Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

O jornalismo de diálogo

Muito se tem questionado o futuro do jornalismo e quais seriam os impactos que as mídias digitais estariam imputando na produção de notícias. Há quem diga que os tempos em que vivemos serão conhecidos como o fim do monopólio informacional como apreciamos atualmente já que, com a internet, todos passam a ser produtores e receptores de conteúdo.

Porém, é necessário ressaltar desde já que mudanças, de fato, ocorrerão. A sociedade mudou e, com isso, nossos hábitos também foram modificados. Já não mais consumimos informações como antigamente. Somos caracterizados como informívoros, seres ávidos pelo consumo frenético e imprescindível de conteúdo informativo. Esse termo foi criado pelo cientista e psicólogo canadense Zenon Pylyshyn com o intuito de classificar uma nova relação humana oriunda, principalmente, de uma revolução orgânica que transcende dos herbívoros, dos carnívoros e, consequentemente, dos onívoros. Segundo suas pesquisas, o comportamento humano pela busca de informações seria semelhante à busca pelo alimento.

Com isso, imaginar que o jornalismo deva se adaptar a esses novos costumes não seria nada extraordinário. Devemos colocar em pauta que as pessoas estão agindo de forma diferenciada, como já apontaram Peter Priolli e Stuart Card, dois pesquisadores ingleses que demonstraram que o homem tem procurado maximizar a relevância da informação em relação ao seu custo, ou seja, o tempo investido para encontrá-la. Os usuários e leitores na internet estão abandonando determinada fonte de conteúdo assim que ela interrompe ou diminui seu nível de abastecimento informacional.

Os tablets não irão salvar o jornalismo

Assim, o que podemos observar como impacto impresso diretamente no jornalismo não é acerca do seu fim. O que deve ser observado é que o jornalismo é uma necessidade cívica e humana (consumo necessário e frenético de informações) e não há como ser extinto. O que deve ser analisado são seus novos formatos e modelos de produção. Não há um novo jornalismo. O que há são novos hábitos de produção e consumo na sociedade moderna.

A recente conferência internacional em Pamplona colocou à mesa a discussão acerca dos novos modelos de negócio para a economia digital, com enfoque no valor do conteúdo. O que ficou claro foi que os meios jornalísticos não irão desaparecer, mas deverão se adaptar aos novos costumes e rotinas dos leitores. O que surge são novas audiências, novos públicos para novos produtos. E é justamente nesse gancho que deve focar o jornalismo multimidiático. Surgem, na sociedade moderna e digital, novos públicos, cada vez mais customizados e interativos em relação às marcas, produtos e serviços. Surgem, também, novos dispositivos de produção e entrega da informação. Nunca antes os modelos de distribuição foram tão essenciais para o jornalismo.

Entretanto, focalizar apenas alguns dispositivos significa não sair do tradicional. Isso é transposição, não modificação. Até mesmo o guru das mídias digitais, Brian Solis, criticou o uso massivo e aparentemente único dos tablets como a salvação dos jornais. Solis apontou que os tablets não irão salvar o jornalismo tradicional. Ele comenta que o iPad, por exemplo, abriu portas para diferentes oportunidades para produzir, reunir e distribuir informação. Porém, apenas exportar o conteúdo para esses meios seria uma demonstração fatídica que o jornalismo clama em desespero.

Distribuição, confiabilidade e contextualização

Nesse caso, não haveria interação, distribuição nas redes sociais ou inserção de novos conteúdos gerados pelos usuários em cima daquele oferecido pelos grandes veículos. Seria apenas outra mídia, não uma plataforma informacional. E o que o jornalismo precisa entender é que ele necessita de plataformas, não apenas de mídias geeks como o iPad, mobile ou sites. Como já comentei em um artigo aqui no Observatório da Imprensa, a imprensa não migrará para o universo digital; ela criará seus próprios caminhos e trilhas. O que deve ser feito é interromper o pensamento que cerca as mídias informativas – que se restringe apenas na busca incessante de novos modelos de receita – e focar na criação de novos produtos, serviços, conteúdos e, primordialmente, novos formatos.

Aliás, plataformas essas que necessitam de uma integração colossal entre diversas as mídias. Mais do que nunca, relevância e credibilidade na internet estão sendo levadas a sério, principalmente em meio às futuras perturbações na distribuição generalizada de conteúdo, como apontou o Nieman Journalism Lab.

O jornalismo deve mudar, mas não deve comprometer seus valores e princípios. Confiamos e gostamos de redes e mídias sociais, mas quando o assunto é credibilidade da informação, o consumidor de notícias ainda checa a veracidade nos meios tradicionais. O jornal impresso é responsável por 50% das notícias relevantes que são divulgadas na mídia e não será a web 2.0 que destruirá todo esse sistema de confiabilidade.

Entretanto, se adaptar aos novos dispositivos através de uma integração entre eles seria, talvez, o ideal. A diferença, aqui, não será apenas realizar parcerias com o Google, por exemplo, mas sim, gerar um conteúdo de fácil distribuição, interação, confiabilidade e, principalmente, contextualização.

Uma perspectiva de onde tudo se encaixa

Não há como integrar o jornalismo com as novas mídias sem tocar no quesito contexto. O jornalismo vive de contextualização. Essa é a sua base e razão de existência. O próprio britânico The Guardian anunciou uma nova entrada apenas para análises e visualizações de dados com, é claro, a contextualização do jornal.

O que isso significa? O jornalismo deve entrar em um novo rumo de modificações, com novos tentáculos midiáticos e poderes de influencia mas, acima de tudo, deve saber trabalhar com as tecnologias a seu favor. Como mencionei lá em cima, o jornalismo daqui para frente não deve se limitar a um conteúdo produzido para iPads, mas sim, trazer a tecnologia como assistente na criação de mecanismos melhores e mais dinâmicos para a produção de notícias, ou seja, se integrar às novas mídias não significa apenas criar versões para celulares ou um texto linkado a um vídeo. Se integrar às novas mídias significa usá-las na formatação jornalística do dia-a-dia, como vêm fazendo The Guardian e The New York Times.

Tim Berners-Lee, o pai da internet, também apontou que o futuro do jornalismo deverá ser debruçado sobre dados, usando as ferramentas digitais para analisá-los e, desse modo, ajudar as pessoas a escolherem, por si mesmas, o que realmente é interessante e entenderem, através da contextualização do jornalismo, uma perspectiva maximizada de onde tudo aquilo (os dados) se encaixam.

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Jornalista, blogueiro, pós-graduado em Assessoria de Imprensa, Gestão da Comunicação e Marketing e pós-graduando em Política e Sociedade no Brasil Contemporâneo, São Paulo, SP