nada, nada. Se fôssemos, apagaríamos e não haveria ação’, diz. ‘Eu não vi o comentário fatídico, aí está a questão. Ele foi postado num texto antigo, de mais de seis meses, bem mais. E em quatro dias já havia a ação na justiça. Entende o drama?’, completa.
Gravataí diz ter recebido um contato telefônico de uma empresa de RH dizendo que os comentários no post do Imprensa Marrom eram ofensivos. ‘Mas são os mesmos – idênticos!!! – comentários que existem no Fórum da Folha de S. Paulo (que fica no UOL). Isso foi em junho, no máximo julho. São comentários de pessoas lesadas, não faz sentido tirá-los. Não há ofensa alguma, apenas citação (coisa que o texto não faz)’, diz. A coisa mudou no mês de agosto. ‘Só fiquei sabendo que fui processado depois que saiu do ar. Meu provedor nem mesmo me avisou. Mas o comentário que tirou do ar não foi ‘xingando a empresa’, mas sim o sócio. Como não daria para nos processar pelos comentários que mencionam a empresa, de repente surgiu um comentário que xinga uma pessoa, e aí tudo mudou. O comentário que destoa de todos os demais. Uma coisa desnecessariamente agressiva, bem idiota. Claro que era só nos avisar – porque os blogueiros sabem que simplesmente não dá para controlar comentários antigos, não dá mesmo – que tiraríamos’, afirma.
O papel dos blogs
A liminar que tirou o Imprensa Marrom do ar, é claro, surpreendeu a Gravataí. ‘A liminar pegou de sopetão. Depois, claro, fui citado e a ação está correndo ainda. Mas a liminar foi de repente, como é próprio de toda liminar (isso não foi algo especial a mim)’, diz. Sobra uma mágoa ao hospedeiro que mantinha o blog no ar. ‘Fiquei chateado, claro, pelo fato de que meu provedor, que é considerado um dos melhores do Brasil (por eles próprios, principalmente), não me avisou de nada. Eu que os procurei para saber o que houve’. Perguntado qual seria esse provedor, Gravataí preferiu não citá-lo nessa entrevista.
O processo contra o Imprensa Marrom corre em primeira instância. No dia 8 de outubro, ele conseguiu voltar ao ar. Apesar de toda a dor de cabeça, Gravataí crê numa boa solução para todo esse problema. ‘Confio numa solução simples, sem grandes encrencas’, diz. Mas, segundo ele, há outro desafio a ser enfrentado de modo imediato: ‘Tenho certeza absoluta de que nosso maior desafio não é citar leis e doutrinas, mas sim simplesmente explicar ao juiz o funcionamento de um blog, de textos antigos de um blog etc. Isso, para nós, parece fácil, mas as pessoas não são obrigadas a conhecer a mecânica de um blog. Por isso precisamos explicar, daí fica mais razoável a discussão’, afirma.
Sobre o papel dos blogs depois desse processo, Gravataí acha que continua tudo na mesma. ‘Eu acho que os blogs continuam sendo o que sempre foram, simplesmente diários. Quando algum blog parece algo importante, é porque o dono quer passar a imagem, mas blogs serão sempre blogs. Eles não têm, ao menos no Brasil, o peso de um jornal. Mas acho, sim, que é possível evoluir. Sinceramente, porém, não é com processos judiciais que se promove essa evolução’, diz.
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Jornalista