Caso o leitor não saiba o que é o Spotify, a explicação é simples: o Netflix da música. Pague uma assinatura mensal (R$ 14,99 por mês, aqui) e ouça quanta música desejar. O aplicativo roda em computadores, tablets e celulares. Há outros serviços do tipo mas, com 20 milhões de assinantes, o Spotify é o maior do mundo. Trata-se, porém, de um modelo novo para a música. O Netflix, por exemplo, terminou o primeiro trimestre com 62,3 milhões de clientes pagantes. Pois é justamente com o Spotify que a Apple comprou uma briga, na tarde de ontem.
No segundo semestre, iPhones e iPads que fizerem a atualização de sistema ganharão um novo aplicativo. Chama-se Apple Music. As faixas já compradas na iTunes Store ou importadas via CD continuam todas lá. Mas há novidades. Uma é gratuita: a Beats 1, uma rádio global, na qual DJs espalhados pelo mundo alternam-se para tocar e comentar músicas novas e velhas, vinte e quatro horas por dia. É uma aposta em que a boa e velha rádio, com personalidade própria, ainda tem espaço na relação entre pessoas e canções.
Mas há também um serviço pago, que faz o mesmo que o Spotify. Os três primeiros meses são gratuitos e, depois, a assinatura individual sai por US$ 9,99, ou a familiar, por US$ 14,99 para seis pessoas. Só os valores americanos foram anunciados mas são equivalentes ao do concorrente, lá.
A princípio, os catálogos parecem equivalentes em tamanho, por volta de 30 milhões de faixas. A Apple, porém, terá alguns nomes graúdos atraentes que já estão em sua bilioteca, e apenas lá. Os exclusivos vão de Taylor Swift aos Beatles.
Há uma lógica por trás destes serviços por assinatura. Se desejar, você pode escolher um álbum de seu artista favorito e ouvi-lo da primeira à última faixa. Pode, também, optar por uma das muitas listas compostas por usuários com gostos parecidos com o seu. E, se assim desejar, é possível permitir que o sistema escolha músicas baseadas naquilo que ouve frequentemente. O Spotify faz isso muito bem. O serviço da Apple é uma incógnita, mas promete o mesmo. Artistas famosos, porém, são atraídos para dentro da loja. Há uma razão para explicar por que o Spotify anda sem alguns. Os graúdos reclamam que recebem pouco.
Música por assinatura não é um modelo trivial de emplacar. O consumidor típico jamais criou o hábito de comprar filmes. Alugou em fita e DVD por um tempo, pagou por canais a cabo. Filme, para muitos, vê-se uma vez e basta. O Netflix, no fim das contas, é a locadora deste século XXI digital.
Com música é diferente. Ouvimos muito e há três gerações compramos discos. A Apple foi a primeira a conseguir convencer as gravadoras que vender faixas digitais lhes permitiria sobreviver à onda de pirataria que se instalou na virada do século. O modelo transposto para o download continuava a se basear na posse de uma música.
A virada da Apple é simbólica. Além do Spotify, há vários outros concorrentes no setor, como Pandora e Rdio. Mas, por força de ser percebida como parceira minimamente confiável pelas gravadoras, ao entrar no streaming a Apple representa também o fato de que a indústria reconhece algo fundamental: a posse de músicas está para acabar. No futuro, música é como TV a cabo. Pagamos uma conta mensal e ouvimos o que quisermos. Cada um que se adapte com mais ou menos dor.
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Pedro Doria, do Globo