Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O ministro e os hackers

Aloizio Mercadante quer mostrar que não caiu de paraquedas no ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. O ex-senador foi articulador para a aprovação da polêmica Lei Azeredo em 2008, para a qual propôs dez emendas. Agora corre para fazer valer o cargo. Participa de encontro com hackers, defende a cultura open source, enfatiza que foi o responsável por trazer a fábrica da Apple para o Brasil e promete aumentar o número de engenheiros no País, que tem um déficit histórico na área.

Em entrevista exclusiva ao “Link”, ele diz querer que seu ministério seja um laboratório de transparência para o governo. Mas foge de assuntos espinhosos como a reforma da lei de direitos autorais ao dizer que estes “não lhe competem” – embora seu ministério participe da formulação da nova versão proposta pelo Ministério da Cultura.

Qual sua familiaridade com a cultura hacker? Como aconteceu esta aproximação?

Aloizio Mercadante – Fui ao Fórum Internacional do Software Livre. E, agora, com os responsáveis pela plataforma Lattes estamos desenvolvendo o projeto Aquarius. A ideia é informatizar todo o ministério e criar uma concepção de governança compartilhada. Estamos trabalhando com o Tribunal de Contas da União, para tornar disponíveis todos os indicadores de gestão e permitir a análise de dados financeiros e administrativos. Com os dados abertos, esperamos não só receber críticas e novas reflexões mas incorporá-las, para aumentar a eficiência do ministério e mudar o padrão de governança.

Há resistência à abertura?

A. M. – O que estamos fazendo é um risco, mas vale a pena. É um risco que aponta para a transparência e a eficiência do gasto público.

O senhor vê seu ministério como herdeiro das políticas de cultura digital, iniciadas na gestão passada no Ministério da Cultura?

A. M. – Tenho um respeito imenso (pela cultura digital) porque acho que a internet só é o que é por causa da cultura hacker. É preciso reconhecer que parte do desenvolvimento da tecnologia não está nas empresas e universidades e sim nessa rede colaborativa. O Estado às vezes se sente ameaçado pela luta por liberdade. Um ministério que é da tecnologia tem de estar aberto ao novo, ao diálogo, e tem de buscar incorporar essa reflexão. Outros ministérios têm outra inserção, que respeito. Mas queremos o diálogo. Mesmo porque não temos programas para apoiar essas iniciativas. Tudo parece que só pode ser aprovado se for uma empresa ou instituição de pesquisa pública. Precisamos criar novas formas de participação.

Há três anos o senhor propôs emendas para a Lei Azeredo. O que acha hoje do projeto de lei?

A. M. – Minha intervenção à época foi no sentido de flexibilizar, mediar, assegurar a liberdade. Não de criminalizar e restringir. E mantenho que crimes que existem na sociedade existem na internet. Achei fundamental que se tipificasse o crime de pedofilia. Assim como existe uma série de outros atos ilícitos que acontecem na rede. Mas não podemos confundir crime com uma juventude que tem uma cultura libertária, que deve ser valorizada. Há quem, com o pretexto do crime, tente criminalizar a essência da internet, que é a liberdade.

O senhor é favorável a uma mudança na nossa legislação de direitos autorais?

A. M. – Não sou mais parlamentar, essa é uma agenda que não me compete. Mas no meu ministério vamos tratar todas as informações como direito público, absolutamente abertas, para que qualquer um possa usá-las da forma que achar conveniente. O cidadão já paga imposto, e o que produzimos de informação é direito da sociedade.

O que muda com a inserção do termo “Inovação” no nome do ministério?

A. M. – Pela primeira vez o governo elegeu ciência, tecnologia e desenvolvimento como eixo estruturante no desenvolvimento. É a terceira macrometa do Brasil. Acho que nós elegemos um novo patamar para esse desafio: usar a condição de grande produtor e exportador de commodities para definir a nova economia brasileira.

A formação de recursos humanos é um desafio?

A. M. – Você não faz ciência e tecnologia sem recursos humanos. Estamos expandindo e desconcentrando o sistema de pós-graduação. Em 2002, apenas 1,4% dos sistemas de pós estava no Nordeste. Hoje são 10%. E lançamos o Ciência sem Fronteiras, com 75 mil bolsas de estudo. São R$ 3,2 bilhões de orçamento. Colocaremos os melhores estudantes do País nas 50 melhores universidades do mundo nas áreas estratégicas: ciências básicas, engenharia e ciências tecnológicas.
No MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos EUA) tínhamos 143 doutorandos. Agora teremos 200. Na Fundação Fraunhofer na Alemanha teremos 400 vagas de engenharia. Há um déficit em engenharia. Na Coreia há um formando em engenharia para cada quatro alunos de graduação. Aqui, há um em cada 50. As bolsas de pós-graduação para engenharia cresceram apenas 1% na última década, enquanto para humanidades cresceu 70%. Vamos lançar um programa específico para isso.

Como incentivar a pesquisa dentro das empresas?

A. M. – Há um projeto piloto da Empresa Brasileira de Pesquisa Industrial (Embrapi). É uma coordenação com laboratórios selecionados: a empresa que precisa de inovação procurará os institutos e o custo da pesquisa é dividido entre o ministério, empresa e laboratório.

Há algum projeto de incentivo a startups?

A. M. – Sim. Há um programa específico com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), de venture capital. Temos também parques tecnológicos e incubadoras de empresas de base tecnológica. A inovação é o nosso maior desafio. As empresas aqui investem pouco em pesquisa. Sem elas não avançaremos nessa agenda.

A desoneração tributária pode estimular a indústria no País?

A. M. – O Brasil é o sétimo mercado mundial em tecnologia da informação. Com a política dos tablets, 25 empresas já pediram autorização para produzir nas novas regras: 20% dos insumos têm de ser brasileiros no primeiro ano, a proporção sobe para 80% em três anos. Cinco empresas estão produzindo nessas condições. O desconto em impostos será de 36%.

E o que o senhor pode dizer sobre a vinda da Apple ao País?

A. M. – Ela ainda está montando a sua fábrica aqui, com a Foxconn. É a primeira fábrica a produzir iPads fora da China, em uma área de 20 mil metros quadrados em Jundiaí (inteiror de São Paulo). São dois grandes galpões: um produzirá o iPhone, que diria que em breve estará sendo entregue; e o outro, o iPad, que o presidente da empresa assegura que chegará no Natal. Eles têm mais dificuldades, o tempo da Apple é maior do que o de outras empresas. O importante é que haverá concorrência, preços reduzidos e conteúdo nacional para esses produtos. Esse ecossistema é muito importante.

Quais as chances de trazer a indústria de componentes para o País?

A. M. – Estamos com negociações avançadas com a Foxconn para fabricar telas de LCD aqui. É um investimento muito complexo, equivale a três indústrias automotivas. No Rio Grande do Sul, estamos implantando o Ceitec, uma indústria para iniciar a produção de semicondutores. É uma fábrica-laboratório, para formar recursos humanos que nós não temos. Vai demorar pelo menos um ano. É como a Embraer: primeiro precisamos aprender a fazer. Só há 20 países no mundo que fazem. E displays, apenas quatro.

O setor de games reclama há muito tempo em relação à alta carga tributária. Há algum plano para a área?

A. M. – Nós desoneramos a folha de pagamento. Essa foi uma condição fundamental para ampliar a área de softwares. Iremos anunciar ainda em setembro um grande investimento na área de games. Uma indústria de ponta, bem importante, está vindo para o Brasil e se instalará na Zona Franca de Manaus.

O segundo nome na Lei Azeredo

Em 2008, então senador pelo PT paulista, Mercadante foi um dos articuladores pela aprovação no senado do PL 84/99, a Lei Azeredo. Ele acrescentou dez emendas ao projeto – alguns chegaram à apelidá-lo de “Lei Mercadante-Azeredo” por causa da participação do senador petista. Ao apresentar suas emendas, Mercadante disse que “nós não podemos mais tolerar crimes que estão se instalando no interior da internet e que precisam de uma resposta enérgica”.

Ele alterou os polêmicos artigos 285-A e 285-B, que falam sobre acesso de redes de computadores e transferência de arquivos, para que o crime só fosse caracterizado se houvesse expressa proibição de acesso (caso contrário, o compartilhamento de arquivos poderia ser criminalizado). Mercadante, porém, foi um dos defensores da guarda de logs.

“O que está sendo proposto? É que eles serão obrigados a guardar durante três anos os acessos à rede mundial de computador”, disse. “E guardar os acessos, um provedor como o UOL, que tem três milhões de acessos diários, com seis CDs é capaz de guardar todas essas informações”, declarou.

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[Tatiana de Mello Dias é jornalista do Estado de S.Paulo]