Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O povo contra a Microsoft

Encerrou-se, após mais de uma década, o conflito entre a Microsoft e o Departamento de Justiça dos EUA. O que nasceu em 1998 como um processo contra a empresa, que era acusada de práticas anticompetitivas, seguiu com um acordo judicial. Desde 2002, a trupe de Bill Gates se submetia a um comitê do governo federal que tinha acesso a uma infinitude de documentos internos. Agora em maio, o comitê encerrou suas atividades. Fica a pergunta: serviu de algo?

Na segunda metade da década de 1990, a internet ainda era jovem e a Microsoft parecia imbatível. Tinha 93% do mercado de sistemas operacionais com seu Windows e, apesar de ter chegado tarde à rede, esmagou o principal browser da web nascente, o Netscape. Na virada do século, seu Internet Explorer chegou a ter 91% do mercado. É por aí que passava o problema do governo americano. Seu argumento perante o tribunal foi de que, como dominava o sistema que quase todos usavam, a Microsoft dificultava a vida dos concorrentes. Criava instabilidades onde podia e dificuldades sempre que possível. Os produtos Microsoft rodavam sempre melhor no Microsoft Windows.

Dentre os especialistas convidados pelo governo para testemunhar a seu favor, havia consenso de que o Netscape era apenas a vítima mais recente. O Word Perfect já havia perdido espaço para o MS Word, assim como o Lotus 1-2-3 perdera para o Excel. Sempre porque a vida dentro do Windows ficou difícil. A solução, para o governo, seria dividir a empresa em duas. A fabricante de sistemas operacionais seria proibida de fazer qualquer outro produto. E o braço de softwares, responsável pelo pacote Office, seguiria no mercado concorrendo com quem fosse. O objetivo era restabelecer práticas legítimas de concorrência que, sempre segundo o governo, haviam se perdido.

Procurador já olha desconfiado

É até difícil, hoje, imaginar como foi poderosa aquela empresa. Segue com o domínio nos sistemas operacionais – caiu só dois pontos, para 91%. O Explorer é o maior browser, mas com 56% já não tem domínio tão claro. E parece perder quase todas as outras. Não acertou o passo na disputa com o iPod, chegou tarde aos celulares inteligentes, não se ouve pista nos tablets. Vai bem com seu Xbox, mas nesse mercado de videogames a briga com Sony e Nintendo é acirrada. A Microsoft é uma empresa sólida, respeitável, mas não inova faz tempo. Quem fala de tecnologia de ponta, hoje, cita Google, Facebook, Apple.

Segundo Tim Wu, professor da Universidade de Nova York e assessor especial da Comissão Federal de Comércio dos EUA, a Microsoft não é mais citada justamente porque o acordo deu certo. Falando ao On The Media, programa da NPR, rádio pública de lá, Wu opina que, com o governo em sua cola, a empresa não pôde usar de suas forças para atrapalhar a inovação dos outros. Não usou o Explorer forte do início do século para esconder o link para o Google. Não atrapalhou a instalação do iTunes no Windows, permitindo acesso ao iPod. Não fez o browser dar pau no acesso ao Facebook.

Sua opinião não é unânime. Larry Seltzer, um dos editores da PC Magazine, argumenta que a comissão gastou muito dinheiro, aporrinhou o quanto deu a Microsoft. Talvez até tenha atrapalhado. Seltzer segue uma tese comum: o mercado de inovação tecnológica é tão intenso, tão rápido, que nenhuma empresa consegue se manter dominante por tempo demais. Em entrevista à revista The New Yorker uns 15 anos atrás, Bill Gates contou que só uma coisa o deixava com medo: que algum estudante, em alguma garagem, estivesse inventando o futuro naquele momento. E, naquele momento, dois estudantes, dentro de uma garagem, começavam o Google.

Há apenas dois anos, era o Google que parecia imbatível. Dono da internet. Toda informação da rede passava por lá. Aí veio o Facebook e, embora siga forte, o gigante das buscas já não parece tão inabalável quanto antes. Não por isso. Samuel Miller, o procurador que disparou o processo contra a Microsoft, já olha desconfiado para o mesmo Google.