Saturday, 07 de September de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1304

O anarcotráfico do anonimato perde espaço

O maestro Tom Jobim já dizia: “Viver no exterior é bom, mas é uma merda. Viver no Brasil é uma merda, mas é bom”.

Com o anonimato, é a mesma coisa.

O Disque-Denúncia, por exemplo, é bom e opera pelo bem. Protegidos pelo anonimato, moradores das favelas da Rocinha, Vidigal e Chácara do Céu, nos morros cariocas, ajudaram a polícia a apreender 129 armas, 23 mil munições, 148 explosivos e 350 quilos de droga em apenas três dias de ocupação em novembro do território antes exclusivo do narcotráfico. Em uma única casa da Rocinha, a denúncia levou a 16 fuzis e uma metralhadora capaz de abater um avião. O telefone, que não recebia mais do que quatro informes diários, disparou para 308 ligações no domingo e segunda, os dois primeiros dias da ocupação.

Já na internet, como diria o sensível Tom, o anonimato é uma merda, e não é bom. Principalmente no território livre dos blogs, a grande rede é exposta à droga dos traficantes de opinião que não ousam dizer o seu nome, como diria Oscar Wilde. Como os narcotraficantes que dominam as favelas pelo terror e pela droga, ocultam o rosto pela máscara covarde do apelido, do codinome, da inicial sem qualquer identificação.

Com isso, são encorajados a dizer qualquer bobagem, desencorajando o bom e aberto debate civilizado entre pessoas que não temem expor nome e sobrenome, suas cidades de origem, até mesmo sua condição profissional, detalhes que qualificam a discussão e permitem uma compreensão melhor sobre os debatedores. O manto do sigilo descamba com frequência para a troca de ofensas entre os próprios internautas, despencando numa baixaria que espanta pela virulência e que afugenta os debatedores mais pacientes.

Conversa de qualidade

Mas, esse anarcotráfico de opiniões que não se sustentam, a não ser pelo capuz do anonimato, pode estar com seus dias contados. Os grandes portais, os sites sérios e os blogs mais consequentes estão ocupando este território da irresponsabilidade, estabelecendo limites saudáveis para permitir o livre trânsito apenas a quem tem a consciência e a competência para a discussão livre, democrática e assumida.

Nem é preciso chamar o BOPE para retomar este espaço virtual ocupado criminosamente. Basta estabelecer regrar transparentes para identificar devidamente o autor dos comentários, sem qualquer restrição ao seu conteúdo. Os que passarem dos limites sabem que estarão sujeitos à réplica legal e judicial do que se sentirem atingidos. Uma possibilidade que, de pronto, calará a grande maioria de quem terá vergonha de assumir o que não diz sem a ajuda de um apelido boboca.

Um bom sinal do que pode ser o começo do fim dessa praga – que não assola o Observatório da Imprensa, já devidamente vacinado – é a nova norma adotada pelo portal da Globo.com, um dos maiores do país, agora bloqueado a esta multidão inconsequente de cognomes: “Apelidos em comentários são uma tradição, mas isso está mudando. As duas comunidades virtuais que mais crescem – Facebook e Google+ – não permitem apelidos. É que quando todo mundo assina o próprio nome, a qualidade da conversa melhora. O nível de cortesia aumenta”, ensina Pedro Doria, editor-executivo de Plataformas Digitais da Globo.com.

O educado Tom Jobim festejaria esta internet sem merda.

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[Luiz Cláudio Cunha é jornalista em Brasília, DF]