Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Grande Irmão quer cuidar da internet

Se depender da vontade do governo, a lei de crimes da internet será muito mais restritiva do que gostariam os senadores. Na minuta do projeto, o Ministério da Justiça quer que os provedores de acesso mantenham por três anos todos os dados de tráfego de seus usuários. Ou seja: que hora se conectou à internet, em que sites entrou e quanto tempo ficou.


O Congresso em Foco teve acesso na quarta-feira (25/3), com exclusividade, a um trecho da minuta elaborada pelo MJ. O texto modifica a redação do artigo 22 do substitutivo ao Projeto de Lei 84/99, elaborado pelo senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). É justamente essa parte da peça em tramitação na Câmara que tem causado polêmica entre internautas e sociedade civil, pois obriga os provedores de acesso a armazenarem os dados de conexão dos usuários.


Agora, o MJ, influenciado por setores da Polícia Federal e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), quer radicalizar. Pelo substitutivo do senador tucano, ficariam guardados os hórários de log on (entrada) e log off (saída). Já na minuta do ministério, além de todos os dados de tráfego, os provedores seriam obrigados a registrar o nome completo, filiação e número de registro de pessoa física ou jurídica.


Além disso, ele acrescenta a possibilidade de, a partir de requisição do MP ou da polícia, que todos os dados sejam imediatamente preservados. Esse artigo foi construído especialmente para a PF, que já havia se manifestado favoravelmente à ideia. Em novembro do ano passado, durante audiência pública, o delegado federal Carlos Eduardo Sobral, da Unidade de Repressão a Crimes Cibernéticos da instituição, afirmou que era necessário acrescentar essa possibilidade à lei.


Conversas


A minuta estabelece que os provedores de acesso devem ter a capacidade de coletar, armazenar e ‘disponibilizar dados informáticos para fins de investigação criminal ou instrução processual penal’. Também prevê que, após o pedido do MP ou da polícia, os dados de navegação sejam entregues imediatamente mediante ordem judicial. ‘A impressão é que o ministério tem acatado várias sugestões da Polícia Federal’, diz o deputado Júlio Semeghini (PSDB-SP), relator do substitutivo na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informação (CCTCI).


Quando houver solicitação do MP ou da polícia, os dados devem ser preservados por 30 dias, renováveis sucessivamente, desde que não ultrapassem três meses seguidos. Depois disso, os provedores podem destruir o material. O texto também coloca que os provedores precisam informar e conscientizar os usuários quanto a medidas e procedimentos de segurança.


Como o Congresso em Foco mostrou na quarta-feira [ver abaixo], a intenção do MJ é apresentar o texto nas próximas semanas. O secretário de Assuntos Legislativos do ministério, Pedro Abramovay, é o responsável pela discussão do projeto, mas ontem não quis adiantar o teor do texto.


O site apurou que a pasta tem conversado com vários integrantes da sociedade civil e do meio acadêmico. Entretanto, excluiu da discussão boa parte dos parlamentares que cuidaram do projeto no Congresso.


Conteúdo


Na quarta-feira (25), os deputados Paulo Teixeira (PT-SP), que tem sido o interlocutor do governo com o Congresso na discussão, o relator Semeghini e o presidente da CCTCI, Eduardo Gomes (PSDB-TO), participaram de uma reunião no MJ. Ao grupo foi apresentado trechos do que deve formar o projeto da pasta. Entre eles, a polêmica proposta de aumentar o controle dos usuários na rede mundial de computadores.


A redação estudada pelo MJ também contém, no parágrafo 4º, a previsão de aplicação das obrigações aos provedores de conteúdo. O PL que tramita na Câmara não tem essa determinação. A avaliação de pessoas que participam da discussão é que as redes sociais estão em perigo.


‘Quem será atingido por este artigo? O Twitter, o Facebook, o Youtube e quase todo mundo que monta uma página na web’, afirmou o professor da Faculdade Cásper Líbero e membro do Movimento Software Livre, Sérgio Amadeu. Para ele, a proposta coloca todo usuário em suspeita dentro do que chama de um ‘estado de vigilantismo’.


O desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) Fernando Botelho se mostrou preocupado com as informações do projeto que se desenha no Ministério da Justiça. ‘Por mais polêmico que seja o substitutivo do [senador Eduardo] Azeredo, ele é coisa de escola infantil perto da ideia do Ministério’, disparou.


Outra proposta polêmica, e contraditória, é que os telecentros públicos – como a rede sem fio da praia de Copacabana, no Rio de Janeiro – estariam fora das novas regras. Por exemplo, ao entrar em uma lan house, quem queira navegar na internet deveria apresentar a carteira de identidade e fazer um cadastro. Já à beira do mar, o usuário estaria livre para usar como bem entender. ‘Tenho certeza que, se for aprovado, o Supremo [Tribunal Federal] derruba’, comentou o professor da Cásper Líbero.


Trâmite


‘A impressão que eu tive é que o governo pode mandar o projeto a qualquer momento’, relatou Semeghini. Entretanto, apesar da vontade do governo de apresentar um novo texto, o substitutivo continua tramitando na Câmara. O relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Régis de Oliveira (PSC-SP), já apresentou seu relatório pela aprovação.


Os outros dois relatores, Semeghini e Pinto Itamaraty (PSDB-MA), da Comissão de Segurança Pública, planejam apresentar seus pareceres até o fim de abril. ‘Nós recebemos uma série de sugestões que podemos acrescentar ao texto, mas faremos isso sem mudar o espírito do projeto do senador Azeredo’, disse Itamaraty ao Congresso em Foco.


Apesar de os dois deputados serem suplentes nas comissões, eles foram mantidos como relatores pelos presidentes. Semeghini, inclusive, propôs a realização de uma nova audiência pública para discutir o tema. Essa seria a terceira; o Senado e Câmara receberam uma cada.


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Contra o crime, mais controle sobre os internautas


Reproduzido do Congresso em Foco, 25/3/2009


O Ministério da Justiça (MJ) deve apresentar nas próximas semanas um projeto que, caso aprovado, diminuirá consideravelmente a privacidade do usuário de internet. O texto vai aumentar o rigor na identificação dos internautas, exigindo dos provedores de acesso dados como o número do RG e nome dos pais de quem está atrás do computador durante toda a navegação. O objetivo é coibir a prática de crimes na rede.


A ideia do MJ seria similar a um taxista que, quando parasse para pegar um passageiro, exigisse o nome, o RG e a filiação para começar uma corrida. Segundo o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), autor do substitutivo ao Projeto de Lei (PL) 84/99, que muda o Código Penal para tipificar condutas relacionadas ao uso de sistema eletrônico ou da internet, o ministério quer a inclusão de pontos que não foram discutidos até hoje pelo Congresso.


‘O Ministério da Justiça quer alterar alguns pontos do projeto. Entre eles, a pasta propõe a identificação do usuário durante a navegação na internet’, disse ao Congresso em Foco o senador, que foi informado pelo próprio ministério da mudança. A proposta é mais restritiva do que a elaborada pelo tucano. No texto que tramita na Câmara, os provedores seriam obrigados a guardar todos os registros de navegação de seus usuários – onde entraram, quanto tempo ficaram – em seus arquivos. O texto diz que eles seriam acessados somente com decisão judicial.


A minuta é guardada em sigilo pelo Ministério da Justiça. O secretário de Assuntos Legislativos do ministério, Pedro Abramovay, responsável pela discussão do projeto, confirmou que um novo projeto está sendo confeccionado, mas não quis adiantar o teor do texto. O substitutivo de Azeredo, aprovado pelo Senado, tramita em três comissões da Câmara. Em uma delas, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), ele já recebeu parecer favorável.


Na quinta-feira (19/3), ele se reuniu com o deputado Régis de Oliveira (PSC-SP), relator do PL 84 na CCJ. Ele relatou ao parlamentar que a intenção é apresentar uma série de mudanças no substitutivo. O ministério recomendaria a aprovação da matéria em tramitação desde que uma série de artigos fossem excluídos. Depois, a pasta enviaria a nova proposta para o Congresso.


‘Toda a discussão fica prejudicada com essa decisão’, comentou Oliveira ao Congresso em Foco. O parlamentar foi o primeiro a apresentar seu relatório, já que o substitutivo também tramita nas comissões de Segurança Pública e Ciência e Tecnologia. Em 5 de março, ele disse que o projeto é constitucional, tem amparo legal. Oliveira também pediu a aprovação do mérito. A matéria, entretanto, não chegou a ser votada pelos membros da comissão.


‘A preocupação que surge é que, juntamente com a evolução das técnicas na área da informática, a sua expansão [da internet] foi acompanhada por aumento e diversificação das ações criminosas, que passaram a incidir em manipulações de informações, difusão de vírus eletrônico, clonagem de senhas bancárias, falsificação de cartão de crédito, divulgação de informações contidas em bancos de dados, dentre outras’, afirmou o deputado no relatório.


Para o professor da Faculdade Cásper Líbero e membro do movimento Software Livre Sérgio Amadeu, o MJ foi obrigado a se posicionar por conta de pressões feitas pela Polícia Federal e pela própria sociedade civil. Na visão de Amadeu, a ideia de aumentar o rigor na identificação do usuário atenderia a pedidos da comunidade de vigilância. Órgãos como a PF e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) teriam interesses nos dados.


‘As comunidades de vigilância também querem que a obrigatoriedade da identificação seja estendida aos provedores de conteúdo’, afirmou o professor. Amadeu, porém, frisa que o MJ, até o momento, mostrou-se mais disposto ao diálogo com a sociedade civil organizada. ‘O secretário Pedro Abramovay tem algumas opiniões muito próximas da comunidade acadêmica.’


O jornalista Pedro Dória, bolsista do programa John S. Knight Fellowships da Universidade de Stanford (EUA), onde estuda os rumos da democracia pressionada pela tecnologia e pelas novas formas de ditadura no mundo, acredita ser sintomático a criação de um novo texto pelo Ministério da Justiça. ‘O Congresso não ouviu [a sociedade civil]. Foi o ministério que agiu. Há mais e mais gente no Executivo atentos [à discussão].’ Em seu blog, Dória abordou o assunto por diversas vezes.


‘Se [os críticos] achavam o substitutivo ruim, vão considerar esse muito pior’, comentou Azeredo. Uma das polêmicas, no substitutivo, com relação à manutenção dos dados do usuário no provedor, é o tempo que ele ficaria armazenado. Durante a discussão da matéria, não se chegou a um consenso do período.


Enquanto os parlamentares consideravam até três anos, membros da sociedade civil aceitavam até seis meses. ‘Uma empresa guardar o nosso rastro por mais de seis meses é inaceitável. Nós precisamos equilibrar a segurança com a privacidade. Do jeito atual, a balança está completamente desequilibrada’, afirmou Amadeu.


Crimes


A proposta tipifica 13 novos tipos de crimes. Se aprovada, entram para o Código Penal manipulações de informações, difusão de vírus eletrônico, clonagem de senhas bancárias, falsificação de cartão de crédito, divulgação e informações contidas em bancos de dados, por exemplo. ‘A ação criminosa também pode configurar ações já tipificadas na legislação penal’, afirmou Régis de Oliveira.


Nesse caso, furto, apropriação indébita, estelionato, violação da intimidade ou do sigilo das comunicações, crimes praticados contra o sistema financeiro, contra a legislação autoral, contra o consumidor e a divulgação de material pornográfico envolvendo crianças e adolescentes são reforçados com o novo projeto.


As novas tipificações modificam e ampliam cinco leis brasileiras: Código Penal, Código Penal Militar, Lei de Repressão Uniforme, Lei Afonso Arinos e Estatuto da Criança e do Adolescente. ‘A criminalidade envolvendo a informática tem crescido rapidamente na mesma proporção que o avanço extraordinário das novas tecnologias da comunicação e da informação’, analisou o deputado do PSC.


Críticas


Alguns parlamentares ouvidos pelo site se preocupam com o tempo usado na discussão da matéria. O projeto original, da Câmara, começou a tramitar em 1999. A ele, foram incluídos outros dois vindos do Senado. ‘Boa parte das discordâncias é semântica. O Ministério da Justiça, com esse novo projeto, desrespeita todo o trabalho feito pelos parlamentares’, atacou Azeredo.


Ele diz até aceitar a retirada de alguns pontos, mas considera prejudicial a inclusão de temas que não foram discutidos até o momento. Régis de Oliveira tem a mesma preocupação. Ele acrescenta, porém, que o próprio Congresso já poderia ter transformado o projeto em lei. ‘Ele está demorando muito nas comissões. Não sei por quê ele foi para distribuído para três diferentes.’


Mesmo que o Ministério da Justiça não fosse apresentar um novo texto, o PL 84/99 já estava com seu trâmite prejudicado. Dois dos seus relatores não foram reconduzidos às comissões: Julio Semeghini (PSDB-SP), da Ciência e Tecnologia, e Pinto Itamaraty (PSDB-MA), da Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado. Como eles não chegaram a apresentar um parecer sobre o projeto, os presidentes das comissões teriam que apontar novos relatores.


Em novembro, por meio de uma audiência pública, a Câmara discutiu o projeto, que acabou sendo altamente criticado. ‘Precisamos reforçar o caráter democrático da internet, que é uma grande conquista da sociedade’, disse Abramovay na oportunidade. O desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) Fernando Botelho acrescentou que a legislação não pode ferir garantias constitucionais, como a liberdade de expressão e o direito à privacidade.


Durante a audiência, os professores da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ), Luiz Fernando Moncau e Thiago Bottino, defenderam a criação de um modelo civil, onde os direitos e deveres de cada parte estejam bem definidos. Depois, se houver problemas, que surja a parte penal. ‘A maior parte da Europa é assim, nos EUA também, na Argentina’, citou Moncau. Para ele, o projeto não é adequado, e é capaz de criar instabilidade jurídica.


Na internet, o receio sobre o projeto é grande. Tanto que um grupo de internautas começou a se mobilizar para impedir que a matéria vire lei. O primeiro passo foi criar um abaixo assinado virtual. Dirigido ao Senado brasileiro, ele já conta com mais de 140 mil assinaturas. ‘O substitutivo do Senador Eduardo Azeredo quer bloquear o uso de redes P2P, quer liquidar com o avanço das redes de conexão abertas (Wi-Fi) e quer exigir que todos os provedores de acesso à Internet se tornem delatores de seus usuários, colocando cada um como provável criminoso’, diz o texto da petição.


É aí que entra um outro problema. Na visão de muitos internautas, o projeto acabaria policiando a troca de arquivos de música e vídeo, dificultando a discussão dos direitos autorais no país. ‘Pirataria é a circulação de mercadorias em troca de dinheiro, compartilhamento não visa fins lucrativos’, disse ao Congresso em Foco o membro de um grupo que se mobiliza na internet. Ele não quis se identificar.


Pedro Dória aponta que o substitutivo torna crime divulgar, utilizar, comercializar ou disponibilizar dados e informações pessoais. ‘Isso é o que a internet faz toda hora. Ele basicamente inviabiliza você enviar o e-mail de uma pessoa para outra. Ou utilizar informações que encontre num Facebook ou Orkut, ou mesmo Google. É um artigo sem pé nem cabeça’, opinou, em entrevista por e-mail ao site.


Mas ele acredita que, caso o projeto seja aprovado com a atual redação, não vai mudar o comportamento do internauta. ‘As pessoas continuarão baixando músicas e filmes. É uma ilusão achar que criminalizar, ou facilitar a condenação judicial, vai mudar o problema maior que as gravadoras e estúdios têm’, comentou. (Mário Coelho)

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Repórter do Congresso em Foco