Na terça-feira (4/10) os jornais registravam o desapontamento dos investidores com o novo iPhone 4-S da Apple e dois dias depois, num mix de luto e excitação, veneravam aquele que se tornou o ícone da Era Digital – o inventor dos ícones amigáveis.
Steve Jobs foi tudo aquilo que se escreveu sobre ele: visionário, ingênuo, intuitivo, planetário, detalhista, empreendedor, arrogante, caubói solitário, líder carismático, mentor do consumismo, monge budista, quintessência ianque, sexólogo, comunicador, bilionário e estóico.
Nos epitáfios, necrológios e babações, faltou dizer que Jobs foi o mago que deu encanto à obsolescência, menino prodígio do capitalismo. Talvez o último.
Nas telinhas e mostradores dos gadgets que inventou, mesmo rolando o conteúdo, não cabem muitas referências paralelas. Mas a sua morte ocorreu num momento histórico excepcional quando o idealismo americano volta às ruas, desta vez para denunciar os desmandos e a ganância de Wall Street com a compreensão do presidente do Banco Central, Ben Bernanke, e a bênção do próprio presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.
Revolução infindável
O fim do capitalismo – ou da exuberância capitalista irrefreável, responsável pela débâcle iniciada em 2008 – deixou de ser anátema, transcendeu a esfera dos panfletos marxistas e incorporou-se com naturalidade à agenda dos observadores da cena político-econômica global. E a indústria da comunicação – com Steve Jobs no papel de porta-estandarte – foi o seu mais recente e espetacular bezerro de ouro. Hoje tudo é mídia e midiático, por isso tudo ficou efêmero, transitório.
É possível que Jobs jamais tenha estudado a “destruição criativa” trombeteada por Schumpeter (sua passagem pela academia foi felizmente breve), mas o frenesi inovador que o dominou pode relacionar-se com as idéias do economista vienense.
Jobs ajudou a conectar a humanidade e, ao mesmo tempo, fragmentou alguns de seus valores permanentes. De olho no futuro reduziu-o ao amanhã imediato, suas maquinetas sensuais são um convite ao manuseio, à instantaneidade. E às rupturas. Os triunfos do digital sobre o analógico, do virtual sobre o real, do moderno sobre o arcaico, trazem desdobramentos e interrogações que os adeptos do “futuro já” não querem, não gostam ou não têm tempo para encarar.
Comparado freqüentemente com Johannes Gutenberg, na realidade Jobs foi seu antípoda. O primeiro tipógrafo não inventou o livro, apenas tornou possível a sua multiplicação. Deu início a uma revolução ininterrupta, infindável, que socializou o conhecimento e se estende ao longo de meio milênio.
Fórmulas de sucesso
Steve Jobs foi um dos que acabaram com a noção de privacidade e intimidade. Com ele, conexão e exposição tornaram-se afins e interdependentes. Estou na rede, logo existo. Homem-espetáculo apesar da rigorosa discrição em que viveu.
Há poucas semanas, flagrado pela lente de um celular – magérrimo, fantasma do que foi, apoiado num amigo e usando um saiote para encobrir os equipamentos médicos obrigado a carregar – sua imagem correu o mundo, exposto implacavelmente à curiosidade dos adeptos.
Viveu esta compulsão até os últimos momentos: enquanto teve forças passou ao biógrafo todos os lances da sua vida e as fórmulas de sucesso que desejava legar aos pósteros. Sua biografia já está sendo traduzida e deve converter-se num best-seller mundial.
Se algo mais dramático e espetacular não tornar banal esta morte tão badalada.