‘Quanto mais esquecido de si mesmo está quem escuta, tanto mais fundo se grava nele a coisa escutada’ [Walter Benjamin (1892-1940)]
As últimas eleições presidenciais americanas foram emblemáticas por vários aspectos. Um deles foi o uso da internet como ferramenta de campanha. Não seria novidade, se o candidato eleito à presidência não tivesse tirado dali, de sua página oficial, uma fonte de arrecadação que o colocou em posição privilegiada e, por que não dizer, provocadora. No Brasil, desde o dia 8 de julho um projeto de lei aprovado pela Câmara restringe a utilização da internet em campanhas políticas. A lei ainda precisa ser aprovada pelo Senado até setembro para ter validade na eleição de 2010. Se for confirmada, a internet terá o mesmo peso que as emissoras de rádio e de TV, proibindo assim que qualquer um se declare candidato antes de 5 de julho do ano da eleição. Bem diferente do que aconteceu nos EUA, onde Barack Obama e seus adversários ficaram quase dois anos em campanha.
Esse tipo de regulamentação diminui o espaço livre, controlando um ambiente que teoricamente deveria ter como filtro o usuário. A internet é hoje um espaço democrático, onde não há hierarquia estabelecida e sua manipulação depende unicamente da habilidade de quem a utiliza.
É por isso que é preciso ter cuidado. Não existe meia liberdade. Graças à internet, o mundo está mais atento às falcatruas políticas que minam o direito público. Diminuir sua liberdade é cortá-la ao meio, descaracterizá-la, torná-la outra coisa senão o que é. Fazer dali um espaço controlado lembra o que escreveu Rousseau em seu Discurso Sobre a Desigualdade: ‘o verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado o terreno, lembrou-se de dizer `isto é meu´ e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo’.
A volta da censura?
Essa idéia é tão absurda que fica fácil achar seus pontos fracos. Qual critério será tomado para garantir a igualdade entre os candidatos? Essa igualdade existe nos espaços já regulamentados como a televisão e o rádio? Basta lembrar o caricato Enéias, candidato a presidente na campanha de 1989. Como a fiscalização vai atuar? Estabelecer uma série de caracteres permitidos?
O Brasil tem 127 milhões de eleitores e mais de 15 milhões de pessoas com acesso à internet. É uma relação significativa se levarmos em conta os números, mas preocupante se tomarmos por base a formação política dos chamados plugados. O exercício do pensamento livre poderia modificar essa prática.
Em alguns momentos, a lei confunde e parecer ser de natureza pura. Mesmo mantendo o direito dos candidatos de usarem blogs, contas em serviços de vídeo, grupos em redes sociais e perfis no Twitter para fazer campanha, sobra outra dúvida: como fica o direito de resposta?
Há a possibilidade de se criar uma censura aos conteúdos, obrigando o provedor a tirar do ar 24 horas depois de notificado pela Justiça Eleitoral. A punição para o desrespeito a alguma das restrições prevê multas que variam entre 5 mil reais e 30 mil reais e, em casos mais graves, a impugnação da candidatura do postulante. Poderia ser a volta da censura? Até as charges correm perigo…
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Jornalista, blogueiro, apresentador de TV e mediador de um programa de debates na TV União (Fortaleza, CE)