Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O fim é só o começo

‘Se o meu médico me dissesse que eu teria apenas seis minutos para viver, eu não ficaria remoendo. Eu digitaria um pouco mais rápido’ (Isaac Asimov)

Eu estou cercado por todos os cantos. É o fim. Não posso dar mais nenhum passo. McLuhan tinha razão.

Tudo começou com um simples preenchimento de cadastro. Eu me lembro que aquilo prometia não tomar muito do meu tempo. E então o Orkut começou a querer saber sobre quem eu era, o que eu fazia, do que eu gostava, aonde eu morava e quem eram os meus amigos. O Orkut me interrogava e a partir daquele momento eu estava me transformando num arquivo. Num doc. Num ponto-alguma-coisa. Com o tempo, o negócio foi só piorando e eu comecei a me envolver de uma maneira ainda mais perigosa.

Comecei a contar para todo mundo qualquer coisa que acontecesse na minha vida, ou qualquer coisa que passasse pela minha cabeça. O Twitter seguia cada passo que eu dava. Um simples vou ali e já volto era suficiente. E ele ainda fazia questão de me passar relatórios sobre tudo o que se passava na vida das outras pessoas. O Twitter era exigente e mesmo que eu criasse uma complexa teoria a respeito do funcionamento das coisas, que poderia me render a publicação de um livro ou a conquista de um prêmio internacional, ele só me dava um espaçozinho de cento e quarenta caracteres para explicar tudo com detalhes. E nenhuma vírgula a mais.

Uma bolha uniforme e globalizada

O negócio estava indo de mal a pior. Eu estava sendo dominado pelas agá-te-te-pês. Depois de um tempo deixei de enviar cartas pelo correio e comecei a perder horas do meu dia reenviando para todos os contatos da minha conta de email milhares de correntes virtuais, mensagens de fé e esperança, piadas, teorias da conspiração e mais um monte de besteira. Deixei de comprar jornais em bancas de revista para dar uma chance aos portais virtuais, que me enfiavam goela abaixo um milhão de informações através de imagens, manchetes, links e textos curtos. Abandonei as lojas de disco e as videolocadoras por downloads ilegais. E se num determinado momento de descuido colocasse para tocar a pasta de música da minha irmã mais nova, o lastfm não pensava duas vezes antes de sair por aí falando que eu era o mais novo emo do pedaço. E ainda aparecia um monte de gente estranha querendo ser meu amigo e revelando suas compatibilidades, que não tinham nada a ver com o meu universo.

Chegou um momento em que eu não podia tirar uma mísera foto sem que o Flickr não soubesse. Se fosse num aniversário de casamento de um parente qualquer e filmasse um desses momentos descontraídos aonde as pessoas bebem, dançam e falam à vontade, aquilo logo ia parar nas mãos do YouTube. Se fosse no cinema com a minha namorada só para trocar uns beijinhos, tomar guaraná e comer pipoca, numa dessas comédias românticas despretensiosas, era a vez do flixster me colocar na parede até que eu revelasse a minha opinião sobre o filme. Não podia trocar uma palavrinha com os meus amigos sem que o MSN não quisesse salvar a conversa. E se estivesse lendo um livro qualquer, ou abandonasse de forma imperdoável um clássico na página quarenta e quatro, não demorava muito tempo para que o skoob saísse por aí avisando todo mundo.

Eu estava preso àquela bolha uniforme e globalizada. E ainda teria que aprender a conviver com o Myspace, o Facebook e o Multiply, com a Microsoft, a Apple e o Google. O mundo aos poucos estava sendo dominado por uma onda social high tech e o preço por aquilo haveria de ser a nossa total liberdade.

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Estudante e jornalista, Blumenau, SC