Se houvesse um prêmio para a empresa que mais fizesse segredo de seus negócios, a Amazon seria uma candidata quase imbatível. Conseguir uma entrevista com os executivos da companhia não é tarefa para qualquer um. Até detalhes banais são mantidos em segredo, como a localização aproximada da sala do fundador e CEO da empresa, Jeff Bezos, na sede de Seattle. E, como não poderia deixar de ser, as teleconferências em que a companhia anuncia e discute seus resultados trimestrais são quase sempre sonolentas.
Mas os analistas financeiros e muitos no setor de tecnologia da informação (TI) estarão bastante atentos hoje, quando a gigante de comércio eletrônico divulgar os resultados obtidos nos três primeiros meses deste ano. Quase dez anos depois de ter lançado o Amazon Web Services (AWS), a empresa informará os acionistas sobre o tamanho, o ritmo de crescimento e a lucratividade de seu negócio de computação em nuvem.
O objetivo do esclarecimento é tranquilizar os investidores, que andam preocupados com a crônica falta de lucros da Amazon e com o volume de recursos que a companhia vem gastando – no ano passado, a empresa como um todo investiu quase US$ 9 bilhões. Mas o anúncio também deve sinalizar que a computação em nuvem (em que os dados são armazenados e processados em servidores remotos) chegou à maioridade. Acredita-se que o faturamento do AWS tenha chegado a US$ 5 bilhões em 2014 e que a unidade esteja crescendo mais de 50% ao ano. Os analistas já avaliaram o AWS em US$ 44 bilhões – colocando-o na mesma categoria de grandes fabricantes de computadores, como a Hewllet-Packard, cujo valor de mercado é de US$ 60 bilhões.
Apesar de o AWS ser muito maior do que os negócios de nuvem de concorrentes como Microsoft e Google, estes também crescem em ritmo acelerado. A empresa de pesquisas Gartner calcula que o mercado global dos serviços de computação em nuvem movimentará US$ 176 bilhões este ano. Esse valor ainda representa apenas 4% do total de gastos com TI, mas a computação em nuvem é uma área que cresce a olhos vistos, enquanto a maior parte do setor permanece estagnada ou em declínio. Até 2017, os gastos com serviços em nuvem chegarão a US$ 240 bilhões, prevê a Gartner.
Custo
Com os prestadores de serviços em nuvem se apressando em construir data centers e brigando por fatia de mercado, o custo em que as empresas incorrem para transferir suas operações de armazenamento de dados para nuvens online é cada vez menor. Segundo o Citigroup, os preços caíram cerca de 25% ao longo dos últimos três anos. Novas e significativas quedas parecem inevitáveis. Alguns provedores, como a Microsoft, começaram a oferecer serviços gratuitos para startups, na expectativa de que, conforme elas cresçam, suas necessidades aumentem e elas se disponham a pagar.
O setor de TI passa por uma transformação que, em certa medida, reverte a tendência observada nos anos 90, quando as empresas trocaram a centralização dos mainframes gigantes pela dispersão de desktops e servidores. Como acontece com a maioria dos avanços em TI, o barateamento do processamento e armazenamento de dados online foi consequência da Lei de Moore – o princípio empírico, que fez seu 50º aniversário em 19 de abril, segundo o qual a densidade dos transistores num microchip dobra a cada dois anos, aproximadamente. E, por sorte, a Lei de Moore parece que ainda tem alguns anos de vida pela frente.
No entanto, para os provedores de serviços em nuvem e para seus acionistas, a questão é: vai dar para ganhar dinheiro com isso? Até o momento, tudo o que muitos deles conseguiram foi acumular prejuízos. Como é difícil oferecer serviços diferenciados nessa área, os provedores se veem obrigados a oferecer preços cada vez mais baixos e, em vista disso, precisam expandir rapidamente suas atividades para ganhar economias de escala. O perigo é que acabem numa situação semelhante à das companhias aéreas e das montadoras de carros populares: cronicamente atormentadas pelo excesso de capacidade instalada, sempre se esforçando para operar com margens decentes e eternamente à espera de que seus rivais entreguem os pontos primeiro.
Assim como os prejuízos das companhias aéreas e das montadoras significam ganhos para os passageiros e proprietários de automóveis, as empresas e outras organizações que fazem uso intensivo de serviços de TI serão beneficiadas com grandes economias. Em vez de gastar rios de dinheiro comprando servidores e contratando um sem-fim de engenheiros para cuidar de sua manutenção, essas empresas e organizações alugarão, a preços baixos, cada vez mais poder de processamento e espaço de armazenagem; e o mesmo administrador de sistemas que hoje cuida de algumas dezenas de servidores que operam no interior da companhia, será capaz de gerir centenas de “máquinas virtuais” na nuvem.
Isso não significa dizer que todas as atividades de informática das empresas serão transferidas imediatamente para as nuvens. Graças a provedores pioneiros, como a Salesforce, muitas empresas já administram e armazenam na nuvem itens como contas de clientes, malas diretas e sistemas de monitoramento de funcionários. As empresas também colocaram nas nuvens muitos de seus chamados “sistemas de engajamento”, isto é, os serviços que administram suas interfaces com o público, como os aplicativos para smartphone. Os softwares que as empresas criam para si próprias – em empresas da “economia de compartilhamento” tipo Uber, por exemplo – são cada vez mais desenvolvidos e testados na nuvem, além de rodados nela.
Lentidão
No entanto, há muitas empresas em que parte importante das operações é executada com softwares antigos. E sabe-se que não são poucas as dificuldades que podem aparecer pelo caminho quando se resolve substituir sistemas tradicionais. Muitos desses apps teriam de ser reescritos para rodar na nuvem, diz John Rymer, da Forrester, empresa de pesquisas. E, com frequência, eles estão muito ocupados nas operações do dia a dia da companhia para que possam ser facilmente substituídos por softwares mais novos, concebidos para rodar em nuvens.
Setores altamente regulamentados, como o bancário, enfrentam um problema de outra natureza. Ainda que estejam convencidos das vantagens, em termos de custo, e da conveniência de transferir seus sistemas para nuvens cada vez mais baratas, os bancos terão de persuadir tanto os órgãos reguladores quanto as seguradoras de que não há risco de vazamento de dados ou de quedas de sistema.
Em virtude disso, as empresas estão começando a dividir seus departamentos de TI em dois grupos, explica David Mitchell Smith, da Gartner. Um deles se encarrega de manter em funcionamento um número cada vez menor de sistemas tradicionais em frangalhos, enquanto o outro desenvolve e administra sistemas novos, ultramodernos, que rodam na nuvem
De modo semelhante, agora há também dois tipos de empresas de TI: de um lado, aquelas que, lideradas pela Amazon, têm na nuvem seu habitat natural, e, de outro, as velhas fabricantes de hardware e software que, embora ainda dominem o mercado de TI, estão tendo de se esforçar para se adaptar à nova era. As fabricantes de software não estão tendo apenas de reescrever seus aplicativos para que rodem na nuvem. Também precisam adotar um modelo de negócio em que grande parte de suas receitas advinha da venda de licenças caras para um modelo em que o faturamento se baseia no pagamento de importâncias menores por assinaturas renováveis. Algumas delas já avançaram bastante, como a Adobe, que desenvolve softwares para o setor editorial. Outras, entre elas Oracle e SAP, grandes provedoras de apps corporativos, estão só começando.
A adaptação será mais complicada para fabricantes de hardware voltado para o mercado corporativo, como a HP e a Dell. Empresas que antes adquiriam servidores dessas companhias, realizando compras que envolviam até duas dezenas de máquinas, cada vez mais tenderão a contratar serviços de nuvem. E ainda que os provedores de serviços em nuvem tenham de adquirir enormes quantidades de servidores, o fato é que eles vêm progressivamente projetando suas próprias máquinas. Com relação ao software usado por provedores de computação em nuvem para gerenciar seus data centers gigantes, ele tende a ser gratuito, de “código aberto” em vez das versões pagas.
Dilema
Fabricantes de computadores enfrentam uma escolha difícil: estabelecer uma posição firme na nuvem ou focar no seu negócio tradicional. A IBM optou pela primeira alternativa: em 2013, ela comprou a SoftLayer, um provedor de serviços em nuvem, na qual tem investido pesadamente desde então. A HP parece confusa: no início do mês, a companhia deu a impressão de anunciar que iria parar de concorrer com o AWS e outros provedores de serviços em nuvem – só para se contradizer alguns dias depois.
Acompanhar os novos rumos será difícil para IBM e HP: ao contrário do Google, elas não dispõem de um lucrativo mecanismo de buscas para se amparar enquanto mudam de um modelo para o outro. Tampouco contam com minas de ouro como os softwares Windows e Office, da Microsoft. E seus acionistas não são tão pacientes quanto os da Amazon
Falando em termos meteorológicos, os grandes usuários de TI terão céu azul pela frente, salpicado de nuvens brancas, fofas e baratas. Os provedores de computação remota talvez tenham de conviver com muitos dias nublados de lucratividade baixa. E os fabricantes de hardware e software podem contar com um tempo de nuvens carregadas, sujeito a muitas chuvas e trovoadas.
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