Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

‘Não dá para ser ingênuo’

O objetivo do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) vai muito além de levar concorrência ao setor e baixar o preço dos pacotes de internet rápida. É também garantir a segurança de informações sigilosas do governo, como no monitoramento das reservas do pré-sal. O argumento é de Rogério Santanna em entrevista exclusiva ao Correio na noite de terça-feira (11/5), poucos minutos depois de ter recebido a notícia de que assumiria a presidência da Telebrás. ‘No reforço da Marinha brasileira em função das riquezas nos campos de pré-sal, os submarinos vão precisar conversar com a Aeronáutica. Como é que eles vão se falar? Por satélites comerciais ou eles vão usar redes que nós controlamos? Não dá para ser ingênuo’, ressaltou.

Defensor voraz da reativação da estatal para coordenar o PNBL, o ex-secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento assumiu o posto de presidente e de diretor de Relações com Investidores da Telebrás exatamente um dia depois de a Abrafix, associação das companhias de telefonia fixa, ter encaminhado carta à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) alertando para conflitos de interesse e uso de informação privilegiada pelos funcionários da Telebrás que estão cedidos ao órgão. Santanna criticou diretamente as operadoras, que contrataram muitos ex-conselheiros da agência depois do curto período de quatro meses de quarentena. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

‘Temos a telefonia mais cara do mundo’

Por que o Plano Nacional de Banda Larga é tão criticado, sobretudo pelo setor privado?

Rogério Santanna – Os fabricantes de equipamentos no Brasil consideram o plano uma ótima oportunidade de ver essa indústria revitalizada. O Brasil tinha mais de 60 empresas nessa área e hoje há pouco mais que 13, que sobreviveram porque têm boa tecnologia. Quem não gostou foram os que estavam em uma situação de monopólio na maior parte das cidades onde atuam. É estranho que se chame de mercado aquilo que é monopólio. Segundo a própria Net, só há concorrência em 184 cidades. Evidentemente, estão reagindo à entrada onde os pequenos provedores vão poder concorrer. Dizer que as regras mudaram não é correto. As regras que o ex-ministro (das Comunicações) Sérgio Motta estabeleceu na época das privatizações, que eram de estimular a competição, pouco a pouco foram esquecidas e nós voltamos para um ambiente de concentração e de controle por uma única empresa em mais de 2 mil municípios. Em 3 mil, não há nada.

Então, houve falhas no processo de privatização?

R.S. – Eu sempre gosto muito de usar uma frase de um escritor gaúcho que respeito muito, que é o Luiz Fernando Verissimo. Ele disse: ‘Nada envelhece tão depressa quanto os futuros de antigamente’. Os futuros de 10 anos atrás já envelheceram. Aquilo que nós pensávamos que ia ser o futuro das telecomunicações não se realizou. Ninguém sonhou que a internet ia ter essa dimensão que tem, que a telefonia celular ia ocupar esse espaço. São duas inovações que ninguém previu. Isso afeta muito o negócio e as operadoras estão envolvidas nesse processo. Elas têm que repensar. Nós temos que sair da posição de 60, onde nós estamos (no acesso à banda larga), para ter uma posição de 10º, de 5º, que é o nosso lugar na economia. Temos a telefonia mais cara do mundo.

‘Empresa vencedora terá tecnologia de ponta’

Mesmo sem o imposto?

R.S. – Sim. De 70 economias emergentes, temos a mais cara, disparado: US$ 28,00 de conta média. Na Índia, custa US$ 5,00. Na China, não chega a esse preço. Nossa situação não é boa. Isso inibe o desenvolvimento.

Estudos mostram que a oferta de banda larga impacta diretamente o crescimento do PIB.

R.S. – Estudos mostram que, a cada 10% de aumento de penetração do acesso à internet, há 1,4% de aumento do PIB. Se nós queremos ser um país com inserção na sociedade do conhecimento, temos de mudar radicalmente a forma com que lidamos com a banda larga. Se ela for uma commodity barata, as empresas brasileiras estarão na ponta da inovação. Os empreendedores brasileiros são muito criativos e, certamente, se nós instituirmos um ambiente que promova a concorrência, os custos do país vão baixar. Até do governo, que poderá prestar uma série de serviços que permitirão levar conhecimento para o interior do Brasil e aplicações como telemedicina, a nota fiscal eletrônica. Temos oportunidades na área de serviços, na área de novas aplicações, hardware. Não é possível ser ingênuo a ponto de dizer que o país não possa ter uma infraestrutura própria, com competência, no seu próprio país.

Então a banda larga é questão de segurança para o país?

R.S. – Sim. Senão, o submarino nuclear que vai patrulhar as costas brasileiras não vai conseguir falar com um avião do último modelo que estamos comprando. Não sabemos qual vai ser a empresa vencedora, mas, com certeza, terá tecnologia de ponta. E como é que esses caras falam? Falam por um satélite comercial, por exemplo?

‘Férias prolongadas’

O senhor está se referindo ao pré-sal?

R.S. – Sim. No reforço da Marinha brasileira, em função das riquezas nos campos de pré-sal, os submarinos vão precisar conversar com a Aeronáutica. Como é que eles vão se falar? Por satélites comerciais ou eles vão usar redes que nós controlamos? Não dá para ser ingênuo ao ponto de o país não ter autonomia.

Hoje, então, há risco de vazamento de informação sigilosa porque o governo não tem rede própria de telecomunicações?

R.S. – Isso já aconteceu. Não é um fato novo. Na época da Brasil Telecom, vários e-mails de ministros foram interceptados pela empresa operadora interessada na questão. No governo Fernando Henrique, na contratação do Sivam-Sipam (programas de monitoramento da Amazônia), comunicações dos militares foram interceptadas por fornecedores interessados e acabaram interferindo em um acordo que ia ser feito com a França. Não é possível que a gente não tenha uma estrutura. É uma questão de segurança de Estado. Como é que vamos trabalhar com informação reservada, combatendo tráfego de drogas, com uma rede frágil, que pode ser escutada a qualquer momento?

A crítica mais recente à reativação da Telebrás é um possível conflito de interesse pelo uso de informações privilegiadas por funcionários da estatal que estão cedidos para a Anatel. Existe esse risco?

R.S. – Deveríamos fazer uma discussão mais ampla sobre o tempo em que os conselheiros das agências ficam em quarentena quando saem. No caso da privatização, houve vários conflitos. O Fernando Xavier terminou de privatizar a Embratel, tirou umas férias prolongadas e foi ser presidente da Telefonica no Brasil. Não se fez um escândalo sobre isso ser uso de informação privilegiada, nem de conflito de interesse. O próprio Antonio Carlos Valente, atual presidente da empresa, saiu do conselho da Anatel, fez um estágio no Peru, ficou quatro meses de férias e foi trabalhar para a Telefonica, uma empresa regulada por ele como conselheiro. E ninguém achou que tinha conflito de interesse. O que é estranho é que agora, quando se trata de funcionários mais baixos que retornam à sua empresa de origem, haja esse conflito.

Em outros países, as regras são mais rígidas para esse tipo de situação?

R.S. – Nos Estados Unidos, a quarentena de um conselheiro é de cinco anos para falar do assunto. Do 5º ano ao 10º, ele pode dar aula, mas não trabalhar numa empresa. Aqui, são quatro meses. Isso são férias prolongadas. O problema não é a saída do pequeninho, mas sim, a do Xavier e a do Valente para trabalhar na Telefonica. É ridículo.