‘Se você está achando que é coisa de adolescente, vai mudando o seu conceito’, diz logo @Zeluiznogueira, com a tela de seu poderoso Mac luzindo de cores, caras e pulsões, as múltiplas janelas abertas com vídeos, fotos, textos e ferramentas provindas de todas as partes do planeta web. No centro de tudo, uma página aberta no Twitter. Estou em Brasília e um dos maiores produtores de audiovisual da cidade está me trazendo ao olho do furacão. ‘Você tem de entrar na coisa hoje. Vai mudar a sua cabeça’.
Lembro da frase horas depois, diante do meu modesto PC, quando concluo a assinatura no serviço criado em março de 2006, que já conquistou mais de 40 milhões de usuários no mundo todo e cresce exponencialmente em 2009, em ritmo superior a 10 milhões de aderentes por mês. O sistema pede que eu digite duas palavras enviadas por ele num campo de comando, para me dar acesso ao novo mundo da comunicação cibernética. Acho graça delas: ‘Stridente Silvia’. Uau! Uma Silvia barulhenta vai mudar a minha cabeça! Digito a senha, dou enter e adentro.
Zé Luiz não estava exagerando e Silvia é mesmo do barulho. Caio numa plataforma de comunicação totalmente inovadora, que é pura estridência de vozes, diversidade de fontes, convergência de mídias, confluência de idéias. Uma nova ágora, praça do povo, agora universal, democrática e totalmente simétrica. Um espaço ao mesmo tempo público e despudoradamente privado, onde cidadãos famosos e anônimos, pequenos e grandes, jovens e maduros, emitem mensagens curtas sobre os fatos de sua vida, suas impressões e nos dão conta das coisas que gostam, com links que nos remetem para os mais variados conteúdos. Anotações, vinhetas, piadas, perguntas, broncas, poemas, slogans, canções, cantadas, filmes, desenhos, fotos – tudo que couber, em texto ou link, numa caixa de diálogo de até 140 caracteres.
Fluxo contínuo
Dois grupos de pessoas são bem nítidos no Twitter. Primeiro, os famosos fazendo evasão de privacidade para consumo dos fãs, como o âncora William Bonner, aliás @realwbonner (194.288 seguidores até este parágrafo), que pede ajuda para escolher a gravata com que fará o Jornal Nacional da noite, propõe jogos e atividades, deleita-se com as onomatopéias do internetês e emite seus pios (twits) incansavelmente, ao menos 12 horas por dia. Não, claro, sem enfrentar a ironia dos seguidores, sobretudo do sempre mordaz serpentário da imprensa. ‘@realwbonner é um dos trigêmeos brincando no PC’, resume @alcidesouza, devidamente retransmitido (RT) por @mauriciostycer e @marionstrecker até a minha caixa de entrada (reenviar mensagem alheia é parte básica do jogo).
No momento em que eu escrevia este texto, Bonner postava sucessivos twits para explicar aos seguidores porque não mantém um blog. ‘Eu me divirto muito com essa bobagem que escrevo, e vejo que muitos de vocês também se divertem e se surpreendem’, dizia o jornalista. ‘Isso é Twitter. Mensagens curtas, descompromissadas. Um blog seria insuportável, só com essas brincadeiras. (…) Mas é fato que minha atividade profissional me obriga a botar limites nessa brincadeira toda. (…) Não ponho, aqui, opiniões sobre questões relevantes e polêmicas. Podem apostar que eu tenho essas opiniões’.
O outro grupo nítido de ‘tuiteiros’ é o dos cidadãos comuns. Na maioria jovens e universitários, em busca de seu espaço no mundo do trabalho ou de visibilidade para o que já fazem e pensam. Eles desfrutam da inédita horizontalidade que o mecanismo do Twitter estabelece entre ‘normais’ e celebridades, muito maior do que a dos blogs ou sites. Um produtor cultural do ABC paulista, por exemplo, pode polemizar com a cantora Maria Rita (@MROficial, 64.562 seguidores) acerca do trabalho de Marcelo Tas (429.465), algo que seria bastante improvável em outras circunstâncias. A cantora tecla: ‘Discordo, @penachiando. Tem mais no livro do @marcelotas do que só frases. Na entrevista ele explica bem. Deve ser interessantíssimo! Bjo…’.
Mas há um terceiro grupo que está em grande ebulição e talvez seja o responsável pelo posicionamento do Twitter como a marca do momento, na vasta e efêmera seara da internet. É a turma que o utiliza a serviço. Empresas, instituições e profissionais, sobretudo da mídia e da política, já descobriram o potencial da plataforma e mergulham nela, utilizando-a como chamariz para blogs e sites onde podem ampliar e aprofundar os conteúdos. Põem seu manequim bem vestido na vitrine online, para que o público os veja e chegue mais rápido ao seu trabalho.
Em cerca de um mês de uso, testemunho: o Twitter acelera inacreditavelmente o ritmo de consumo e difusão de informações. O fluxo de entrada de novos dados, indispensáveis ao uso profissional, ultrapassa de longe a atualização em geral diária do e-mail e elimina a necessidade de garimpagem em múltiplos sites. Não é necessário buscar a informação, ela vem a você. O tempo todo, sem cessar, 24 horas por dia. Basta seguir as fontes certas e você, como já faz usando este Observatório da Imprensa, ‘nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito’. Até porque já terá lido tudo que ele contém, no mínimo um dia antes.
Televisores desligados
O poder de difusão do Twitter teve confirmação cabal nas últimas semanas. Em 13 de outubro, alguém postou logo cedo uma reportagem de TV portuguesa, onde a atriz Maitê Proença (@Maite_Proenca,se for ela mesma, com meros 417 seguidores; perfis falsos vicejam) era duramente criticada por gracinhas e comentários infelizes que perpetrou, em matéria para o programa Saia Justa, do GNT. O assunto explodiu e as reações negativas avolumaram-se de tal forma, nos dois lados do Atlântico, que tornou-se imperativo um pedido de desculpas. Às 21:58, o site do GNT divulgou um vídeo gravado por Maitê, com suas constrangidas explicações (‘O brasileiro é muito brincalhão, a gente brinca com aquilo por que tem afeto…’). Foram menos de 12 horas do início ao auge, para um factóide midiático de alcance internacional.
Na quinta-feira (29/10), o assunto foi ‘a moça da Uniban’. Uma testemunha do espetáculo de intolerância protagonizado por alunos da universidade paulista, que vaiaram, insultaram e ameaçaram uma colega por usar um microvestido, postou as imagens também pela manhã. A violência espantosa das cenas reverberou pelo Twitter como se fosse um comando de Marcelo Tas (ele pode quase tudo lá; se mandar segui-lo, como fez comigo, você pode ganhar 800 seguidores num dia). Transformou-se no filé do noticiário nos portais e assunto compulsório da noite, nos telejornais. Deu à estudante de turismo Geyse Arruda seus 15 minutos de fama nos programas de auditório do dia seguinte, que certamente serão prorrogados nas capas de revistas masculinas, adiante.
Twitter na hora, TV mais tarde – aqui está o ponto mais delicado, para quem observa a nova mídia pela ótica da veterana. A ágora virtual traz novos problemas para a já complexa conjuntura que a televisão enfrenta, obrigada a reciclar o seu mastodôntico modelo de operação num ambiente de pura mutabilidade na mídia. A instantaneidade na oferta de conteúdos e a capacidade de multiplicação do Twitter põem a televisão em camisola, encanecida e cansada, para enfrentá-lo na raia de competição. Mídia-mãe até agora, senhora de respeito, vê mais um garoto abusado surgir no campo ameaçador da internet, pronto a lhe passar a perna.
Não apenas o Twitter, certamente, mas a internet como um todo, em seus inumeráveis serviços, rouba telespectadores em ritmo dramático. No domingo (18/10), chamou a atenção a baixa audiência do Fantástico, que obteve na Grande São Paulo magros 18 pontos contra 16 de Gugu Liberato e 11 do humorístico Pânico. Mas pouco se atenta para o fato de que a soma desses índices, mesmo acrescida dos obtidos pelos demais canais, dificilmente ultrapassa os 60 pontos – numa noite de domingo, no maior mercado de televisão do país. Ou seja: quase a metade dos televisores está desligada, no horário mais importante do dia mais nobre da televisão.
Poder de concisão
À parte a instantaneidade na difusão de informações, com a qual a TV ainda poderia competir, ainda que a duras penas, o Twitter e os sites de compartilhamento de vídeos aos quais ele remete – You Tube, Vimeo, Blip TV, Google Vídeo – estão demolindo a idéia de ‘grade de programação’, ou da oferta de conteúdo audiovisual centralizado, organizado e disponível em horários predeterminados. O conteúdo desejado, seja ele o novo blockbuster do cinema americano lançado ontem ou o programa de TV preferido, o usuário quer buscar sozinho, varrendo a rede. Não quer esperar para vê-lo no ar, quando e se a televisão dignar-se a disponibilizá-lo.
Como programar a televisão, numa época em que o telespectador quer fazer isso por ela? É a pergunta mais cruel por trás da telinha, resumida, a propósito, numa aguda charge de Dahmer (@malvado) à qual cheguei graças ao colega Alexandre Matias, do blog ‘Trabalho Sujo’, via twitter (@trabalhosujo). Vai abaixo, com um poder tão grande de resumir as coisas que não cabe acrescentar nada. Sobretudo quando já estou muito além dos 140 toques.
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Jornalista