A internet tem potencial para mudar radicalmente o fazer político. No Brasil, isso começou a ficar mais claro em 2010 e a atuação de Marina Silva na internet representou o maior diferencial na campanha presidencial. Ferramenta imprescindível na disseminação da causa do desenvolvimento sustentável, a internet teve papel estratégico na composição dos 19.636.359 votos do número 43, de Marina Silva, digitado nas urnas eletrônicas no primeiro turno.
No entanto, quem lê jornais impressos ou eletrônicos, deve se recordar de manchetes que davam conta do ‘fracasso’ da internet nas eleições de 2010 [ver balanço assinado por Miguel Caballero em O Globo publicado em 06/10/2010, sob o chapéu ‘Internet frustra expectativas’ e o título: ‘Durante campanha, web fracassou na mobilização e na promoção de debates‘, conforme acessado em 06/01/2011. Ver também, de Alec Duarte, na Folha de S. Paulo, publicado em 05/10/2010 sob o título ‘Na reta decisiva, internet parece ter produzido ruído eleitoral‘ conforme acessado em 06/01/2011], principalmente nas comparações realizadas com a campanha de Barack Obama, em 2008, nos Estados Unidos, quando a internet despontou como a principal plataforma de arrecadação de pequenas doações e o meio mais eficaz de interação entre o candidato e o eleitorado.
A comparação tem sentido – quando realizada corretamente. Quando se demonstra as condições, o cenário e a maneira como cada um usou os meios digitais. Evidentemente, o sucesso de Obama não se deveu exclusivamente à internet. Nem o desempenho de Marina Silva.
No Brasil, pesquisa do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), revelada após as eleições, mostrou que a internet ultrapassou jornal, revista e rádio nas eleições de 2010 como fonte de informação do eleitor brasileiro. Ela apareceu em terceiro lugar, com 9,9% de preferência entre as principais fontes de informação dos eleitores entrevistados.
No primeiro lugar veio a televisão, com 56,6% da preferência. Em segundo, com 18,4% das preferências, a conversa com amigos e parentes. O que a pesquisa não apurou foi quanto a internet ajudou a influenciar as conversas entre amigos e parentes [ver reportagem de Nara Alves, no Último Segundo (iG) em 29/11/2010, conforme acessado em 16/11/2011].
No caso de Marina Silva, pode-se dizer, com alguma margem de segurança, que sem a internet a candidata não teria alcançado quase 20 milhões de votos nem conquistado o terceiro lugar com o maior percentual (19,3%) dos votos desde a primeira eleição geral e livre depois da ditadura, em 1989. [Entre os terceiros colocados em primeiro turno, em 2006, Heloisa Helena conseguiu 6,8% dos votos; em 2002, Anthony Garotinho conquistou 15.180.097 votos e atingiu 17,8%; em 1998, Ciro Gomes chegou a 11%; em 1994, Enéas Carneiro apenas 2,1% e em 1989 Leonel Brizola conquistou 16,5%. Conforme site do TSE e Wikipédia, acessados em 08/01/2011.]
Somente Anthony Garotinho chegou perto, em 2002, com 17,8% dos votos em primeiro turno, com quase cinco milhões de votos a menos que Marina Silva. Mas Garotinho, radialista, já havia sido prefeito de Campos dos Goytacazes, a segunda cidade do Rio de Janeiro, por duas vezes, e governador do estado do Rio de Janeiro quando se candidatou a presidente. Ou seja, era mais conhecido que Marina Silva.
Em relação à visibilidade nos meios de comunicação nacionais, Marina começa a aparecer timidamente em 1994, quando se elegeu senadora. Passou a ganhar destaque quando alçada ao ministério do Meio Ambiente, em 2003. Garotinho ganhou visibilidade nacional em 1998, quando candidato vencedor do governo do Rio de Janeiro.
Impossível aferir com exatidão quanto desses 20 milhões decorreu do trabalho da candidata na internet. Os números mostram que a sua mensagem pode ter chegado a mais de 12,5 milhões de internautas, de forma direta ou indireta, como se verá adiante. Por isso, pretende-se mostrar aqui o quão estratégico foi para o desempenho desta candidatura a operação na rede – talvez o primeiro trabalho orgânico, completo e complexo na web em um processo eleitoral no Brasil.
Se Barack Obama montou para sua campanha um sofisticado sistema de arrecadação de doações baseado no manejo do contato virtual do candidato com o eleitor, inspirado nas plataformas tradicionais de administração da relação das empresas com o consumidor (empresarialmente conhecida como CRM, Customer Relationship Management), uma campanha eleitoral, como a de Marina Silva, carecia de algo semelhante. Mesmo sabendo que a cultura de doações inexistia no Brasil, que o alcance de internet era a metade comparada aos EUA (por volta de 37,8% da população brasileira tem acesso à internet contra 77,3% de penetração nos EUA [ambos os dados estão no site Internet World Stats, atualizado em junho de 2010 e acessado em 27/10/2010]) e que os recursos seriam escassos.
A boa notícia era que, naquele ano, as regras eleitorais se abrandariam em relação à internet e permitiriam aos candidatos uma atuação mais livre, principalmente nas redes sociais. Também garantiriam a possibilidade de arrecadação on line ao menos por um curto período, a partir do início da campanha, no mês de julho.
Cada candidato teria três meses para tentar captar recursos via internet. A facilitação para que pessoas físicas pudessem doar facilmente qualquer quantia, ao alcance de um simples clique no seu computador, transformou-se em um dado que a democracia brasileira ainda vai valorizar devidamente. ‘Muitas pessoas contribuindo com pouco em lugar de poucas contribuindo com muito’, no dizer de Marina Silva durante a campanha.
Essa possibilidade, que nasceu com as eleições de 2010, poderá desestabilizar (para quem deseja mudar o fazer político baseado em favores e retribuições) o velho e fisiológico modelo de financiamento de campanha que tradicionalmente amarra os candidatos aos grandes doadores.
O plano de ação
Com os recursos advindos do caixa comedido do Partido Verde, a equipe de comunicação elaborou o plano de ação para propiciar à futura campanha uma comunicação integrada. Ou seja, unir numa mesma equipe a coordenação do relacionamento com a mídia clássica (relações com a imprensa, consultoria para formulação de posicionamentos, análise de desempenho, aperfeiçoamento de porta-vozes, subsídios para abordagem de temas locais, supervisão direta dos trabalhos de campo, preparação para debates, sabatinas e entrevistas, agenda de relacionamento com ‘publishers’ e colunistas de prestígio) com a coordenação da nova mídia (equipe que cuidaria da internet, do site, do blog, dos perfis da candidata nas redes sociais de maior audiência, do monitoramento da atividade na rede) e com o sistema de arrecadação on line.
Para que tudo funcionasse organicamente era óbvio, quase natural, unir o comando da comunicação da nova mídia e da mídia clássica com as unidades distintas da campanha: o pessoal da agenda, da mobilização, do programa de governo, do jurídico, de pesquisa eleitoral, do programa de televisão e do financeiro sob o comando de João Paulo Capobianco (coordenador da campanha), de Guilherme Leal, o candidato a vice, e da própria Marina Silva.
Durante a fase mais crucial da campanha (de julho até o dia da votação), os responsáveis por estas áreas se reuniram diariamente todas as manhãs, a partir das 7h30, para analisar a conjuntura, examinar como iam as campanhas, discutir a propaganda na internet, no rádio e na televisão, eleger o ‘sound bite’ (a abordagem do assunto principal do dia e como abordá-lo) e tomar decisões.
Na internet, abriram-se 12 frentes de atuação distintas: 1) o site oficial, 2) o blog, 3) o Twitter, 4) a comunidade no Orkut, 5) a página (‘fan page’) no Facebook, 6) os vídeos no YouTube, 7) as fotos no Flickr, 8) o social game, 9) o trabalho de SEO (‘search engine optimization’), 10) o trabalho batizado de SRM (‘social relationship management’ em oposição ao CRM, ‘customer relationship management’), 11) a arrecadação via internet e 12), o monitoramento de tudo o que se falasse sobre a candidata na internet, repositório de dados para o que viria a ser o cérebro da condução da campanha.
Um ‘social game’, um jogo on line, intitulado Um Mundo, encabeçado pela palavra de ordem ‘construa um mundo melhor’, também foi desenvolvido para lidar de forma lúdica com os internautas, em especial com os internautas mirins, expondo as prioridades sociais da plataforma de governo da candidata.
Havia uma questão. Marina Silva tinha pouca familiaridade com a rede. Navegava para realizar consultas tópicas e usava e-mail. Só. Foi preparado então o seu ‘batismo digital’ na forma de uma visita à Campus Party, o maior encontro de interneteiros realizado anualmente no país, em São Paulo.
No dia 26 de janeiro Marina foi ao evento e falou com internautas, teve contato com parte da vanguarda da rede, expôs-se enquanto iniciante naquele mundo. Ela estava na condição de pré-candidata.
Ali ela fez sua primeira alusão à candidatura de Obama: ‘Se nos Estados Unidos Obama pode vencer, acho que nós também podemos fazer isso. Sim, nós podemos’.
Uma semana depois, no dia 2 de fevereiro, ela estrearia seu blog e seu perfil no Twitter – ambos pessoais porque a legislação impedia sua manifestação como candidata até ser proclamada enquanto tal por convenção partidária.
Foi esta operação conjunta – Campus Party, blog e Twitter – que começou a dar-lhe consistência na internet. (Um ano depois, foi recebida com naturalidade ao retornar à Campus Party, em 18 de janeiro de 2011. Aplaudida quando Al Gore se referiu a ela como ‘minha amiga’, foi ouvida com atenção ao afirmar que a rede foi fundamental para a obtenção dos quase 20 milhões de votos. Também foi aplaudida ao confessar aos campuseiros que voltava ali para o ‘crisma’ digital.) [Conforme ‘Campus Party 2011: Marina Silva defende internet pública gratuita‘ publicado no iG em 18/01/2011 e acessado em 21/01/2011.]
De volta à campanha de 2010: o pré-candidato José Serra (PSDB) vinha trabalhando havia quase um ano o seu perfil no Twitter, lançado em maio de 2009. Dilma Rousseff, do PT, que acabou eleita, estrearia o seu perfil apenas no começo de abril de 2010. Para a futura candidata do Partido Verde, o fato de ter aliado a estréia do perfil no Twitter ao blog pessoal, facilitou o trabalho duradouro e constantemente aperfeiçoado de sua persona na rede, que era, no fundo, a mesma da vida real.
Quando se olha, por exemplo, a evolução do desempenho dos três candidatos principais na web, a constância fica por conta do blog (e depois do site) de Marina Silva, conforme atesta a medição do NetView, uma ferramenta independente, ligada ao Ibope, que mede a audiência na internet tanto nos domicílios quanto nos locais de trabalho.
Como se vê no gráfico (abaixo) Marina Silva aparece com audiência firme desde fevereiro de 2010, enquanto José Serra e Dilma Rousseff conseguem unificar os vários endereços nos quais podiam ser vistos apenas em julho de 2010.
O gráfico registra ainda a formidável escalada de Marina Silva no mês de setembro. Ela já vinha à frente de José Serra na internet, mas foi em setembro que ultrapassou a audiência da candidata Dilma Rousseff, então com 51% nas pesquisas eleitorais (o que teoricamente deveria lhe garantir a eleição em primeiro turno) contra 11% de intenção de voto em Marina Silva em meados de setembro [pesquisa Datafolha de 15/09/2010].
O que permitiu esse desempenho? A curiosidade em torno de Marina Silva e de sua causa? O fato de ela falar de assuntos importantes para o público jovem como sugeria a intuição política? Qual o tamanho real desse público? Ele poderia fazer a diferença na hora de votar? Como atingi-lo de forma positiva?
Grosso modo, trabalhando com dados que representam quase 93% dos usuários ativos em setembro de 2010, conforme o NetView, a rede brasileira se dividia assim: 21% da audiência era composta de crianças e jovens até 17 anos; 13% da audiência tinha de 18 a 24 anos; 27% da audiência tinha de 25 a 34 anos e podia ser considerada com formação universitária; o maior percentual, 33%, era formado pelo pessoal de 35 a 54 anos, e apenas 7% dos internautas tinham de 55 anos para cima. As mulheres formavam 45% da audiência; os homens 55%. Na rede, ao contrário do Censo do país, os homens são majoritários.
Era mandatório criar diferencial para este público. Despertar e integrar a maioria do contingente em uma preocupação comum. Integrar as pessoas sensíveis às causas em jogo: não apenas a da sustentabilidade, mas também a de um jeito novo de fazer e de entender política – contrário aos padrões fisiológicos dominantes na política brasileira. O desafio proposto sugeria que a abordagem na internet não deveria se restringir à resolução de uma equação etária, que levasse em conta apenas a idade ou geolocalização do público.
Havia um grande obstáculo. As pessoas não sabiam, ou sabiam pouco, quem era Marina Silva. Passava de 70% o grau de desconhecimento da então pré-candidata entre o eleitorado. Despacho da Agência Estado, disseminado em fevereiro, ia ao ponto nevrálgico: ‘Segundo a mais recente pesquisa Ibope, divulgada na semana passada, Marina Silva é a pré-candidata menos conhecida entre os eleitores: 31% deles disseram nunca ter ouvido falar da senadora. Outros 40% apenas ouviram falar’. [Ver ‘Marina Silva intensifica aparições na TV para se apresentar ao eleitorado‘, publicado no R7 em 26/02/2010 conforme acessado em 08/01/2011.]
O problema: como tornar a então senadora Marina Silva mais bem conhecida pela população com míseros 83 segundos de propaganda eleitoral na TV e no radio? Este era o total tempo que ela teria diariamente para fazer campanha. Dilma Rousseff teria extensos 12 minutos, José Serra nove minutos, também uma ‘eternidade’ na TV. O fato de a candidata recusar coligações cujo objetivo seria apenas engordar o tempo de campanha na televisão e no rádio – hábito arraigado na política tradicional, o de criar ajuntamento de partidos para ganhar mais tempo de exposição na TV, cultivado inclusive pelo Partido Verde – também compunha a diferenciação política da campanha de Marina Silva.
O desafio da equipe de internet era compensar o pouco tempo na TV com muito tempo na rede, conquistar a maioria dos eleitores via internet, mesmo que o total deles (incluindo as crianças, que não votavam, mas podiam ficar conhecendo Marina Silva e falar dela para seus pais e parentes) significasse bem menos pessoas do que o total de votantes do país.
Quase 136 milhões de brasileiros estavam registrados para votar em 2010. Até então, a rede arrebanhava de 65 milhões, a menor conta, a 81,3 milhões de internautas, a mais otimista das projeções [65 milhões de internautas era a quantidade total de internautas brasileiros aceita em 2010 pelo mercado a partir de pesquisas do Datafolha e do Ibope/NetView. Conforme a Internet World Stats, em junho de 2010, este número estaria por volta de 72 milhões. Pesquisa realizada pela F/Nazca e divulgada em novembro de 2010 apontou os 81,3 milhões. Conforme acessado em 12/01/2011].
Outra questão delicada era a referente à arrecadação. Desde o início se intuía que não havia candidata melhor para angariar doações via internet quanto Marina Silva. Tinha causa, tinha carisma apesar do partido pequeno, podia conquistar uma militância engajada que ajudaria na captação.
Desde 2007, por exemplo, seu nome arregimentava seguidores consubstanciados no Movimento Marina Silva, o que ajudou ainda mais o trabalho. Este movimento chegou à campanha com quase 30 mil integrantes inscritos em seu site. E ainda alimentava pretensões de ir além da internet, de extrapolar para o mundo físico, o que acabou se consubstanciando nas Casas de Marina espalhadas pelo país, ideia nascida no Movimento.
Como dar visibilidade total à candidata na internet? Como facilitar o acesso ao seu pensamento político e à sua equipe? Foi a partir desta confluência de necessidades e desafios que se esboçou a estratégia na internet cujos eixos seriam dois: primeiro, o site oficial como uma espécie de ‘hub’, centro de toda a comunicação; e segundo, a mobilização das redes sociais para a arregimentação de simpatizantes, voluntários e consequente captação de recursos.
O site oficial
Em razão do pouco tempo de campanha, não havia espaço para experimentação no site oficial. Ele só podia estrear no dia 6 de julho, por conta da legislação. Tinha de ser o site mais completo do ponto de vista do conteúdo. Além de tudo, não podia ser pesado, não podia demorar a ‘carregar’, surgir devagar na tela do computador – o contrário da lição dada pelo Google que tem a página principal mais leve entre todos os grandes sites e portais do mundo.
E assim foi feito. Página leve, arquitetada para facilitar a navegação intuitiva, sem penduricalhos, programada para servir rápido cada conteúdo demandado. Completa. Foco nas notícias da campanha, nas ferramentas de interação e na arrecadação. Mais: o site deveria facilitar a comunicação com quem desejasse colaborar com sugestões para a elaboração das diretrizes do programa de governo.
Além de uma área especialmente desenhada para captar sugestões, o site protagonizou a Sala de Marina, um programa de webtv dedicado às discussões de especialistas, em maior profundidade, das diretrizes necessárias para formar um programa de governo. Durava uma hora e era transmitido via web ao vivo às quintas-feiras. Ficava à disposição para ser baixado ‘on demand’, assim que o internauta desejasse assisti-lo.
O uso intensivo de vídeos também compôs a estratégia do site. Gravações da candidata, programas especiais para a televisão, debates, vídeos didáticos – um deles se valia de uma pizza para explicar porque votar em Marina Silva no primeiro turno não seria desperdiçar o voto.
A campanha também usou um equipamento, um servidor, de tecnologia israelense, acondicionado numa mochila, alimentado por placas de quatro redes distintas de telefonia celular. O aparelho somava os sinais das redes de celular e otimizava-os para realizar emissões com maior capacidade de banda e de cobertura. Bastidores e eventos da campanha foram transmitidos ao vivo usando esta tecnologia, inédita em campanhas políticas no Brasil.
Comparação realizada na segunda quinzena de setembro, quando o site de José Serra já havia passado por três grandes reformulações (uma delas instigada pelo ‘guru’ indiano-americano Ravi Singh, que chegou a tirar o site de Serra da rede durante dois dias a fim de criar rumores e aumentar a curiosidade em torno do candidato – sem sucesso [ver, por exemplo, o texto ‘Acaba contrato de Ravi Singh com o PSDB e guru deixa o Brasil‘, publicado no Último Segundo (iG) em 17/09/2010, conforme acessado em 14/01/2011]), mostrou que dos 66 conteúdos visíveis nos sites dos três principais candidatos, o site de Marina Silva somava 51 conteúdos distintos, enquanto o de Dilma Rousseff somava 31 conteúdos, e o de José Serra apenas 22. A tabela a seguir dá conta da comparação detalhada dos conteúdos de cada site.
Mobilização via redes sociais
Ao comparar a audiência das principais redes sociais, via-se que o Orkut era o campeão com 71% de penetração entre os usuários ativos na internet brasileira em setembro, conforme o Netview. O Facebook tinha 35% de penetração e o Twitter, 23%.
Examinando melhor essa audiência, percebia-se que o Orkut tinha uma grande quantidade de integrantes da chamada Classe C – emergente –, muito maior que qualquer outra rede social.
O Facebook exibia uma audiência geral mais universitária, agregava um contingente grande de pessoas desapontadas com a política tradicional e reproduzia a exata divisão na internet entre homens (55%) e mulheres (45%). Ao se examinar o perfil demográfico da ‘fan page’ de Marina Silva no Facebook, no entanto, se via que os interessados nela eram na maioria mulheres, 54% contra 46% de homens.
O Twitter concentrava uma grande parte da ‘vanguarda’ da rede. Eram celebridades, artistas, jornalistas, tecnólogos que haviam abraçado o mini blog logo no início. Todos carregavam muitos seguidores.
Não dava para realizar um trabalho no estilo ‘vamos falar com todos nas redes’. Seria desperdício de tempo. Era preciso focar. E o foco veio quase naturalmente. Marina Silva sempre apostou muito na comunidade evangélica, da qual faz parte. Definiu-se então que o Orkut seria usado para levar a mensagem da candidata aos evangélicos.
Arregaçaram-se as mangas, pesquisaram-se quais eram as comunidades evangélicas mais importantes no Orkut e criou-se a comunidade oficial de Marina Silva.
No Facebook, decidiu-se que os alvos seriam dois: o público feminino, sensível à história de vida de Marina Silva; e o público mais intelectualizado, exatamente aquele que se desiludira com a política, principalmente com a história do PT. Era a ‘classe média iluminista’ no dizer do deputado verde Alfredo Sirkis, coordenador da pré-campanha.
No Twitter, buscou-se falar principalmente com os formadores de opinião, para que espraiassem a mensagem de Marina Silva aos seus seguidores. Cada formador de opinião conquistado poderia multiplicar a mensagem da candidatura pela quantidade de seus seguidores. Nas contas da equipe, quando as comunidades de Marina Silva ficaram mais encorpadas tanto no Orkut quanto no Facebook, as possibilidades de multiplicação eram matematicamente muito robustas. A continha é simples.
A principal comunidade da Marina Silva no Orkut registrou 58.859 integrantes até setembro. Se multiplicarmos por 231, que é a quantidade média de amigos que os brasileiros têm no Orkut, isso dá 13,6 milhões de pessoas.
Se multiplicarmos 56 mil integrantes da comunidade oficial de Marina Silva no Facebook por 160, que é o número médio de amigos que os brasileiros têm no Facebook, isso dá quase 7,3 milhões de pessoas.
Para tornar a conta mais apurada, o passo seguinte é suprimir as duplicidades – a quantidade de pessoas que participa ao mesmo tempo tanto do Orkut quanto do Facebook. Conforme o NetView, 72% do total de internautas de ambas as audiências, em setembro de 2010, não eram duplicados. As chances teóricas, portanto, indicavam a possibilidade de levar a mensagem, direta ou indiretamente, a 14,9 milhões de pessoas. Nesta conta, não foram levadas em consideração as comunidades não oficiais.
E ainda havia o Twitter. Além dos 245 mil seguidores diretos conseguidos por Marina Silva até o fim de setembro, existiam 4.364 pessoas que baixaram em suas máquinas o aplicativo ‘Apoio Marina Silva’, doado à campanha por um programador. Este instrumento automatizava, para quem concordasse, a possibilidade de todos os seguidores daquele internauta acompanharem as mensagens de Marina Silva no Twitter.
Os 4,3 mil usuários do aplicativo somavam mais 628.033 seguidores orgânicos ao perfil de Marina Silva. Ela foi seguida diretamente, no pico da campanha, por 873.033 pessoas no Twitter, sem contar os outros seguidores indiretos, os seguidores dos seguidores que acompanhavam Marina Silva, mas que não usavam o aplicativo de replicação.
Quando se acrescenta o Twitter à comparação de audiência não duplicada com Orkut e Facebook cai para 58% a não duplicidade. Sempre levando em conta que se trata de projeção, de um total teórico, mas atingível de alcance, chega-se à possibilidade de o trabalho nas redes sociais com a mensagem da candidatura ter tido o potencial de atingir direta ou indiretamente cerca de 12,5 milhões de internautas diferentes.
Em todo caso, a herança que esta campanha deixou se traduz na forma de um banco de dados que soma exatos 1.008.723 endereços distintos e diretamente alcançáveis de pessoas dispostas a repercutir de alguma forma a mensagem de Marina Silva, a qualquer momento, seja via e-mail ou por meio de endereço de alguma das redes sociais.
Tudo isso sem falar de outros aplicativos igualmente usados. No Orkut, por exemplo, utilizou-se o aplicativo ‘Eu voto Marina Silva’, instalado por 51.091 usuários. Na última semana, 82% das pessoas que baixaram o aplicativo estavam usando-o e, com isso, multiplicando-o exponencialmente. Um link de compartilhamento também foi criado para viralização da campanha no Orkut. Num único dia, 30 de setembro, o link foi clicado 1.478 vezes. Cada clique compartilhava a mensagem de declaração de voto com os amigos e a média naquele grupo estava em torno de 475 amigos por usuário [relatório interno da campanha produzido pela UseBrainz].
É evidente que a equipe de comunicação da campanha – 11 pessoas na equipe digital, três pessoas na equipe de vídeoweb e 11 pessoas na equipe da mídia clássica – não se comunicou diretamente com essa enorme quantidade de pessoas, nem tinha braços para tanto. O objetivo dessa equipe era ser o núcleo do processo de viralização. Ser o ponto focal de multiplicação da mensagem na rede, nas residências, nos escritórios, nas escolas, nas rodas de amigos e nas mesas de bar pelos internautas que estavam ligados diretamente à campanha, seja visitando o site, conversando com amigos nas redes sociais, passando pelo site do Movimento Marina Silva, enviando sugestões para o programa de governo ou simplesmente tirando alguma dúvida por meio do e-mail.
As indagações dos internautas quer viessem diretamente na rede social ou via e-mail, deviam ser todas respondidas. Havia a determinação expressa: não deixar ninguém sem resposta. A base de dados com declarações da candidata em entrevistas e os aportes advindos do pessoal que elaborava o programa de governo serviam para balizar cada interação. As respostas eram tecidas de forma que o destinatário pudesse ele próprio se tornar um propagador da causa e se transformar num esclarecedor de dúvidas junto à sua comunidade on line ou mesmo física.
Detalhe relevante: ninguém receberia resposta automática. As perguntas deveriam ser respondidas mesmo que não houvesse dado objetivo em relação à questão ou afirmação. Mesmo as mensagens agressivas deveriam ser respondidas, com educação.
O principal objetivo do trabalho em rede era transformar cada internauta que interagisse de alguma forma com a campanha num multiplicador. Neste sentido, foi de fundamental importância a decisão de usar a rede unicamente com fins propositivos, sem atacar e sem criticar qualquer adversário político. A ‘demonização’ dos adversários não fez parte da política de Marina Silva na rede nem na mídia tradicional.
Uma pesquisa sobre a ‘saudabilidade’ da marca Marina Silva na internet, publicada pelo semanário Meio & Mensagem, principal órgão do mercado publicitário e da indústria de comunicação, mostrou que a estratégia de alguma forma dera certo. No final de setembro, a ‘marca’ Marina Silva carregava 84% de citações positivas na rede contra 59% de José Serra e 45% de Dilma Rousseff. Doze semanas antes, quando este acompanhamento começou, o índice de Marina Silva era de 80%, o de Serra 50% e o de Dilma 69%. Marina Silva continuou num crescendo, Serra melhorou um pouco e Dilma perdeu terreno [ver gráfico ‘Evolução da saúde das marcas dos presidenciáveis’ no Meio & Mensagem de 23/09/2010].
Monitoramento
Apesar da ambiguidade do termo ‘monitorar’, que remete tanto a conhecimento de uma realidade quanto a controle, bisbilhotice, não se trabalha profissionalmente na web sem monitoramento. É mandatório saber o que acontece com o seu nome, seu produto, sua marca, sua empresa, sua candidatura. Conhecer o que as pessoas estão dizendo e como estão se referindo a você é o primeiro passo para qualquer empreendimento na rede.
Existem dezenas de ferramentas de monitoramento. A maioria informa a posteriori. Conta o que aconteceu no passado recente com a palavra ou expressão que você elegeu para acompanhar.
O desafio é encontrar ferramentas e braços que ajudem durante o percurso de cada dia. Foi o que foi feito na campanha de Marina Silva. Qualquer mal-estar, qualquer informação equivocada, qualquer dado duvidoso era imediatamente captado no seu nascedouro pela equipe de monitoramento. Dois profissionais exclusivos na tarefa – mais todos os profissionais envolvidos na comunicação e que passeavam pela internet ou interagiam com os internautas nas redes sociais – analisavam o que acontecia na rede com a candidatura Marina Silva e as candidaturas adversárias.
Ferramentas de apoio seguiam monitorando blogs, notícias de publicações on line, comentários no Twitter, comunidades nas redes sociais e vídeos no YouTube. Elas eram a base e o suporte para os relatórios. Mas o que valia mesmo era o acompanhamento a quente. Mesmo assim, coisas podiam dar errado.
Um exemplo de mal-entendido aconteceu em junho. Marina Silva nunca terceirizou sua voz na internet. Seus comentários eram sempre os seus e os comentários da equipe apostos no Twitter deveriam ser registrados como ‘da equipe Marina Silva’.
Em 18 de junho, uma sexta-feira, Marina lamentou a notícia triste do dia: ‘Morre José Saramago. O mundo perde um grande escritor e os países de língua portuguesa, o nosso primeiro Prêmio Nobel’. Em seguida, a equipe, erroneamente, reproduziu comentário de uma seguidora como se fosse reproduzido pela própria Marina Silva: ‘Como podemos lamentar a morte de uma pessoa que blasfemou contra Deus a vida toda?’.
Bafafá armado. Como Marina Silva podia ‘concordar’ e reproduzir tamanho desacato? A equipe de monitoramento captou a reação de imediato e o blog de Marina Silva informou o erro: a reprodução do comentário não era de autoria de Marina Silva. Na realidade, a equipe ‘retuitou’ quando desejava ‘replicar’, responder ao comentário. Lição: mesmo monitorando em tempo real, não se consegue reverter de imediato equívoco divulgado em um lugar de audiência relevante, como eram o Twitter e o blog de Marina Silva.
No entanto, a maioria das desinformações – em especial sobre as questões ligadas a aborto, casamento gay ou religião – foi debelada de forma a não se disseminar negativamente na rede. Isto é possível quando a desinformação é capturada a tempo de permitir uma conversa imediata com a fonte do equívoco e o diálogo com ela for capaz de desfazer o equívoco – quando existe equívoco.
O tuitaço
Um pouco menos de duas semanas antes de 20 de julho, na pequena Ibitinga, no interior de São Paulo, o jovem Pedro Pongelupe, 24 anos, formado em administração, lançou na comunidade oficial de Marina Silva no Orkut o desafio de realizar uma entrada maciça de todos no Twitter e brandir a palavra de ordem ‘#euvotomarina’. E que as pessoas explicassem as razões porque votariam na candidata. Ele espalhou a idéia.
Começava ali um dos melhores exemplos do sucesso da estratégia de aproveitamento total da colaboração dos simpatizantes, na forma do primeiro tuitaço realizado na campanha. Panelaço todo mundo sabe o que é. Tuitaço era um neologismo, seria a ‘versão cibernética’ do panelaço [conforme publicado em O Globo em 20/07/2010 e acessado em 16/01/2011]. Surgiu na rede, no Orkut, de forma espontânea, imediatamente captado pela equipe de monitoramento e em seguida abraçado pelo comando da campanha.
Uma vez captado, o tuitaço foi incorporado às notícias no site e espargido por todas as outras comunidades e combinado que todos iriam se dedicar a espalhar a palavra de ordem no Twitter no dia 20, com picos às 12 horas e às 18 horas. A própria Marina Silva usou seu perfil no Twitter para ‘retuitá-la’, reproduzir a conclamação para seus seguidores.
O comando da campanha escolheu então uma ‘lan house’ no centro de São Paulo, na Rua Augusta, aonde Marina Silva iria pessoalmente participar do tuitaço. Ou seja, uniu-se uma iniciativa digital com uma iniciativa presencial. A candidata estava lá, às 12 horas, em carne e osso, como centro da ação. ‘Muito obrigada por suas militâncias no mundo virtual estarem fazendo a diferença na política no mundo real’, tuitou Marina Silva.
Nesse dia, 20 de julho, a candidata alcançou a marca de 100 mil seguidores no Twitter.
A iniciativa se reproduziu outras vezes, durante debates eleitorais em veículos de internet e de televisão, e teve outro momento de grande repercussão logo depois de Marina Silva ultrapassar Dilma Rousseff na quantidade de seguidores no microblog. Marina Silva foi a Guarulhos, perto de São Paulo, em 30 de setembro, na reta final da campanha, para estrelar outro tuitaço, o primeiro a incorporar câmera de vídeo – a Twitcam.
Arrecadação na internet
Ainda na fase da pré-campanha, Marina Silva estava no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, e foi abordada por um garoto que lhe colocou R$ 25 na mão. Ele disse que o dinheiro era para sua campanha. Marina explicou que não poderia aceitar a contribuição porque a campanha ainda não era oficial. Mas prometeu que ele seria o primeiro doador quando a campanha começasse.
Na segunda-feira, 9 de agosto de 2010, Marina Silva lançou oficialmente o sistema de arrecadação on line. Ele operava em caráter de teste desde a sexta-feira. O menino Ari, cujo nome é Aristodemo Pinotti (neto de José Aristodemo Pinotti, médico, que foi político e reitor da Unicamp), então com 11 anos, na companhia de seu pai, André Pinotti, foi o primeiro doador oficial. O pai entrou na rede na presença dos jornalistas que acompanhavam a operação e doou os R$ 25 por meio de seu cartão de crédito.
Estreava naquele instante a doação on line para um candidato a presidente – Marina Silva foi pioneira.
A plataforma de arrecadação, que também cadastrava simpatizantes, voluntários e doadores, foi construída a toque de caixa durante três meses. O objetivo era atender à demanda da arrecadação e criar um banco de dados para a candidata. Pronta para funcionar desde julho, quando estavam autorizadas doações diretas às campanhas, sofreu uma série de problemas burocráticos, todos ligados aos meios de pagamentos, em especial aos cartões de crédito, que impediram a estréia no momento programado. A arrecadação só entrou em operação um mês depois, em agosto, quando as principais empresas de cartão de crédito se sentiram suficientemente seguras com o seu funcionamento. Atuou durante 58 dias apenas.
Os resultados, apesar de financeiramente tímidos, podem ser considerados extraordinários. O sistema funcionou bem e mostrou que se pode criar o hábito da captação de recursos entre pessoas físicas. De quebra, a democracia brasileira agora tem alternativa ao sistema tradicional de financiamento de candidaturas.
Na campanha de Marina Silva, a uma média de R$ 55 por doação, foram arrecadados R$ 170.527,75. No total, 2.899 doadores únicos realizaram 3.095 doações.
Uma projeção linear, evidentemente sujeita a erro como qualquer projeção, mostra que se Marina Silva tivesse tido o mesmo tempo que Obama teve para arrecadar, ela teria atingido R$ 1,9 milhão em pequenas doações, uma soma considerável numa campanha que custou R$ 24,1 milhões.
O detalhe é que Marina Silva arrecadou mais na internet do que Dilma Rousseff, que não divulgou o resultado final de sua arrecadação on line. Informações aparecidas alguns dias antes do primeiro turno davam conta de uma arrecadação em torno de R$ 150 mil. José Serra preferiu não abrir o seu sistema de arrecadação na rede.
Quando se compara a maneira como se podia doar para Marina Silva com a maneira de como se podia doar para Dilma Rousseff entendem-se de imediato as razões pelas quais o sistema de Marina Silva funcionou tão bem. Com apenas dois cliques um internauta conseguia doar qualquer quantia a partir de R$ 5 para a campanha verde. No site de Dilma, eram necessários sete cliques para finalizar a doação. O sistema era mais complicado, mais demorado.
Navegabilidade e ‘usabilidade’ são termos que se usam na internet para definir (e construir) sites de fácil navegação e facilidade para realizar operações – como a de comprar alguma coisa ou, no caso, doar para uma causa. O site de Marina Silva foi projetado e finalizado com essa preocupação, com essa obsessão.
O sistema de SRM, social relationship management, conseguiu cadastrar, entre simpatizantes, voluntários e doadores – capazes de ajudar na disseminação da mensagem da candidatura – 20.831 pessoas no pouco tempo que teve de funcionamento em sua plena capacidade: os mesmos 58 dias da arrecadação.
Comparação com Obama
A comparação com a campanha de Barack Obama pode e deve ser feita, mas de forma abrangente. É de extrema utilidade, por exemplo, analisar o índice de busca dos nomes de ambos na internet.
Dados obtidos gratuitamente pela ferramenta Google Trends, que quantifica o interesse dos internautas por determinada palavra ou expressão no mecanismo de busca, mostram a quantidade de vezes que o nome Barack Obama e de seu principal concorrente, John McCain, foram demandados na caixa de busca do Google no ano de 2008. A curiosidade em torno de Obama começa a crescer em meados de setembro, cai um pouco e dispara para cima a duas semanas da eleição presidencial americana, ocorrida em 4 de novembro.
Em outra medição, que opõe o interesse por Marina Silva ao de seus concorrentes, vê-se que a curiosidade por ela começa a crescer no início de agosto, sobe bastante a duas semanas da eleição e dispara para cima quatro dias antes do primeiro turno, em 2 de outubro. O interesse por Dilma Rousseff e por José Serra, também sobe, mas pouco. Se o pico de Marina equivale a 100, o interesse por Dilma Rousseff é algo em torno de 45 e o por José Serra 35.
Como Obama e McCain, Marina Silva vinha exibindo interesse semelhante aos dos outros dois candidatos na rede até subir exponencialmente na última semana. Mesmo assim, no Brasil, as pesquisas de opinião não deram a Marina Silva, em nenhum momento, nem antes nem no ápice, em 29 de setembro [ver pesquisa Datafolha de 29/09/2010 publicada pelo jornal Folha de S. Paulo e divulgada pela Rede Globo de Televisão], mais do que 14% das intenções de votos.
Nas urnas, vale repetir, ela alcançou quase 20% dos votos. Além disso, existem mais 12 comparações possíveis entre a campanha de Obama e a de Marina Silva:
1ª. Obama era um candidato desconhecido. Marina Silva idem.
2ª. Obama se candidatou pelo Partido Democrata, muitíssimo conhecido. Ganhou esse nome em 1828, reveza-se no poder com o Partido Republicano há mais de 200 anos, desde quando se chamava Partido Democrata-Republicano. Marina Silva se candidatou pelo Partido Verde, pouco conhecido, fundado no Brasil em 1986.
3ª. Obama trabalhou com uma máquina partidária azeitada. O mecanismo das primárias, na qual o candidato tem que vencer internamente no partido, e o faz visitando praticamente todos os Estados americanos, lhe confere um diferencial grande em relação à facilidade de se tornar próximo do eleitorado. Marina Silva não tinha máquina partidária azeitada por conta do pequeno tamanho do Partido Verde.
4ª. Obama teve uma campanha rica, arrecadou quase US$ 800 milhões. Marina Silva teve uma campanha pobre, arrecadou R$ 24,1 milhões, ou seja, o equivalente a US$ 15,4 milhões, total 98% menor do que Obama.
5ª. Nos Estados Unidos, a população está familiarizada com doações políticas e as realiza normalmente. No Brasil, não existe esse costume entre a maioria das pessoas físicas.
6ª. A equipe de Obama tinha experiência em campanhas políticas. Eram poucas as pessoas diretamente ligadas à campanha de Marina Silva que tinham experiência em campanhas eleitorais.
7ª. Obama teve muito tempo para anunciar na televisão – nos Estados Unidos pode-se comprar horário na televisão para fazer campanha, assim como se pode investir também em publicidade na internet. Obama, por exemplo, investiu US$ 312 milhões (41% do total dos gastos na campanha) em anúncios para a televisão, a maioria disso nos últimos dias da campanha, além de ter dispensado US$ 26 milhões (4% dos gastos) em publicidade na internet – mais do que custou a campanha inteira de Marina Silva. Os candidatos, como Marina Silva, estavam impedidos por lei de comprar publicidade na internet. E Marina Silva tinha apenas 1 minuto e 23 segundo nos programas eleitorais de rádio e TV.
8ª. O sistema de CRM usado por Obama, adaptação de uma plataforma de relacionamento com o consumidor para uma plataforma de relacionamento com o eleitor e de doações eleitorais, já vinha sendo experimentado fazia tempo pelo próprio partido democrata e havia sido testado e usado com sucesso para arrecadar doações para organizações filantrópicas e organizações não governamentais. O sistema usado por Marina Silva, que foi batizado aqui no Brasil de SRM, social relationship management, administração das relações sociais, foi concebido, planejado e desenvolvido em apenas três meses e nunca havia sido testado anteriormente.
9ª. Obama teve ao todo 632 dias de campanha, faltaram só 92 dias para completar dois anos. Contando a pré-campanha, Marina Silva teve 242 dias em campanha. Obama teve 632 dias para fazer arrecadação on line. Com se viu antes, Marina Silva teve exatos 58 dias para arrecadar na internet.
10ª. Obama fez um uso intensivo, quase abusivo, do e-mail marketing. Toda o ferramental de mobilização e arrecadação estava baseado no uso de endereços de e-mail adquiridos pela campanha e realimentados pelo sistema que facilitava voluntários e simpatizantes indicarem mais pessoas para engordar o banco de dados. No Brasil, Marina Silva e os outros candidatos estavam impedidos por lei de comprar listas de nomes e endereços.
11ª. Obama fez uso intensivo do envio de SMS, torpedos, para os eleitores, via sistema de telefonia móvel. Marina Silva e os outros candidatos estavam praticamente impedidos de usar o SMS no Brasil por conta do custo abusivo cobrado pelas empresas de telecomunicações.
12ª. Obama trabalhou as redes sociais para se relacionar com eleitores, simpatizantes e voluntários, mas utilizou-as de forma tímida quando comparado com Marina Silva, que fez um uso intensivo das redes sociais. Ou seja, Obama usou intensamente o e-mail marketing. Marina Silva usou intensamente as redes sociais. 21
Votação x audiência na rede
Embora se corra o risco de realizar uma análise no estilo da tentativa de explicar quem veio primeiro, o ovo ou a galinha, é muito importante comparar a audiência do site de Marina Silva na internet com a votação dela nos municípios.
O contato com as ideias e com a própria Marina Silva na internet não se deu somente via site oficial, que registrou, do momento em que era apenas um blog pessoal até o dia da eleição, cerca de 1,5 milhão de visitantes (8% dos votantes).
O contato dos eleitores com Marina Silva veio também via Twitter (873 mil seguidores orgânicos) e via redes sociais que tinham a possibilidade teórica de alcançar 12,5 milhões de pessoas (63% dos votantes) quando descontadas as duplicidades, ou seja, aqueles que entravam no site, no Twitter e em algumas das redes sociais ao mesmo tempo.
Havia ainda outras maneiras de esbarrar com a mensagem de Marina Silva via internet, como os vídeos do YouTube, as fotos no Flickr e os e-mails trocados entre os próprios internautas e entre os internautas e a campanha.
Por isso, mensurar a audiência do site oficial é mensurar apenas uma pequena parte das diversas formas de contato com Marina Silva nos meios digitais.
Mesmo assim, quando se olha o mapa de votos por município brasileiro, é impressionante verificar como a audiência do site ‘casa’ com o mapa de votação.
Marina Silva teve 28% dos votos em dez grandes cidades: São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, Salvador, Fortaleza, Manaus, Recife, Curitiba e Belém [conforme resultados divulgados pelo TSE e acessado em 16/01/2011]. No mapa de audiência do site oferecido pela ferramenta Google Analytics, oito das cidades de maior audiência estão entre as dez mais votadas – com exceção de Campinas e Porto Alegre, que substituem Manaus e Belém. Entretanto, Campinas e Porto Alegre estão entre as vinte onde houve mais votação para Marina Silva.
Marina Silva teve quase 60% dos votos em 100 cidades. Praticamente todas fazem parte das 100 cidades com maior audiência na internet. Algumas delas não aparecem no mapa da audiência exatamente porque o acesso na cidade é feito via rede de comunicação da cidade maior vizinha, por conta do sistema de telecomunicações do país. Idem para as 300 cidades onde Marina Silva obteve maior votação, que formam 75% dos votos, e é o limite do relatório do Google Analytics, que alcança pouco mais de 300 cidades.
Ao se sobrepor às imagens do mapa de votação por município a imagem da audiência na web – conseguida via Google Analytics –, vê-se que a conjuminância é praticamente total (…). [O primeiro mapa, publicado por O Estado de S. Paulo em 07/10/2010 na pág. A14, mostra o mapa votação de Marina Silva por municípios. O segundo mapa mostra as 300 cidades onde o site oficial de Marina teve maior audiência. A terceira imagem é a sobreposição da audiência à votação.]
Seis razões
Enfim, existem no mínimo seis boas razões para acreditar na importância da internet na votação de Marina Silva. Todas foram expostas aqui e se resumem, de certa forma, ao que se segue.
1) A concentração das informações e links no site oficial de Marina Silva (ou no blog antes do mesmo endereço virar o site oficial), em comparação com a multiplicidade de endereços na web usados pelos outros dois candidatos até começar a campanha oficial, é um diferencial que facilitou às pessoas o encontro das mensagens e do perfil da candidata.
2) Apesar de lançar seu perfil no Twitter, em 2 de fevereiro de 2010, antes de Dilma Rousseff, Marina Silva se viu superada por Dilma logo depois que seu perfil surgiu na rede, em 10 de abril. Mas Marina Silva suplantou Dilma Rousseff em 23 de setembro quando atingiu 233.305 seguidores contra 233.019 de Dilma Rousseff. Já no dia do primeiro turno da eleição, Marina Silva ostentava 256.869 seguidores e Dilma Rousseff 240.912. Marina Silva acabou exibindo uma excelente capacidade de arregimentar seguidores na rede. 23
3) Idem para a capacidade de Marina Silva arrecadar mais doações de pessoas físicas do que Dilma Rousseff, via internet.
4) O crescimento exponencial de buscas pelo nome de Marina Silva (mais do que o dobro das buscas por Dilma Rousseff e três vezes mais do que por José Serra) no último mês, em especial na última semana, como Obama, demonstra que as pessoas foram procurá-la em massa no seu então habitat mais natural, a internet. Procuraram e acharam facilmente, fruto de um trabalho de otimização de seu nome para ser facilmente encontrado nos mecanismos de busca.
5) A multiplicação da mensagem de Marina Silva via redes sociais mostrou que as comunidades em rede foram devidamente alimentadas e realimentaram-se mutuamente. A equipe digital da campanha cuidou não apenas da disseminação da palavra da candidata, mas na facilitação para que os internautas em rede pudessem se relacionar com clareza com o seu projeto. No final da campanha, o seu banco de dados contava com mais de um milhão de endereços diferentes, todas as pessoas dispostas a dialogar e a colaborar de alguma forma com ela.
6) A correspondência entre o mapa da votação eleitoral de Marina Silva por município e a audiência do site é total.
Enfim, é impossível resistir a uma frase final carregada de desejos impossíveis apenas por enquanto: se a eleição fosse via internet, Marina Silva teria vencido no primeiro turno.