ECOS DA DITADURA
A história perdida nos porões militares
‘Está em curso na Argentina, no Chile e no Uruguai uma nova onda de valorização da memória histórica sobre as ditaduras militares dos anos 70 e 80. A discussão ultrapassou os círculos políticos e acadêmicos e alcançou, de modo contundente, o cotidiano e a cultura popular. O processo se insere em um quadro político mais amplo: a ascensão às presidências sul-americanas de governos de esquerda, nesta primeira década do século 21, e os debates sobre o aprofundamento da democracia. No Brasil, passado mais um ‘31 de março’, é de se perguntar: e nós?
A Argentina é o epicentro da valorização da memória no continente – que se reflete, inclusive, no âmbito do Mercosul, onde órgãos públicos de defesa dos Direitos Humanos dos países participantes têm colocado a questão central do direito à memória para o fortalecimento da democracia. Os temas debatidos incluem o acesso aos arquivos das ditaduras e a localização e identificação dos cadáveres de pessoas assassinadas. A vitória de Néstor Kirchner nas eleições de 2003 levou ao poder a geração da Juventude Peronista dos anos 70, principal vítima da repressão política. O pior centro de torturas da época, a Escola de Mecânica da Armada em Buenos Aires, foi convertido em Museu da Memória. O mesmo ocorrerá com o quartel de La Perla, em Córdoba, um dos mais conhecidos pontos do sistema repressivo.
O jornal argentino Página 12 publica diariamente fotos desses rapazes e moças, em geral jovens na faixa dos 20 anos, nos aniversários de seus desaparecimentos. Uma pequena biografia acompanha cada imagem. Nomes, retratos, histórias de vida. A recuperação da identidade é o fio condutor do exercício da memória. A questão chegou às telenovelas. Montecristo adaptou para a ditadura militar a famosa trama de traição e vingança do escritor francês Alexandre Dumas. A heroína do folhetim do século 19 virou, na versão televisiva, filha de presos políticos, seqüestrada quando bebê por um policial. A produção foi um dos maiores sucessos da TV argentina em 2006 e fez com que triplicassem os telefonemas às Avós da Praça de Maio – elas foram consultoras dos autores Adriana Lorenzón e Marcelo Nacci, e sua sede, um dos cenários da novela. A jovem Celina Manrique recuperou sua identidade graças à telenovela: vizinhos da família que a adotou viram na televisão uma foto sua quando menina e, desconfiados, alertaram as Avós.
Fenômeno semelhante observa-se no Uruguai e Chile, após as vitórias eleitorais da Frente Ampla em 2004 (que encerrou o revezamento de 170 anos no governo dos Partidos Blanco e Colorado) e da socialista Michelle Bachelet. Romancistas como Eduardo Mariani, em Fratelli, discutem de maneira criativa os conflitos da época autoritária uruguaia, a partir do reencontro de amigos que fizeram parte da luta armada e precisam decidir o que fazer com a fortuna que restou de um assalto a banco cometido pelo grupo. Artistas que viveram intensamente o período, como o cantor e compositor Alfredo Zitarrosa (Adágio para meu País, Violão Negro), entraram para os currículos das escolas e são redescobertos como referências para a história do país.
No Chile, é grande a quantidade de livros recém-publicados sobre Salvador Allende, Pablo Neruda e Augusto Pinochet. O protagonismo político e cultural do trio segue impressionante nas livrarias de Santiago. E uma nova geração de cineastas chilenos retratam os conflitos dos anos 70 com uma ótica renovada, mesclando humor, sensibilidade e ironia. É o caso de Andrés Woods (Machuca), relato da amizade entre três adolescentes de classes sociais muito diferentes, tendo como pano de fundo o governo de Allende (1970-1973). Alex Bowden (Meu Melhor Inimigo) tratou da disputa pelas ilhas no Canal de Beagle, que quase levou à guerra entre Chile e Argentina em 1978. O cineasta satiriza o militarismo contando a história de duas patrulhas que se encontram na fronteira e, isoladas do mundo, viram amigas e organizam churrascos e jogos de futebol.
Já no Brasil o tema reaparece quando ocorrem denúncias sobre cemitérios clandestinos de dissidentes assassinados durante a ditadura ou sobre torturadores, ou ainda quando surgem notícias sobre documentos secretos da repressão política. O tema ressurge com ênfase também quando são ameaçados os interesses militares como na recente greve dos controladores de vôos. Mas não houve um boom de memória. É certo que já tivemos uma minissérie de TV, Anos Rebeldes, exibido pela TV Globo em 1992, e programas especiais como o Linha Direta sobre Vladimir Herzog, Zuzu Angel e Frei Tito; filmes como Zuzu Angel, O ano em que meus pais saíram de férias, Cabra Cega e diversos livros.
No Brasil, porém, a recuperação do passado não se ancora em uma ‘política de memória’ na qual o direito à justiça e à verdade são garantidos. Justiça e memória, entretanto, são indissociáveis quando se almeja a reparação reclamada pelas vítimas de traumas como os vivenciados na América Latina. Enquanto na Argentina militares e acusados de tortura são condenados pela Justiça (em 2006, 211 acusados estavam sob prisão preventiva) e os testemunhos têm valor de prova nos tribunais, por aqui se mantém o segredo em relação aos documentos dos arquivos da repressão política e das Forças Armadas. Inverteu-se o processo: as vítimas da ditadura estão recebendo indenizações, mas ainda não foram recuperados os restos mortais dos desaparecidos, não se obteve informações sobre as circunstâncias dessas mortes ou a responsabilização dos que cometeram os crimes de tortura, assassinato e desaparecimento político.
Filósofos como Paul Ricoeur (1913-2005), apontaram para a impossibilidade de se controlar o tempo do luto ou de legislar sobre o imperdoável. Ricoeur vislumbra possibilidades do perdão no âmbito político desde que não se imponha através da usura pelo tempo, a prescrição, ou pela usura da justiça (restrição do direito de acesso à Justiça em função de leis de anistia). Para ele, o perdão supõe o esquecimento da dívida e não dos fatos. É preciso que haja vestígios dos fatos para vivenciar uma ‘terapia da memória’; pois importa curar a capacidade destrutiva das recordações. No Brasil história, memória e justiça ainda precisam se encontrar.
Mauricio Santoro é cientista político e pesquisador do Ibase Janaina Teles é historiadora e organizadora do livro Mortos e Desaparecidos Políticos: Reparação ou Impunidade?’
MEMÓRIA / DAVID HALBERSTAM
Sérgio Augusto
‘As abelhas estão sumindo dos EUA, e ninguém sabe por quê. O que deduzir disso? Que a América vai ficar menos doce ainda? Que China, Argentina, Ucrânia, Tailândia e Vietnã formarão uma OPEP do mel, abrindo outra frente de preocupações para o governo americano?
Temos sólidos motivos para desconfiar de que o sumiço das abelhas, anunciado com destaque pela mídia americana na segunda-feira passada, se deva ao mal-estar que até nos insetos a administração Bush já estaria provocando. Se verdade, assistimos a um êxodo tão insólito quanto exemplar, a uma voluntária diáspora dos apídeos, insetos sensíveis e bem mais organizados e operosos que a sociedade dos homens.
Quando o democrata Jimmy Carter dava as ordens na Casa Branca, as abelhas inspiravam filmes-desastre, como O Enxame (The Swarm). Na era Bush, elas se qualificaram para uma alegoria orwelliana, na linha de A Revolução dos Bichos. Com as abelhas como heroínas, é claro; como exiladas políticas. Saturadas da guerra no Iraque, das mentiras de Dick Cheney, Karl Rove & cia, do escrachado conservadorismo da atual Corte Suprema, dos cambalachos do secretário de Justiça Alberto Gonzales, dos periódicos banhos de sangue nas escolas, as abelhas teriam decidido construir suas colméias alhures; quem sabe, ali perto, no Canadá, para ajudar a terra de Diana Krall a voltar a ser o quinto maior produtor mundial de mel e ingressar na OPEM (Organização dos Países Exportadores de Mel).
Em meio ao sumiço das abelhas, desapareceu também uma das mais fulgurantes estrelas do jornalismo, David Halberstam, 73 anos, só que para o exílio eterno. Morte estúpida (e sobretudo inglória para quem cobriu a guerra no Vietnã): desastre de carro, na Califórnia, que é (ou era) o maior produtor de mel dos EUA. Dos envolvidos no acidente, apenas o jornalista, mero carona de um estudante, morreu.
Prêmio Pulitzer de 1964, pelos despachos enviados de Saigon para o New York Times, Halberstam publicou uns 15 livros, alguns best sellers, nem todos sobre guerras e temas da atualidade. Um dos mais recentes, War in a Time of Peace (Guerra num tempo de paz), é um balanço da desastrosa política externa americana nos anos 90. Deixou inédito outro, sobre a guerra na Coréia. Humildemente confesso que, de tão vasta produção, li apenas dois.
Não por acaso os mais badalados: The Best and the Brightest (Os melhores e mais brilhantes) e The Powers That Be (sobre os mais poderosos da mídia nos EUA, nos anos 70: Henry Luce, dono da revista Time; William Paley, chefão da CBS; Katharine Graham, herdeira do Washinton Post e Newsweek; os Chandler do Los Angeles Times). Dois calhamaços, que percorri aos saltos, bocejando aqui e ali.
Halberstam era um grande repórter, um apurador meticuloso, mas sem senso de medida. Aproveitava tudo o que colhia, enxundiando seu texto com informações irrelevantes e digressões dispensáveis, exagerando nos adjetivos, no anedótico e nas exaltações. Carecia, enfim, de um bom copy desk – e de uma visão histórica que não desse tanta importância aos medalhões. Parte dessas restrições, reconheço, me foram previamente inoculadas pela leitura de um artigo de Mary McCarthy sobre The Best and the Brightest, na New York Review of Books (janeiro de 1973), e de outro, de Alexander Cockburn, sobre The Powers That Be, para o Village Voice (abril de 1979).
‘Qual o propósito deste livro?’, cobrava McCarthy, na frase de abertura de seu artigo, partindo para um ataque feroz (‘prosa cheia de clichês’, ‘gramaticalmente incompreensível’, ‘tédio estupefaciente’, etc.), que se estendia por seis páginas da revista. O artigo de Cockburn era mais curto, mas não menos virulento. Para ele, The Powers That Be tinha uma ‘prosa vulgar’, ataviada de superlativos e com um acúmulo de elogios que beirava a pornografia. Mas não há como contestar a importância e o impacto de The Best and the Brightest, a primeira reflexão de alcance popular sobre os estragos cometidos pela elite intelectual e administrativa arregimentada por John Kennedy.
A expressão ‘os melhores e mais brilhantes’ entrou para os léxicos político e jornalístico. Se escrevesse sobre o governo Bush, Halberstam teria de bolar outro título. The Worst and the Dumbest, por exemplo.
Com o passar do tempo, mesmo sem reler aqueles dois best sellers, passei a ver Halberstam com outros olhos. Bastaram-me algumas histórias a seu respeito. De bravura pessoal, inclusive. Em Saigon, durante a guerra do Vietnã, enfiou a mão em quatro soldados sul-vietnamitas que tentaram chutar o repórter Peter Arnett, caído no chão e sem os quase dois metros de altura de Halberstam, um David com a compleição de Golias.
Corajoso em qualquer circunstância (peitou um bocado de generais e outros figurões para informar aos americanos o que realmente estava acontecendo no Vietnã) e firme em suas convicções, em 1967 desprezou seu emprego no New York Times por discordar da orientação editorial imposta por Abe Rosenthal, e foi vender seu peixe na revista Harper’s. Não o entronizei em meu panteão, de há muito ocupado por I.F. Stone, A.J. Liebling e Murray Kempton, mas deixei-lhe as portas abertas.
Quase todos os colegas de ofício que o prantearam, ao longo da semana, desfiaram os mesmos atributos: íntegro, tenaz, incansável, meticuloso, espécime em extinção. Até agora, nenhuma contestação. Glenn Greenwald, que o considerava ‘um jornalista superior, modelar’, reproduziu, na revista eletrônica Salon, três grandes momentos de Halberstam: um discurso para os alunos de jornalismo da Universidade de Columbia, em 2005, e dois ensaios para a Vanity Fair, em setembro de 2004 e novembro de 2005.
Seu discurso foi uma aula de alto jornalismo, com críticas contundentes ao telejornalismo e aos que, na mídia impressa, também se renderam, vergonhosa e irreversivelmente, ao trinômio celebridade-sexo-escândalo. No primeiro ensaio, autopsiou os novos conceitos de ‘patriotismo’ e ‘coragem’ engendrados pelos neofalcões aninhados na Casa Branca, que fugiram do serviço militar e adoram promover guerras e difamar heróis da oposição, como John Kerry; razão pela qual Steven Fowle apelidou-os de ‘chickenhawks’ (em bom português, falcagões). No segundo ensaio, explorou as distorções que o sentido de ‘força’ e ‘poder’ sofreu depois do colapso da União Soviética, com os EUA aproveitando-se de sua indisputada hegemonia para exibir-se ao resto do mundo como um superpotência arrogante, autoritária e cruenta.
A morte de Halberstam não foi apenas uma grande perda para o jornalismo, mas também para a salubridade espiritual e moral da América, onde, receio, só ficarão as abelhas ditas solitárias, aquelas não produzem mel, só ferroadas.’
CONTROLE DA MÍDIA
‘Os manuais de redação já fazem o que eu proponho’
‘Na entrevista abaixo, o senador Marcelo Crivella diz que seu projeto de esterilização não tem intenção de controlar a natalidade dos pobres e que prevê para a imprensa o que já está em seus manuais.
Por que seria um direito ensinar que o homossexualismo é pecado?
Que cada um faça a sua opção sexual. Ninguém pode praticar atos de violência, desrespeitar a decisão individual de cada um. Mas a opinião diversa também não pode ser considerada crime. Apenas considerar o homossexualismo um pecado significa liberdade de opinião. Respeito o homossexual e discordo do homossexualismo.
Esterilização para conter a violência é planejamento familiar?
Aos 25 anos as pessoas que não têm acesso ao planejamento familiar já têm um monte de filhos. Minha proposta trata isso com rigor, tem de ter entrevista, avaliação psicológica. Não tenho preocupação com o controle de natalidade de ninguém, nem de pobres nem de ricos. Quero que as famílias pobres tenham condições iguais às das famílias ricas. Uma mulher pobre com 18 anos e dois filhos tem o direito a esse serviço público de não querer ter mais filhos. Ela decide.
Por que o sr. decidiu incrementar as punições a jornalistas por meio de uma Lei de Imprensa reconhecidamente arbitrária?
O que eu proponho já se adota nos manuais de redação de jornais sérios como o Estado. Peço que vire lei a prática de ouvir a outra parte envolvida na notícia e de não publicar documentos antes de verificar sua procedência e credibilidade. Mas, a conselho do senador Romeu Tuma, vou fazer uma emenda para colocar isso no Código Penal, com injúria, calúnia e difamação.’
***
A estridência da política, segundo o senador Crivela
‘A legislatura está apenas começando, mas o Senado já tem um personagem que se destaca no plenário de 81 parlamentares. Com propostas e discursos que tratam a moral apenas como a ciência dos costumes, o bispo da Igreja Universal do Reino de Deus e senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) achou seu espaço na vitrine da política.
Nos últimos dois meses, Crivela foi notícia ao defender a liberdade de dizer que o homossexualismo é um ‘pecado’, um ‘direito anti-natural’, e ao ressucistar a Lei de Imprensa e propor o aumento da pena de prisão para jornalistas. Tratou – não apenas em discursos, mas em projetos de lei de sua autoria – de outros dois assuntos polêmicos: a redução de 25 para 18 anos da idade mínima para que mulheres com dois filhos possam ser esterilizadas e a criminalização da compra ou posse de imagens de sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes.
Boas e más intenções à parte, a causa mais polêmica do senador Crivela é a que trata da esterilização das mulheres – as ‘preocupações’ confessas vão bem além do planejamento familiar. Como se estivesse procurando a popularidade à custa da trivialidade, o senador embalou a proposta com um estranho utilitarismo social e justificou: ‘(Com a esterilização), não nasceriam crianças expostas à fome, ao abandono, causas que estão intimamente ligadas à vilência’.
Por ser uma norma de 1967, auge do regime militar, e reconhecidamente anacrônica, a Lei de Imprensa teve sua extinção proposta por projeto de Jefferson Pérez (PDT-AM) aprovado no Senado e à espera de apreciação na Câmara. A providência do colega não intimidou o senador Crivela: projeto seu aumenta em um terço a pena de prisão prevista para jornalistas ou responsáveis pelas empresas de comunicação que propagarem informações falsas e cometerem abusos que resultem em injúria, calúnia e difamação.
No fim de março, da tribuna do Senado, outra performance destacou Crivela. O senador protestou contra projeto de lei da Câmara que criminaliza como preconceito, na forma de delito de opinião, qualquer tipo de crítica ao homossexualismo. ‘O Estado não pode impor a todos os cidadãos que aceitem como normal um comportamento que é, claramente, anti-natural’, afirmou. O bispo defendeu que os pais são livres e não podem ser punidos por ensinarem aos filhos que ‘o homossexualismo é errado’. Crivella disse que respeita os homossexuais, ‘aos quais se deve garantir os direitos, tanto no plano dos direitos humanos quanto dos direitos de cidadania’, mas rejeitou que uma lei possa ‘punir não apenas os pais, mas também um sacerdote que, do púlpito, venha a dizer que o homossexualismo é pecado’. Ninguém aparteou o senador.’
TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
Computador projeta tudo, de chip a aviões
‘O Boeing 777 foi o primeiro avião inteiramente projetado em computadores, na década passada. Desde a concepção inicial até a conclusão do projeto, tudo foi simulado em computadores, sem necessidade de testes nos velhos túneis de vento. Ao longo das últimas décadas, o computador se transformou na mais poderosa ferramenta de projeto e fabricação de peças e produtos. Difícil seria encontrar uma área em que a computação ainda não seja essencial para a criação e produção de novos chips, peças, motores, brinquedos, tratores, aviões, motos, foguetes, submarinos, satélites, fábricas inteiras ou instalações industriais complexas.
É provável que muitos leitores já tenham idéia da importância de três recursos fundamentais de computação: a) Projetos Assistidos por Computador (Computer-Aided Design ou CAD); b) Fabricação Assistida por Computador (Computer-Aided Manufacturing ou CAM); e c) Processos de Engenharia Assistidos por Computador (Computer-Aided Engineering ou CAE). As três siglas, CAC-CAM-CAE, costumam ser apresentadas em conjunto, porque correspondem a etapas sucessivas.
O LONGO CAMINHO
Antes do computador, quase tudo dependia da habilidade e do talento de desenhistas ou projetistas, armados apenas de lápis, papel, régua e compasso, num trabalho bem mais difícil, lento e complicado.
A partir dos anos 1960, tudo começa a se transformar, com o uso do computador. Mas, nos primeiros tempos, para se usar o computador, era preciso conhecer programação e deter conhecimentos matemáticos especiais. Só os especialistas conseguiam, assim, projetar uma peça no computador. Com o tempo, surgem os softwares do tipo CAD, que tornam tudo mais fácil, permitindo a qualquer usuário de PC, com treinamento rápido e adequado, fazer coisas aparentemente geniais.
Vieram depois os grandes saltos tecnológicos dessa área, como, por exemplo, a passagem dos softwares bidimensionais (2D) para os tridimensionais (3D) e, principalmente, os softwares paramétricos, muito mais poderosos, no tocante às dimensões e à complexidade dos projetos.
Graças ao poder dos milhares de softwares dessa área tecnológica, o computador passou a abrir um mundo de novas possibilidades na área de projetos e desenhos. Entre muitos outros, esses softwares são conhecidos por nomes comerciais próprios (como o Pro-Engineer, da PTC, ou o AutoCad, da AutoDesk), ora pelo nome do fabricante (como SolidWorks ou Alias).
NO MUNDO REAL
Acabo de comprovar o poder desses softwares aqui nas vizinhanças de Boston, nos Estados Unidos, em um laboratório e na PTC, uma das maiores empresas produtoras dessas ferramentas virtuais do mundo, e que pode ser considerada um dos bons exemplos do avanço dessa tecnologia. Nesta região se concentram, aliás, numerosas empresas de alta tecnologia, muitas delas incubadas por universidades famosas, como Harvard e o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
Fundada em 1985, com o nome de Parametric Technology Corporation, a PTC tem quatro famílias principais de ferramentas de CAD, CAM ou CAE. A primeira e mais tradicional é o software Pro-Engineer, que integra projeto, fabricação e processos de engenharia numa única ferramenta. A segunda é o WindChill, um software de gerenciamento de processos e conteúdo. A terceira é o Arbortex, destinado a editoração (publishing) dinâmica. E, finalmente, o MathCad, software destinado a cálculo de engenharia.
É claro que a maioria das grandes empresas brasileiras são usuárias de CAD-CAM-CAE, em geral, e de produtos e ferramentas dessas famílias de produtos. Entre elas, estão a Embraer, a Petrobrás, a Imbel, a Randon, a Tramontina, a Lorenzetti, a Tigre (conexões), Gradiente, Itautec e a Brastemp.
QUESTÃO DE EDUCAÇÃO
Para John Stuart, vice-presidente sênior de Parceiros Globais e Educação da PTC, ‘o papel das universidades e a qualidade da educação são fatores decisivos, em qualquer país, para o desenvolvimento e a criação de softwares de CAD-CAM’. Mesmo os países produtores de software em geral têm dificuldade de encontrar profissionais em quantidade suficiente e com o nível adequado de formação exigido para a criação desses softwares mais avançados, tridimensionais ou paramétricos.
Como tecnologia de ponta na área de computação, a criação de softwares de CAD-CAM no Brasil ainda é incipiente. Nesse aspecto, o trabalho da PTC tem sido significativo, pois a empresa tem ampliado sua contribuição educacional, passando de 2 mil escolas em 2001, em 2 países, para 12 mil em 2005, em 28 países. Seus planos prevêem alcançar 40 mil escolas em 2008, beneficiando 45 mil professores e 15 milhões de estudantes em 40 países.
O maior esforço, no entanto, deveria ser dos próprios países, como no caso do Brasil, que já tem significativa experiência na área de software, em geral.’
JORNALISMO CULTURAL
Música popular é o tema de estréia de Cultura Brasileira
‘A Biblioteca Nacional acaba de lançar sua revista Cultura Brasileira Contemporânea, cujo primeiro número fala de música popular, com artigos de especialistas, acadêmicos ou não. A publicação é iniciativa do presidente da BN, Moniz Sodré, que chamou seu ex-aluno Francisco Bosco para editá-la. ‘Concordamos em discutir a cultura contemporânea e mesmo este conceito’, explica o editor que é filho e parceiro do compositor João Bosco e mestre em comunicação pela UFRJ, com uma dissertação sobre música popular. ‘Por isso estou a par dos trabalhos na área. Nem todos os artigos são inéditos, mas os que não foram feitos para veículos de circulação restrita ou momentânea.’
É o caso do ensaio Ao Redor de Paulinho da Viola, do poeta e artista plástico Nuno Ramos, publicado no Estado há dois anos. Mais que falar sobre sua obra, o texto descreve as sensações provocadas por seus sambas e lembra que alguns deles evocam lembranças como as madeleines de Marcel Proust. Em Letra e Música, que abre a revista, Antônio Cícero, filósofo, poeta e letrista, explica por que considera estéril estabelecer uma escala de valores entre poesia e letra de música e ainda ensina a trilha para bem fazer as duas. Lá nos Primórdios, de Eucanaã Ferraz, foi texto para a imprensa do disco com o mesmo nome da irmã de Cícero, a cantora Marina Lima, lançado no ano passado.
‘O press release têm circulação restrita e durabilidade pequena e achei que suas considerações mereciam ser lidas por mais gente’, explica Bosco. Há ainda uma preocupação em escrever história da música popular e sobre a que está transbordando das periferias brasileiras e/ou estrangeiras. No primeiro caso, está o artigo Os Regentes do Brasil no Período Vargas, de Santusa Cambraia Naves. Ela é coordenadora do Núcleo de Estudos Musicais da Universidade Cândido Mendes, e especialista na música dos anos 30 à Tropicália e fala da relação entre os músicos e o poder em pleno Estado Novo. Já André Gardel fala, em Contraponto Brown Sugar (uma alegoria ao rock dos Rolling Stones), do som que se rascunhou na década passada e tornou-se mainstream neste século.
‘A idéia é ouvir várias tendências, mesmo que as idéias expostas não sejam as minhas. No próximo número há um artigo de Léo Tomasini, que responde a uma indagação minha sobre o individualismo no futebol’, ressalta Bosco, que já tem o segundo número pronto, embora a revista se pretenda quadrimestral. ‘O tema será conjugações contemporâneas e encomendei escritos sobre verbos cotidianos, como amar, consumir, grafitar, cujo significado muda de acordo com os contextos. A idéia é passar por todos os gêneros, do poema ao ensaio, pois parafraseando Roland Barthes, queremos acolher todas as linguagem cabíveis no português.’
Os textos, de um modo geral, são acessíveis, pois embora escritos por especialistas, não visam só à comunidade acadêmica. No entanto, não é tão fácil adquirir a Cultura Brasileira Contemporânea porque ela é vendida (R$ 15) apenas na livraria da Biblioteca Nacional, embora tenha tido tiragem inicial de 2.000 exemplares. ‘Por determinação da administração anterior ao Muniz Sodré, as publicações da BN não podem ser deixadas em consignação nas bancas e livrarias, o que contraria o habitual na imprensa. Mas a revista é distribuída em todas as bibliotecas públicas do País e, com isso, alcança um público maior. No segundo número, esperamos ampliar a distribuição.’’
TELEVISÃO
Etienne Jacintho
‘Na TV, a vida real precisa ser sofrida. É necessário haver gritarias, brigas, lágrimas. Os participantes de reality shows têm de passar por testes físicos e psicológicos sob os holofotes para o compadecimento dos telespectadores ávidos pelo chamado show de realidade. No Big Brother, por exemplo, não há ibope se não há discussões. Como os reality shows de gastronomia não podem focar a comida – que não sente nem sofre -, os chefs viram carrascos de seus aprendizes. Gordon Ramsay é o pior deles. Tanto que seu primeiro reality recebeu o nome de Hell’s Kitchen (GNT), a Cozinha do Inferno.
Até o chef Jamie Oliver, o inglesinho moderno e desencanado, deu seus chiliques quando comandava o Jamie Oliver’s Kitchen (GNT), reality show em que recrutava e treinava jovens para trabalhar na cozinha de seu restaurante Fifteen. Top Chef (Sony) foi outro reality que abusou dos insultos e grosserias para criticar criações dos aprendizes a chef.
‘Acho que isso não é realidade’, afirma o chef suíço Dominique Fuhrer, que comanda a cozinha do Galani, no Caesar Park. ‘Há chefs que jogam pratos no chão de vez em quando, mas, na TV, isso é exagerado porque a gastronomia nesses realities é só um detalhe. É tudo teatro.’ Para o suíço, o Hell’s Kitchen explora bem a correria, o estresse, os acidentes e a exigência de se trabalhar em uma cozinha. ‘O problema é que eles, sabiamente, acabam explorando a falta de educação com os cozinheiros. Na visão de Ramsay, a linha tênue que separa a exigência da falta de educação é um abismo enorme’, comenta.
O Estado conversou com alguns chefs e todos concordam: Ramsay é puro marketing. ‘Ele parece uma charge’, fala Erika Okazaki, chef e sócia da pâtisserie Pain et Chocolat. ‘Não vou dizer que não dá vontade de fazer como ele, mas, apesar do estresse na cozinha, palavrão é desnecessário.’ A chef não perdia um episódio de Hell’s Kitchen e, apesar de achar que ninguém trabalha bem quando é humilhado, adora o chef escocês. ‘Meu sonho é ser Gordon’, brinca.
Para Fuhrer, essa tendência de ser bravo é uma característica mais evidente nos chefs europeus, sobretudo os franceses, uma vez que a França é o berço da gastronomia. O chef francês Emmanuel Bassoleil, que está no comando do Unique, concorda: ‘O europeu é mais esquentado. Mas lá, há competição entre chefs e não somente concorrência’, fala, recordando histórias de chefs franceses que foram à falência correndo atrás das três estrelas no Guia Michelin. Bassoleil diz que enfrentou chefs excêntricos. ‘Conheci chef que jogava panela na cara do cozinheiro’, lembra. ‘Eu mesmo já fiz coisas assim, mas hoje não faz sentido.’
O chef francês explica que, quando chegou ao Brasil, há 20 anos, não havia a profissão de cozinheiro. Por isso, a mão-de-obra era escassa, assim como os produtos – temperos, alimentos como foie gras e salmão. ‘Quem estava na cozinha naquela época eram pessoas que trabalhavam por obrigação e necessidade e não por prazer’, conta. ‘Pessoas assim não entendem a loucura de se fazer um prato perfeito.’
‘Eu já fui bravo’, admite Fuhrer. ‘Mas percebi que não adiantava e era ruim para meu coração.’ Para o suíço, há um costume de crer que um chef precisa ser bravo para ser respeitado. ‘Você tem de ser exigente, mas não precisa xingar’, diz Fuhrer, que já insultou e foi insultado. ‘Mas os europeus são assim. A gente se xingava na hora do estresse e depois saía para tomar um cerveja’, recorda. ‘Brasileiro é mais sentimentalista’, brinca o chef. Segundo ele, o ambiente estressante da cozinha está mais leve. ‘Antes ela era mais estreita, mais quente e tudo conspirava para a irritação do chef e dos cozinheiros.’
Vida dura de aprendiz
Apesar de os chefs afirmarem que é preciso ter educação, na ‘hora do pique’, como diz Fuhrer, é difícil seguir essa premissa. ‘Cozinha é feita de gritaria’, explica Bassoleil. ‘Na correria, não dá tempo de pedir: ‘Por favor, gostaria que você fizesse…’, fala Erika. Durante sua fase de aprendiz, a chef teve de entrar no freezer de um famoso restaurante em São Paulo para fazer 400 bolas de sorvete. ‘Usei um casaco, mas chega uma hora que não adianta’, conta. ‘Mas sacrifício faz parte. São coisas que precisam ser feitas e, quando você vira chef, manda fazer.’
A chef Francine Jubran, que também teve experiências dignas de Hell’s Kitchen no badalado Mugaritz, na Espanha, sétimo na lista dos melhores restaurantes do mundo, concorda. ‘Fiz três meses de estágio e ouvi muita grosseria, mas vale a pena. É com esta disciplina que são formados os grandes chefs’, diz.
Enquanto Francine esteve no Mugaritz eram oito chefs e 17 estagiários de todo o mundo, que trabalhavam das 10 da manhã até as 2 horas da madrugada, com 30 minutos para almoço e 30 para o jantar e um dia de folga na semana. Direitos? Só acomodação em dormitório e o de ficar quieto. ‘Um dia fui perguntar como preparava um polvo marinado e um dos chefs gritou comigo, disse que ali não se conversava nem se ria’, lembra. Um estagiário de Cingapura, que não falava espanhol, sempre levava a pior. ‘Uma vez ele errou um corte e uma chef ficou enlouquecida. Começou a chutar aqueles lixos grandes que têm em cozinha e o lixo virou no chão. Uma estagiária dinamarquesa não se conformava com as ofensas e trabalhou chorando por uns quatro dias’, diz.
Assim como Erika, Francine também sofreu com as câmaras refrigeradas. ‘No Mugaritz havia coletes para não passarmos tanto frio, mas não tinha para todo mundo. Era aquela briga’, lembra Francine. Um dia, sem colete, ela passou a jornada a 10ºC picando legumes. ‘Chegou uma hora que meu dedo endureceu, congelou, e pedi para continuar picando fora da câmara. O chef não deixou. E fiquei lá, picando e esquentando meu dedo na água quente.’
Bassoleil lembra que, na França, teve de lavar muita panela, muito fogão, ouvir muita reclamação. Fuhrer também foi aprendiz em Genebra e ficava quietinho na cozinha. Quase não falava com o chef. ‘Tinha medo das brigas, da exigência’, fala. Mas a disciplina faz parte da formação. ‘Se algo dá errado, a culpa não é do cozinheiro e sim do chef’, fala Bassoleil.
Na cozinha da vida real
E disciplina é o que não falta na cozinha de um grande restaurante. O Estado acompanhou o trabalho do chef Francisco Gameleira, o Chicão, e de seus cozinheiros na casa A Figueira Rubaiyat, que serve cerca de 800 pessoas por dia, segundo informações de Adriano Márcio Silva, diretor operacional da rede Rubaiyat.
A repórter se acomodou no estreito corredor da cozinha. Um funcionário passou porta adentro com uma pilha de pratos, enquanto um garçom saiu com uma bandeja de pratos prontos para servir. Logo atrás, uma moça passou com um carrinho lotado de pratos de couvert, seguida pelo rapaz da limpeza – o piso precisa estar seco para que ninguém escorregue. E o movimento no corredor não parou nem por 5 segundos.
Enquanto isso, o chef marchava – ou falava ao microfone – os pratos que precisavam ser feitos. A mesa é grande: ‘Marcha uma merluza, um chouriço, um linguado, um peixe ao sal, um namorado…’ e mais uns cinco pratos que esta repórter não foi ágil o suficiente para anotar. Mas os cozinheiros captaram a ordem. ‘Vamos gente!’, bradou o chef. ‘Soldado, mesa 44’, gritou o chef para o garçom que leva a bandeja já com os pratos prontos para servir.
Meia hora após chegar à cozinha, o calor e a fumaça começam a incomodar a repórter. A gritaria não dá trégua. Nem a movimentação. Irritante. Ao atravessar a porta de volta para o salão, a repórter parecia estar em outro mundo. Nada de gritaria, só a calmaria do som ambiente e a descontração dos clientes. Tudo se mostrava perfeito. E então foi possível entendeu a comparação de Bassoleil: ‘Um jantar é como um show, em que tudo precisa estar perfeito e afinado no palco. Para isso, nos bastidores, há uma gritaria do técnico de som, de iluminação, de toda a equipe.’
Colaborou Renata Gallo’
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Grosseria ou marketing?
‘O escocês Gordon Ramsay faz chorar quem trabalha nas cozinhas de seus restaurantes. Pelo menos é isso que nos faz crer a televisão. O reality show Hell’s Kitchen, que esteve em cartaz no GNT, mostrava um chef de cozinha estressado, irritadiço e grosseiro. Mas podemos chamá-lo de exigente. Em sua cozinha do inferno, os pobres aprendizes ouviam os maiores insultos enquanto tentavam acertar os pratos à perfeição. Lágrimas eram freqüentes.
Ramsay fez sua carreira na Inglaterra. Hoje, o chef possui três estrelas no Guia Michelin – condecoração máxima no ramo. E virou grife. Há um ano, o chef se tornou celebridade quando estreou Hell’s Kitchen. Gostou da brincadeira na TV e fez mais dois programas. The F Word – que também foi exibido no GNT – e Ramsay’s Kitchen Nightmares, que estreou aqui na última quinta. Dessa vez, a missão de Gordon é ajudar proprietários de restaurantes em crise a reerguer o negócio. A série ganhou o Emmy em 2006.
Ramsay possui nove restaurantes somente no Reino Unido, um em Tóquio e outro em Dubai. O chef também abriu dois estabelecimentos em Nova York, aproveitando o sucesso que fez na TV com o reality show Hell’s Kitchen, co-produzido pela Fox, com candidatos americanos. ‘Faço televisão, então posso conquistar Nova York’, brincou Ramsay durante uma entrevista a Bill Bufford, da revista New Yorker, que acompanhou os primeiros dias do chef em seu restaurante em Manhattan. E prosseguiu: ‘Sou uma prostituta e, como tal, posso ter um restaurante aqui.’
Ramsay é assim. Polêmico, excêntrico e exigente ao extremo. No artigo da New Yorker, o jornalista lista algumas grosserias do estrelado chef. Ao provar o tempero da carne, por exemplo, Ramsay dispara: ‘Uma garrafa de água para cada seção – da cozinha -, agora! Vocês estão todos desidratados e seus paladares estão f…’, descreve Bufford. Ao provar a berinjela, mais um desaforo e outro palavrão. ‘Alguém pode trazer uma broca para eu conseguir cortar essa m…?’, pergunta o chef, que cisma até mesmo com o nó da gravata de um dos garçons. E, claro, o aviso vem em forma de grosseria – mas esse é de tão baixo nível que não convém reproduzir aqui.
Assim parece ser Gordon Ramsay. Mas muita gente acredita que o chef pode ter criado esse personagem por marketing. Afinal, um reality show na televisão deve ter uma dose de drama e de sofrimento dos participantes para entreter os telespectadores. Caso contrário, perde a graça. ‘
Leila Reis
Sem conversa fiada
‘O encontro das gêmeas Paula e Taís (Alessandra Negrini) deu a Paraíso Tropical a sua maior audiência desde a estréia. Assim, a novela de Gilberto Braga registrou média de 44 pontos no Ibope (Grande São Paulo), descartando a fama de fracasso de público que alguns veículos vêm tentando colar-lhe.
O fato é que, depois de terminar o Big Brother Brasil 7, a novela das 9 continua sendo o programa de maior audiência da Globo. Excepcional mesmo tem sido o ibope de O Profeta que, talvez pelas conexões com o além, tem obtido índices atípicos para a faixa das 6, cerca de 35 pontos de Ibope. Alguns colunistas têm preferido desvalorizar uma a valorizar a outra, o que não deixa de ser uma injustiça, porque Gilberto Braga tem se mostrado em sua melhor forma.
A história de Paraíso Tropical é bem desenvolvida, a maioria dos personagens é desenhada com competência e os entrechos são capazes de segurar nichos diferentes da platéia. Bobagem relevar o fato de Braga usar o artifício dos gêmeos separados no nascimento, afinal qual folhetim é capaz de se sustentar sem um segredo familiar, a luta entre o bem e o mal, equívocos e reencontros?
A construção de tramas envolvendo o duplo é tradicional na literatura, no cinema e nas novelas. Nos 1800, Alexandre Dumas escreveu Os Irmãos Corsos, em que os irmãos Luís e Luciano de Franchi têm os pais assassinados ao nascer e são criados em terras distantes sem saber da existência um do outro (filmado em 1941). Em O Homem da Máscara de Ferro, também de Dumas, o rei Luís 14 manda para as masmorras o irmão gêmeo que ninguém sabe existir até os três mosqueteiros descobrirem a crueldade. A última versão para o cinema é de 1998, com Leonardo Di Caprio.
O campo das telenovelas também foi fertilizado pela fantasia dos gêmeos. João Victor e Quinzinho, interpretados por Tony Ramos na novela Baila Comigo (1981), de Manoel Carlos, e Ruth e Raquel (Eva Wilma/Glória Pires), de Mulheres de Areia, de Ivani Ribeiro (1973 e 93) ainda estão na memória dos noveleiros.
Mas o mérito de ter despertado a audiência para Paraíso não é só o embate anunciado entre a irmãs Taís e Paula, idênticas na aparência e diferentes como a água e o vinho na personalidade. A história tem outros elementos capazes de segurar o telespectador: a gangorra em que vive a prostituta Bebel (Camila Pitanga) e a batalha (pouco ortodoxa) da promoter Marion (Vera Holtz) para se dar bem na vida têm propiciado momentos tensos e divertidos. O vilão Olavo (Wagner Moura) é interessante porque, uma em cada duas vezes, seus planos maléficos fazem água. Tony Ramos tem dado um show no papel de Antenor, o milionário que veio do nada, transita pela cama de três mulheres por vez, mas sabe discernir entre o certo e o errado. Nos negócios, claro.
Defeitos existem, afinal estamos falando de um produto de massa: a finesse insuportável da personagem de Rennée de Vilmont, esposa do milionário Antenor, a pouca habilidade de Maria Fernanda Cândido no papel da amante do poderoso e a falta de sal no romance de Paula e Daniel (Fábio Assunção). O pessoal dos núcleos secundários fortalece Paraíso Tropical e acaba ofuscando o casal principal. As donas de casa vividas por Isabela Garcia e Beth Goulart estão ótimas em suas batalhas individuais para romantizar o casamento ou ascender socialmente. O casal decadente formado por Yoná Magalhães e Hugo Carvana parece legítimo representante de uma certa casta que ainda hoje tenta salvar as aparências a qualquer custo.
A qualidade maior de Paraíso Tropical é o texto, mais enxuto. Os personagens de Gilberto Braga, aqui entre nós, têm jogado menos conversa fora dos que os que freqüentaram as Páginas da Vida.’
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