Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O papel da mídia nas decisões de voto

Na enorme complexidade dentro da qual se constrói a decisão do voto, e considerando que muitos fatores estão simultaneamente em ação, quais as primeiras impressões que um observador pode ter do papel da mídia nas eleições que acabam de ser realizadas?


Creio ser possível arriscar algumas afirmações. A primeira é que a mídia – ao contrário do que gostam de admitir seus principais porta-vozes – não é apenas uma mediadora ou transmissora de informações. Ela é parte ativa e interessada no processo e constitui-se, ela própria, em importante ator político.


Nos períodos eleitorais, o papel de ator político da mídia se revela com clareza nas decisões editoriais, nas omissões e nas ênfases da cobertura política. Mas não só aí. Há uma ação implícita, difícil de perceber e de descrever, que é constitutiva da posição de centralidade que a mídia atingiu em nossas sociedades.


Nos debates com candidatos, por exemplo, a instituição TV – que não passa de concessionária de um serviço público – comporta-se como se constituísse um poder (será que constitui?) acima dos outros. Os candidatos, que se apresentam aos eleitores como aspirantes aos cargos públicos, estão nesses debates como se estivessem diante de uma banca de examinadores e a autoridade do julgamento é exercida pela estrutura televisiva personificada no (a) âncora que preside o debate.


A flagrante fragilidade dos candidatos diante da autoridade dos(as) âncoras da TV sugere ao telespectador de que eles(as) é quem estariam em melhores condições de gerir a coisa pública, com toda a desenvoltura e sabedoria que a TV lhes confere.


Furos das pesquisas


Confirma-se também a importância relativa da mídia não só em relação ao tipo de eleição – majoritária ou proporcional – mas, sobretudo, de acordo com sua abrangência, isto é, se ela é nacional, regional ou local. A recondução ao Congresso Nacional de vários deputados insistentemente associados pela mídia com alguns dos ‘escândalos’ da crise política de 2005-2006 é uma prova disso.


Por outro lado, reitera-se a importância da mídia impressa paulista de referência nacional que, aliás, caminha junto com a relevância do estado de São Paulo no resultado das eleições nacionais pelo enorme peso de seu eleitorado. Não creio que se possa ainda avaliar corretamente a influência da posição político-eleitoral – implícita ou explícita – de jornais como a Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo ou de revistas como Veja, em especial no voto urbano de classe média nas eleições para presidente da República. Com certeza essa influência não foi desprezível.


Confirma-se ainda que os institutos de pesquisa – entronizados pela mídia na posição de conhecedores antecipados da vontade popular – nem sempre acertam em suas projeções de intenção de voto. Os resultados das eleições para governador no Rio Grande do Sul e na Bahia são até agora os dois exemplos mais eloqüentes.


Situação caótica


Como ator político, espera-se que a mídia cobre dos candidatos a presidente da República que estão no segundo turno a explicitação de seus planos para o setor de comunicações. Infelizmente, esse é um setor onde, por decorrência inclusive do comportamento da própria mídia, não se explicitam as políticas públicas – ou a ausência delas.


Nas sociedades contemporâneas, Brasil incluído, o debate das políticas públicas de comunicações deveria ser uma exigência da cidadania. Não só porque a economia da cultura – onde a mídia se situa – já representava, em 2003, cerca de 7% do PIB mundial, mas também porque não se trata de uma atividade econômica qualquer, mas sim do espaço onde são construídas as representações das coisas, inclusive da política e dos políticos.


Os grupos e movimentos interessados em garantir a todos o direito à comunicação devem se mobilizar para que, nas quatro semanas que nos separam do segundo turno da eleição presidencial, tornem-se transparentes as propostas dos dois candidatos. Isto porque não se pode mais adiar a regulação das comunicações no Brasil. Trata-se de um setor de indiscutível centralidade no cotidiano da população brasileira e que hoje vive uma situação caótica de desregulação que certamente não atende ao interesse público.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: crise política e poder no Brasil (Editora Fundação Perseu Abramo, 2006)