Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Ninho favorito da notícia, microblog dá prejuízo

Não há quem questione a utilidade do Twitter, que completa dez anos em março de 2016. É fácil entender porque a notícia aprendeu a voar torrencialmente em seus posts de 140 caracteres. O microblog é rápido, transparente e direto ao ponto.

Mas ironicamente, o Twitter e a imprensa – com quem ele compartilha o caráter de serviço ao interesse público – enfrentam o gigantesco desafio de se viabilizar economicamente. No caso do Twitter, a competição por verbas publicitárias é travada principalmente com as demais redes sociais como Facebook, Instagram e Pinterest.

Nesse quesito, conforme o jornal The Guardian, o Twitter não tem voado rápido o bastante. Ao comparar as finanças do Twitter com o Facebook, o Guardian observou na virada do mês:

“Na semana passada os resultados financeiros das duas empresas mostraram fortunas muito divergentes. A receita do segundo trimestre do Facebook atingiu US$ 4 bilhões, um ganho anualizado de 39%, com uma receita operacional de US$ 1,3 bilhão, queda de 8%. Mas o Twitter, ao contrário, teve receita de US$ 502 milhões – 61% a mais do que no ano passado – mas um prejuízo operacional de US$ 131 milhões. O Facebook é gigantesco, cresce rápido e é lucrativo. O Twitter é menor, cresce mais rápido, mas dá prejuízo.”

Entre as vulnerabilidades do microblog, o jornal cita as baixas receitas e problemas de gestão que teriam culminado com a saída do CEO Dick Costolo em julho, substituído pelo CEO interino Jack Dorsey. Some-se a isso a perda de 450 profissionais globalmente, segundo uma estimativa do Financial Times, para quem boa parte dos que partiram são gente jovem e talentosa, difícil de substituir.

Eis o comentário oficial de Dorsey: “Nossos resultados do segundo trimestre mostram bom progresso em monetização, mas não estamos satisfeitos com o crescimento da audiência.” E acrescenta: “para atingir o potencial total do Twitter, nós precisamos melhorar em três áreas: garantir uma execução mais disciplinada, simplificar para entregar o valor do Twitter com mais rapidez e comunicar melhor sobre tal valor.”

Trocando em miúdos, o Twitter tem dois desafios principais. O primeiro é embutir publicidade com eficiência em meio aos seus posts, sobretudo em plataformas móveis, quesito em que tem apanhado do Facebook. Nesse ponto, o Twitter é vítima de uma de suas principais virtudes, a velocidade.

Seus posts são rapidamente publicados e consumidos, permitindo que o tuiteiro saia do microblog via links para destinos como o próprio Facebook, que consegue engajar mais gente por mais tempo. É verdade que o tuiteiro assíduo volta ao ninho, mas geralmente por menos tempo do que no Facebook, e portanto, com menor exposição a anúncios.

O Twitter não divulga indicadores sobre países individualmente, mas afirma que 77% dos seus 316 milhões de usuários ativos em 37 idiomas estão fora dos Estados Unidos. O Brasil é um de seus cinco maiores mercados. Para efeito de comparação, o Facebook conta com cerca de 1,5 bilhão de usuários ativos, contra 316 milhões do Twitter.

E por falar em usuários ativos, a segunda tarefa do Twitter é atrair e sobretudo retê-los. Trata-se de gente que não apenas lê tuítes alheios, mas também tuíta. Segundo o Guardian, nada menos do que 600 milhões de usuários teriam criado uma conta, que acabaram abandonando.

As incertezas sobre o futuro da empresa pressionam suas ações, que caíram mais de 40% nos últimos doze meses. A agência de notícias Bloomberg chegou a sugerir que o Twitter corre o risco de ser engolido por algum mamute do Vale do Silício. Se o fato se confirmar, é bem possível que o furo saia do bico do próprio passarinho azul.

Primeira-mão

Mas não há quem aposte no fim do microblog, que já se provou uma plataforma de ressonância ímpar na comunicação de um vasto e eclético grupo de atores. São cidadãos comuns, políticos, órgãos de governo, empresas, celebridades, religiosos, ONGs, jornalistas, veículos de comunicação. A lista inclui Barack Obama, Dilma Rousseff, celebridades como Neymar e líderes religiosos como o Dalai Lama e o Papa Francisco.

A grande maiora dos tuiteiros usa a plataforma para contar novidades em primeira-mão, fazer análises e comentários, engajar seguidores (entre os quais consumidores, eleitores, fãs e fiéis), afagar amigos e criticar ideias e adversários.

Conforme nota o site Politico, o Twitter tem sido a arma preferencial de Obama para rebater congressistas republicanos e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que se opõem ao acordo nuclear que seis potências, inclusive os Estados Unidos, fecharam recentemente com o Irã. Bibi e os republicanos têm feito um lobby pesado para que o Congresso americano não aprove o acordo.

O time dos tuiteiros inclui até o grupo terrorista Estado Islâmico, de quem o Twitter cancela periodicamente contas com links para atrocidades como a decapitação de prisioneiros.

O microblog também virou uma boa ferramenta para governos informarem os cidadãos sobre medidas de políticas públicas, como respostas a desastres ambientais, falta d’água, congestionamentos e acidentes de trânsito.

A adesão de todos esses personagens e instituições tornou o Twitter matéria-prima essencial da apuração jornalística. Além de abrigar notícias e análises, ele também é cada vez mais usado por repórteres, institutos de pesquisa e cientistas sociais para mapear temas, sobretudo aqueles listados em seus trending topics, inclusive no Brasil – de convocações para panelaços a inaugurações do programa Minha Casa, Minha Vida.

“Uma das maiores qualidades do Twitter para o jornalismo é o fato dele não ter um algoritmo como o Facebook e o Google”, diz José Roberto Toledo, coordenador do blog Estadão Dados e presidente da Abraji. “Sei que o que é postado não tem filtro e sai em tempo real.”

Outra característica definidora do microblog – o caráter voluntário do ato de seguir – foi explorada numa parceria do Estadão Dados com o Ibope para criar um mapa inédito das preferências políticas dos deputados federais. Publicado em julho, o estudo revelou que 428 dos 513 deputados têm contas no Twitter e seguem 272 mil tuiteiros diferentes.

Em sua coluna no Estadão, Toledo destrinchou aquilo que os especialistas em dados chamam de correlação clara e de alta significância estatística entre o deputado tuiteiro e sua orientação política:

 “‘Mostre-me quem segues no Twitter e te direi quem és.’ Ou, pelo menos, sua preferência partidária. Novos testes mostram que a máxima vale, pelo menos, para uma constelação do universo político: a Câmara dos Deputados. Parlamentares que votam parecido tendem a ter mais amigos em comum na rede social do que com aqueles que estão distantes no espectro ideológico. Há, porém, um tipo de tuiteiro que os une: jornais e jornalistas.

Mais interessante, há lógica por trás dos números: quem eles escolheram acompanhar na rede social evidencia suas preferências, interesses e prioridades. Pela comparação dos grupos que cada deputado segue, também ficam claras suas semelhanças e diferenças. É possível medir até quão distantes ou quão próximos estão uns dos outros.”

Exemplos:

“Dos 52 tuiteiros peemedebistas, só 26 seguem a presidente [Dilma Rousseff] – exatamente a metade. Isso não quer dizer que sejam os seus aliados. Entre os deputados do PMDB que são “amigos” de Dilma no Twitter está o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que acaba de se declarar oposição ao governo. De certo modo, a internet antecipou esse movimento. Não só pelo que Cunha publica, mas porque Dilma não segue o presidente da Câmara nem no Twitter. Não por acaso, ele é o deputado mais seguido pelos colegas.”

“A conta da presidente é apenas a quarta que os deputados mais seguem. A mais popular entre eles é a institucional da Câmara dos Deputados, que publica notícias sobre o que ocorre na Casa. Notícias, aliás, é o que atrai parlamentares no Twitter. Do 2.º ao 10.º lugar no ranking dos perfis mais seguidos pelos deputados estão – com exceção de Dilma – meios de comunicação, com 230 a 192 seguidores: @folha, @g1, @Estadao, @CamaraNoticias, @BlogdoNoblat, @JornalOGlobo, @VEJA e @TVcamara.”

Desintermediação

 Mas a facilidade criada pelo Twitter também trouxe efeitos colaterais potencialmente negativos para a reportagem. Conforme observa Toledo, a aparente vantagem do repórter encontrar a notícia na internet sem precisar dar um telefonema ou sair da cadeira se provaria uma desvantagem. “Logo ele percebeu que todo mundo tinha o mesmo acesso a essas fontes,” diz.

Mais importante, as fontes tuiteiras – como as das outras redes sociais – implodiram a chamada intermediação informativa, o tradicional e exclusivo canal que permitia à imprensa controlar a notícia até a publicação. Para grande parte do público, tal implosão pulverizou também as primeiras-páginas dos jornais e de suas versões digitais, já que o acesso à notícia agora se dá através de links, muitos dos quais embutidos nas redes sociais.

Escavado pelas novas plataformas para ligar as fontes diretamente ao público, o novo canal secou boa parte do fluxo de informações que alimentava o velho moinho jornalístico. Como resultado, as fontes tuiteiras passaram a exercer um certo monopólio da informação, em que não raro privilegiam as redes sociais para notícias que julgam mais importantes. De quebra, esquivam-se das perguntas difíceis dos repórteres, o chamado discurso contraditório.

A redução do contraditório trouxe, por sua vez, outra consequência negativa. “Os posts das redes sociais tendem a reforçar o viés de confirmação do repórter,” diz Toledo. Ele se refere ao conceito desenvolvido por psicólogos americanos para descrever a tendência humana de lembrar, interpretar ou investigar informações que confirmem crenças e hipóteses iniciais. Vale dizer que o viés de confirmação também potencializa a polarização ideológica. “A saída para todas essas armadilhas está no repórter trabalhar para cobrir com o Twitter e outras redes sociais, e ir além, buscando os múltiplos lados da notícia,” diz.

Assim como seus personagens, jornalistas renomados também tuítam, com desempenho desigual em termos de seguidores e destreza. A propósito, vale lembrar o que colunista do New York Times, David Carr, falecido em fevereiro, escreveu em 2010. “Como muitos novatos no Twitter, eu também exagerei muito sobre a importância de transmitir no Twitter e depois de um tempo concluí que eu não era Moisés e que tampouco o Twitter ou seus usuários queriam saber minha opinião. Depois de quase um ano, comecei a entender que o verdadeiro valor do serviço está em escutar uma voz coletiva eletrônica.” Os posts certeiros de Carr no microblog continuam disponíveis: @carr2n