A decisão da Icann – organização responsável pelos nomes de domínio na internet – de liberar totalmente a criação de novas extensões para endereços na web abre espaço para muitas questões judiciais e pode implicar gastos altíssimos para as empresas. Ao mesmo tempo, cria as condições para um novo e potencialmente lucrativo mercado. Pelas novas regras, aprovadas há duas semanas e com validade prevista para o início de 2012, o Valor poderia comprar a extensão.valor. Adquirir um domínio desse tipo, porém, não será fácil, nem barato. Os endereços pontoqualquercoisa, como está sendo chamada a nova categoria, terão um preço salgado: só o registro vai custar US$ 185 mil. Além dessa despesa inicial, pelas definições da Icann o Valor também teria de arcar com o custo de manter em funcionamento toda a infraestrutura necessária para que o.valor ficasse disponível.
O que pouca gente percebeu é que, na prática, as mudanças aprovadas dão condições a qualquer empresa de se transformar em um vendedor de domínios. Atualmente, uma única companhia em todo o mundo – a americana VeriSign – é autorizada a vender endereços com as terminações.com e.net, as mais populares da web. Ninguém compra os domínios diretamente da VeriSign. A companhia tem uma rede de empresas credenciadas para fazer isso. São, em geral, provedores de serviços de internet ou de centro de dados.
Voltando ao exemplo acima, o Valor poderia lucrar com o domínio próprio, eliminando a camada que nos domínios.com é ocupada pela VeriSign e assumindo a responsabilidade pela venda de registros como josedasilva.valor. Existem 22 domínios disponíveis na internet, como.edu (para escolas) e.gov (para governo). Um endereço típico – suaempresa.com – custa no máximo R$ 50 por ano, mas pode sair de graça, dependendo de promoções. No caso dos novos domínios, o preço cobrado deverá seguir as regras estipuladas pela Icann. Segundo Demi Getschko, diretor-presidente do Nic.br, que participou da reunião da Icann realizada em Cingapura há duas semanas, quanto mais popular for um domínio, mais baixo deverá ser o valor cobrado.
Total de pedidos não pode ultrapassar mil
Para a VeriSign, as mudanças não são uma ameaça a seu negócio. Pat Kane, vice-presidente sênior da companhia, diz que a empresa aposta em fatores como a segurança e a estabilidade de sua infraestrutura para impulsionar a oferta de serviços aos clientes interessados nos novos domínios. A VeriSign vê a possibilidade de vender infraestrutura para essas companhias.
Ingressar nesse novo mundo vai requerer uma avaliação profunda das empresas em relação ao retorno do investimento. Só o custo para instalar uma infraestrutura suficiente para 10 mil endereços pode custar entre US$ 100 mil e US$ 200 mil, calcula Getschko. O valor total – incluindo a nova extensão, os equipamentos para administrar os sites e as ações de marketing – superaria US$ 1 milhão, diz Vinicius Pessin, diretor do UOL Host, braço de hospedagem de sites do UOL. “Acho difícil que um provedor de pequeno porte tenha condição financeira de fazer um investimento desses”, afirma Pessin. Para o executivo, as empresas interessadas em obter extensões para venda devem pensar em domínios com apelo global, como.bric. “É possível criar uma extensão de nicho, como.timão, mas para garantir a sua venda é necessário avaliar previamente sua aceitação entre empresas e pessoas físicas”, diz.
Uma questão essencial é quem vai decidir o vencedor da disputa por um domínio que desperte interesse de vários requisitantes. Para facilitar esse processo, não vão existir domínios por país, como um hipotético.valor.br. As extensões desse tipo (.br no Brasil,.ch na China,.au na Austrália etc) são responsabilidade de organizações locais, sem fins lucrativos. No Brasil, esse papel é do Nic.br. Sem a extensão por país, os pedidos de novos endereços serão feitos diretamente à Icann. O prazo previsto vai de 12 de janeiro a 12 de abril de 2012. Segundo Alex Hubner, gerente de produto de domínio e hospedagem do UOL Host, o total de pedidos não poderá ultrapassar 1 mil. “Se em janeiro a Icann receber esse número de pedidos, a rodada será interrompida”, afirma Hubner. O cronograma prevê novas rodadas a cada ano.
“Um hábito difícil de mudar”
As regras para realização dos pedidos estão descritas em um documento com mais de 300 páginas e a Icann promete rigor no processo de seleção. Serão considerados aspectos como condições financeiras de operação da empresa, plano de negócios para manutenção do domínio e até questões de ordem política. Registros com nomes de países, territórios e culturas podem ser vetados dependendo de quem for o requisitante. “As avaliações dos projetos levarão entre 4 e 5 meses para ser feitas”, diz Getschko. Com tantas exigências, a possibilidade de uma pessoa física comprar um domínio é praticamente nula, embora não seja proibida.
O rito moroso foi uma forma encontrada pela Icann de evitar possíveis disputas judiciais. A ideia é coibir a ação dos chamados grileiros virtuais: empresas e pessoas que registram páginas com nomes de companhias, produtos ou palavras de interesse. Eles se aproveitam dos baixos custos de registro de domínio para, mais tarde, cobrar um alto valor para repassá-los a interessados legítimos. Em alguns casos, isso provoca ações judiciais que chegam a se estender por vários anos.
No caso dos novos domínios, uma empresa que se sentir lesada poderá fazer uma contestação antes mesmo de o registro ser concedido a outro requisitante, diz Brad White, diretor de relações com a imprensa da Icann.
Para os especialistas, ainda é difícil saber qual será o ritmo de adesão aos novos domínios. “As pessoas já se acostumaram a usar domínios como.com e.com.br. E esse hábito é uma coisa difícil de mudar”, diz Aleksander Mandic, dono da empresa que leva seu sobrenome. Veterano da web, Mandic lembra que extensões como.eu,.info e.etc também foram criadas para dar mais opções de registro de sites, mas tiveram pouco sucesso.
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“Extensões para nichos de mercado”
A primeira rodada de pedidos de novos domínios da internet poderá ter um caráter defensivo. As grandes companhias, preveem especialistas do setor, vão solicitar endereços ligados às suas marcas para se proteger de futuras “grilagens” do espaço virtual, uma prática pela qual nomes reconhecidos são comprados por oportunistas. “As grandes empresas vão querer o registro de domínios de suas marcas para evitar batalhas judiciais futuras para recuperá-los”, afirma Hartmut Glaser, secretário do Nic.br, órgão responsável pela extensão.br.
A despeito dessa proteção, não é garantido que os novos registros terão um retorno muito grande para as marcas em relação ao consumidor. A princípio, a curiosidade pode levar muitas pessoas a visitar um endereço eletrônico inusitado, mas para capturar essa atenção seria necessária uma ação publicitária capaz de promover a interação com o público. Só oferecer uma página institucional não funciona, diz David Reck, diretor da agência de publicidade Enken. Assim como hoje o fã de uma marca usa uma camiseta com sua logomarca, esse mesmo fã teria interesse de ter seu nome associado ao domínio da companhia que admira, diz o publicitário.
O alto custo para solicitar um registro é um fator que deve limitar os pedidos a grandes empresas ou organizações. Mesmo quem tem dinheiro para requisitar os domínios pode ter de se unir a empresas do mesmo setor para fazer a solicitação. Grupos com interesses comuns, como bancos, empresas de saúde ou companhias de turismo podem preferir registrar um domínio único na web, avalia Nelson Mendonça, diretor de operações da Alog, companhia especializada em centros de dados. Isso evitaria disputas futuras. No caso de.banco, por exemplo, uma organização como a Febraban, que congrega as instituições financeiras, poderia fazer o pedido em torno de todos os associados.
Outros potenciais interessados são as empresas de hospedagem de sites. O UOL Host, braço especializado do UOL, pretende entrar com os pedidos em janeiro para, posteriormente, vender extensões a empresas e pessoas físicas. “Nossa estratégia é ter a liderança no mercado brasileiro. Entraremos nesse jogo com.uol e outras extensões para nichos de mercado”, afirma Vinicius Pessin, diretor do UOL Host. A companhia já recebeu consultas de empresas clientes sobre as novas extensões. “Hoje é difícil conseguir endereços que ainda não estejam registrados como.com.br”, afirma Pessin. “As novas extensões criam oportunidades para sites brasileiros.”
A tendência, no entanto, é de que haja poucas extensões novas no país, afirma o executivo. Já existem nomes de domínio específicos para categorias profissionais, como adv.br (para advogados) e adm.br (para administradores), mas essas extensões têm pouca representatividade na internet brasileira, observa Pessin. “A cultura do.com.br ainda é muito forte e deve permanecer assim nos próximos anos”, diz ele (CB e BC).
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Trocando em miúdos
Icann (Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números, na sigla em Inglês) – órgão internacional sem fins lucrativos responsável por administrar e coordenar o sistema de nomes de domínio na internet. Quando o usuário digita um endereço de internet, na verdade ele está acessando um número único na rede mundial, conhecido como IP. Para facilitar o trabalho, já que seria muito difícil memorizar os números, essa combinação é identificada por um nome, também único. A Icann é quem gerencia essa estrutura. Criada em 1998, a Icann está sediada nos Estados Unidos e já foi questionada algumas vezes quanto à influência do governo americano em suas decisões. A despeito das polêmicas sobre intervenções políticas, a entidade tem hoje em sua estrutura governos e organizações de tratados internacionais que trabalham em parceria com empresas, entidades e indivíduos envolvidos no desenvolvimento da internet global.
gTLDs – Categoria que reúne domínios de primeiro nível com códigos genéricos, como.gov ou.org. Com a decisão da Icann, esse grupo passará a ter novos domínios, formados por qualquer nome sugerido.
IDNs – Grupo de domínios de primeiro nível escritos com caracteres especiais, em idiomas como o japonês e o árabe. Essa lista também receberá novos domínios em virtude da mudança aprovada pela Icann.
ccTLDs – Categoria que engloba os domínios com códigos de países, correspondentes às abreviações oficiais com duas letras de mais de 250 países e territórios. A decisão de ampliar os domínios não implica a inclusão de novos registros nesse grupo.
Servidor raiz – equipamento responsável por converter um endereço de internet (www.valor.com.br, por exemplo) no código numérico (IP). Também permite a comunicação entre equipamentos conectados à web. Existem no mundo 13 servidores raiz, a maioria operada por agências governamentais dos Estados Unidos.
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[Da Redação de Valor Econômico]