Dizem que 1968 foi o ano que não terminou. Pode até ser, mas para o torcedor brasileiro apaixonado por futebol, 1987 é o ano que nunca vai terminar. E essa história se repete novamente não apenas como tragédia, mas como farsa. E por trás dessa trama, a especialista em novelas segue dissimulando sua estratégia.
Até 1986, os principais clubes pouco lucravam com uma competição longa, desgastante e com péssimos regulamentos. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) se perdia em suas negociatas políticas, prejudicando o espetáculo e a venda do mesmo como produto. Em 1987 a desordem era tanta que o presidente da entidade Octávio Pinto Guimarães decidira não organizar o campeonato nacional de clubes. Em razão disso, e pensando em grandes lucros, 13 dos maiores clubes do país na época (Atlético Mineiro, Bahia, Botafogo, Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense, Grêmio, Internacional, Palmeiras, Santos, São Paulo e Vasco da Gama), donos de 95% da torcida, criam uma instituição própria chamada Clube dos 13. A principal tarefa era organizar o campeonato de 1987 e gerar bons dividendos para os times (além de fazer frente com a CBF). Varig, Coca-Cola, Editora Abril e a Rede Globo foram os principais patrocinadores da Copa União.
Para não perder a briga, a CBF pressionou os clubes e criou dois campeonatos paralelos: o módulo verde, que reuniu o Clube dos 13 e mais Goiás, Coritiba e Santa Cruz, e o amarelo, com 16 times escolhidos pela Confederação. Após a disputa de cada torneio separado, haveria uma final entre os campeões e vices de cada módulo. Como o Clube dos 13 não aceitava esta regra, Flamengo e Internacional (campeão e vice do verde) não disputaram as finais com Sport e Guarani e o time de Recife foi considerado campeão nacional depois de vencer o time de Campinas. Assim, a Copa União terminou mal e o resultado foi parar na justiça. No último dia 21 de fevereiro, 24 anos depois, em mais uma jogada duvidosa, a CBF reconheceu o Flamengo como um dos campeões daquele ano, ao lado do Sport.
Record entra na disputa
Apesar de toda confusão, a união dos clubes contra o desmandos da CBF se tornou um excelente exemplo de organização lucrativa do futebol, aliado aos bons resultados de público – que até hoje é a segunda melhor média da história, além de ser o campeonato mais debatido, estudado e comentado. A TV Globo ficou bastante satisfeita com a audiência e o retorno financeiro foi imediato. Desde então a emissora vem negociando diretamente com o Clube dos 13 a exclusividade nas transmissões. Entretanto, passados mais de 20 anos, o que se viu não foi um avanço em relação à transmissão e o fortalecimento do futebol como esporte e cultura. Pelo contrário: a exclusividade deu a Globo um retorno financeiro sem tamanho, desbancando toda a concorrência em relação à audiência e contratos publicitários, aumentando ainda mais seu poder de barganha na hora de negociar novos contratos. A transmissão dos jogos, que em 1987 era decidida por sorteio 15 minutos antes das partidas, passou a ser concentrada pela Globo nos jogos de Flamengo e Corinthians, enquanto a diversidade do futebol brasileira fica restrita ao sistema de TV paga. Além da criação de horários esdrúxulos para a prática do futebol, como os de 21h50.
Em 2011, 1987 retornou. E não apenas como tragédia. Após o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) decidir agir contra o monopólio das transmissões, obrigando o Clube dos 13 e a Globo a acabarem com a garantia que emissora tinha de sempre vencer as ‘licitações’ pelos jogos, a disputa no futebol nacional passou a se esconder por trás do campeão de 1987. A taça das bolinhas virou motivo de discórdia entre o Clube dos 13 e um álibi para Ricardo Teixeira, atual presidente da CBF, e para a Rede Globo. Em tempos de crescimento vertiginoso da emissora do bispo Macedo, a Rede Record entra na disputa pelos direitos de transmissão como franca favorita e não está só nesta briga. Telefonica, Oi e GVT tem capital de sobra para brigar pelas transmissões de TV por assinatura e internet.
‘Dividir para conquistar’
Não sendo mais unanimidade entre os times e a direção do Clube dos 13, a Rede Globo tem alardeado que o campeonato brasileiro não é tão lucrativo como antigamente e não pretende fazer uma proposta maior que a atual – em torno de 850 milhões de reais – para garantir a exclusividade de transmissão em todas as mídias. No entanto, o que se vê nos bastidores é uma atitude bastante diferente. Mesmo que a Lei Pelé (Lei 6915/98) tenha permitido a criação de ligas independentes das federações, a CBF ainda mantém um poder muito grande na organização do futebol brasileiro, tanto que no ano passado Ricardo Teixeira articulou uma chapa pró-CBF para a presidência do Clube dos 13 e impediu qualquer projeto de criação de uma liga independente. E hoje existe ainda uma relação muito estreita entre os interesses da Confederação e da Rede Globo, já que esta mantém contratos de exclusividade nas transmissões das partidas da seleção e das Copas do Mundo.
Flamengo, Fluminense, Botafogo, Vasco e Corinthians já decidiram que vão negociar suas cotas de transmissão em separado e ameaçam uma grande ruptura com o Clube dos 13. O que isso significa? Impedir a criação de uma nova liga dos clubes brasileiros? Influir na sucessão de Teixeira na CBF? Significa que a Globo não vai acatar a decisão coletiva do Clube dos 13 e, por meio de uma manobra, vai passar por cima da resolução do Cade. Tudo conforme o padrão Globo de qualidade, contando com o arranjo de Ricardo Teixeira.
Assim, o Clube dos 13 caminha para se dividir em dois. Outros clubes devem se unir aos cariocas e ao Corinthians e os demais manteriam sua antiga organização em torno do Clube dos 13. Nesse jogo, definitivamente, a família Marinho não gosta de perder e utiliza a velha estratégia de guerra: ‘dividir para conquistar’.
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Jornalistas e associados ao Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social