Duas bem fornidas matérias contra o governo do estado do Pará foram para a primeira página da edição dominical de O Liberal do dia 20/4. A manchete de capa foi sobre a ‘farra de diárias’ de 20 servidores públicos estaduais, que gastaram 84 mil reais em viagens. Uma das chamadas da primeira página destacou o apoio da Ação Social a entidades de falsa filantropia (as ‘pilantrópicas’). Ambos os temas já foram motivo de matérias no Jornal Pessoal e provavelmente serviram de pauta para a folha da família Maiorana. Finalmente, O Liberal decidiu fazer jornalismo na cobertura dos atos da administração estadual?
A julgar pelo conteúdo das matérias, apuradas com sentido crítico e visando os fatos, sim. Mas qual a razão dessa decisão editorial positiva e por quanto tempo ela se manterá? A ordem de bater no governo de Ana Júlia Carepa partiu da direção da empresa, com uma motivação concreta: o balanço do Banco do Estado do Pará, ocupando fartas seis páginas da edição do dia 8 do Diário do Pará, não foi programado para sair em O Liberal. Discriminação política do governo e mais uma prova de que ele se bandeou de vez para o lado do jornal do deputado Jader Barbalho?
Acordo de paz?
Na aparência, sim. De verdade, não. A exclusão de O Liberal teria sido um erro primário de um diretor do Banpará e falha ainda mais grosseira da agência de publicidade responsável pela veiculação, a Vanguarda, do petista Chico Cavalcante. Além de ter diagramado o balanço num corpo de letra maior do que o desejável pelo banco e num espaçamento mais largo do que o recomendável por cautela econômica, a agência só mandou a peça para o Diário.
O anúncio, maior do que o previsto, acabou consumindo toda a verba que estava destinada à divulgação do balanço. Ao ser informada do problema, a direção do Banpará não quis resolvê-lo através do estouro do orçamento: preferiu esperar mais um mês para usar uma outra verba, que só então estará disponível, e destinar o anúncio também para O Liberal. Os Maiorana, porém, ou não aceitaram as explicações ou exigiram a veiculação imediata. Como ela não veio, adotaram a represália, que tem sido prática comum da ‘casa’ em tais situações.
O Banco da Amazônia, que em 2002 publicou no jornal apenas uma versão resumida das suas demonstrações contáveis integrais, divulgadas por inteiro apenas na grande imprensa nacional, foi punido com uma campanha de hostilidades que só se interrompeu quando houve a veiculação desejada. A repetição desse fenômeno no caso do Banpará, entretanto, poderá não ser completa: o desentendimento pode tornar ainda mais delicada a recomposição de interesses entre o grupo Liberal e o governo de Ana Júlia, que já enfrenta várias arestas. Um acordo de paz e um protocolo de entendimentos vai-se tornando tarefa para uma superdiplomacia. A dúvida é: ela existe no Pará?
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Quando o crime chega à imprensa: o protesto
A equipe de reportagem de O Liberal voltou a ser assaltada no mês passado. O fato provocou um minieditorial no ‘Repórter 70’, a principal coluna do jornal. Dizia a peça:
‘Mais uma vez, uma equipe de O Liberal sofre a ação de criminosos que, nesta cidade, parecem ser maiores que a floresta, como diria o saudoso Cléo Bernardo. É roubo de máquinas, de celulares, de dinheiro, às vezes recuperados, outras vezes não, o que não é novidade para uma população que se vê assaltada em quase todos os sentidos. A Polícia precisa fazer o seu papel e descobrir o real motivo que levou uma dupla de bandidos a dar tiros contra um carro de reportagem deste jornal. Ou faz isso logo ou atesta, com seu silêncio, que aqui também já está tudo dominado’.
Ressalvada desde logo a solidariedade deste jornal a todas as vítimas da crescente violência na capital paraense, é impossível reprimir a reação imediata que o editorial provoca: a pimenta só é refresco nos olhos dos outros. O Liberal e seu irmão mambembe, o Amazônia, gastam todos os dias de 10 a 12 páginas para tirar lucro do crime praticado na cidade, apregoado como a principal mercadoria oferecida aos clientes das duas publicações (e também do Diário do Pará, que padece do mesmo mal).
Práticas editoriais
O noticiário policial não leva em consideração a dignidade das pessoas, sejam elas vítimas ou autores das violências. Não preserva suas honras nem suas imagens. Todas são transformadas em mercadorias, instrumentos do sensacionalismo praticado sem exceção em todas as edições dos jornais das Organizações Romulo Maiorana, que inverteram o brocardo jurídico: todos são culpados até prova em contrário.
Mas quando atinge uma engrenagem das ORM, a violência é apresentada como se fora violação à sagrada liberdade de imprensa. O ataque bárbaro foi cometido pelos dois bandidos a um carro do grupo de comunicação no qual estava apenas o motorista. Ele tentou fugir e, como quase sempre ocorre nessas ocasiões, recebeu tiros dos assaltantes. Sem a circunstância de se tratar de propriedade do grupo Maiorana, o fato seria noticiado em O Liberal e no Amazônia como crime comum.
Para o editorial do ‘Repórter 70’, a logomarca da empresa seria motivo bastante para haver um ‘real motivo’ por trás do ataque dos bandidos. O jornal se autoconcede, majestaticamente, esse direito, de perquirir por motivo subterrâneo. Ao cidadão comum, massacrado cotidianamente no noticiário policial de O Liberal, não concede a mesma prerrogativa: ele é um número e uma mercadoria, manipulada conforme as conveniências da edição.
Partilha-se o direito do jornal de cobrar providências das autoridades e se deseja que seus funcionários não se vejam expostos a novos constrangimentos, ou a situações ainda piores. Mas convém à empresa meditar também sobre suas práticas editoriais, sobretudo em relação a essas turvas e perigosas sendas do crime. Quem brinca com fogo costuma se queimar, diz o povo. Sábio em mais esse conselho.
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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)