Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O que ele quer é questionar

Nicholas Carr é um provocador. Um iconoclasta, para a revista inglesa The Economist. Articulado, convincente, preciso nos argumentos e competente na forma. Não raro é cético, por vezes brilhante, frequentemente polêmico. Enfim, um provocador lúcido e cativante. Duvida?

‘TI não importa’ e ‘O Google está nos tornando estúpidos?’ são os mais famosos artigos deste jornalista americano. Ambos, cada um a seu tempo, foram assunto obrigatório da imprensa mundial e, é claro, de todos que se interessam por tecnologia e pelas mudanças provocadas por ela. Cinco anos separam os dois textos.

O primeiro, de 2003, foi publicado na Harvard Business Review (em que Carr era editor) e deu origem a um livro no ano seguinte, que só agora chega ao Brasil. Será que TI é Tudo? (Editora Gente) levou executivos de todo o mundo a discutir a real importância dos computadores e da tecnologia da informação (TI) nos negócios.

O segundo, publicado na tradicional Atlantic Monthly, também vai virar livro. O aguardado The Shallows: What the Internet Is Doing to Our Brains (‘Os Superficiais: O que a internet está fazendo com os nossos cérebros’, em inglês), a ser lançado no ano que vem. ‘Não penso mais do jeito que costumava pensar’, escreveu, no artigo.

Previsões mirabolantes

Para Carr, a internet e o Google, em especial, estão remodelando o nosso cérebro de forma a torná-lo mais eficiente em buscar informação. Ao mesmo tempo, contudo, estamos perdendo a habilidade de contemplação, reflexão, concentração. Uma perda ruim para cada um de nós e para todos nós, como sociedade, segundo ele.

‘A informação não é um fim em si. O sentido, o significado que damos a ela é que realmente importa’, disse Carr ao Link, em entrevista, por telefone, na semana passada, antes de aterrissar em São Paulo para uma palestra, na terça-feira (1/12) no evento empresarial Expomanagement 2009, da HSM.

‘Os meios de comunicação que usamos ao longo do tempo nos tornaram o que somos hoje. Os livros, por exemplo, nos obrigam a nos concentrar’, observa Carr. Para ele, o Google sacrifica tudo isso ao nos oferecer uma abundância de informações, relevantes ou não, com a qual temos dificuldade de lidar.

Com a internet se tornando nosso principal meio de comunicação, Carr defende que precisamos pensar nas consequências dessa mudança, o que perdemos e sacrificamos neste processo. Não por acaso, ele é um dos raros pensadores da era digital que não está no queridinho do momento, o Twitter. ‘Ainda que ele faça sucesso com tantas pessoas. Não estou certo do quão útil ele me pode ser’, disse Carr que, no entanto, mantém há anos um concorrido blog, o Rough Type. Não pense, no entanto, que Carr seja uma espécie de neoludita, longe disso.

‘A internet traz uma série de benefícios reais que não devem ser desprezados’, apressa-se em afirmar. Questionado sobre o próximo grande avanço que veremos na área tecnológica, ele apontou a integração cada vez maior da rede com todo tipo de produtos e serviços. Nada mais natural. Afinal, no ano passado, ele lançou o livro A Grande Mudança (Editora Landscape), em que defendia que a computação em nuvem está mudando a sociedade e a cultura de forma tão profunda como a energia elétrica o fez nos últimos cem anos. ‘A computação está virando um serviço, e as equações econômicas que determinam a maneira como vivemos e trabalhamos estão sendo reescritas’, escreveu.

Foi durante a pesquisa para este livro que Carr se interessou em estudar mais profundamente as implicações sociais e culturais que a internet poderia ter em cada um de nós com o passar do tempo.

Um dos capítulos mais interessantes – e também divertidos – de A Grande Mudança é o que trata dos profetas da energia elétrica, que faziam toda sorte de previsões mirabolantes.

Ah, sim, Carr não se considera um provocador. ‘Sou apenas uma pessoa que não foi completamente seduzida pelas novas tecnologias’, defende-se.

Descrente

Pare um pouco e pense. Para que afinal foi criada boa parte das tecnologias em qualquer tempo? Da primeira ferramenta à roda, do carro ao e-mail, do computador pessoal ao celular, todos foram criados para trazer, de um jeito ou de outro, mais conforto e facilidade para o dia a dia. Os seus efeitos a longo prazo, no entanto, costumam fugir das previsões mais otimistas. O e-mail nasceu para substituir as cartas, seria muito mais prático e rápido. E de fato é. Hoje, no entanto, muitas pessoas não conseguem desgrudar das suas caixas de entrada de mensagem, estejam elas de folga ou até de férias.

Enfim, os efeitos colaterais, de certa forma são bastante visíveis hoje e estão desassociados dos positivos. Primeiro nas empresas, depois na sociedade e, enfim, na mente de cada um de nós. Nicholas Carr decidiu mostrar que ‘já tem gente demais fascinada pelas novas tecnologias’. Em 2003, quando escreveu TI não Importa, para a Harvard Businnes Review, a Newsweek o chamou de ‘o inimigo público N°1 da tecnologia no mundo’. Um exagero. Carr é apenas um cético pensador da era digital em dúvida entre suas vantagens e desvantagens.

Em Será que TI é Tudo? (editora Gente), Carr afirma que ‘como ocorreu com muitas outras tecnologias largamente adotadas, como ferrovias ou energia elétrica, a tecnologia da informação se transformou em commodity. Com seus preços acessíveis a cada um, essa tecnologia não tem mais valor estratégico a qualquer empresa ou usuário’.

Depois, em A Grande Mudança (editora Landscape), ele fazia um paralelo entre a ascensão da energia elétrica barata, que provocou uma reação em cadeia de transformações econômicas e sociais que gerou o mundo moderno, e da computação em nuvem, que, segundo ele, vai mudar a sociedade de forma igualmente profunda. No livro, ele tenta ponderar sobre os seus possíveis benefícios e efeitos colaterais também.

Enfim, em The Shallows (ainda inédito), ele expande seu artigo ‘O Google está nos tornando estúpidos’ para, segundo ele, explicar como a internet redistribui os nossos caminhos neurais, substituindo a mente sutil do leitor do livro pela mente do observador distraído das telas. Para isso, ele promete misturar ideias da filosofia, da neurociência e da história.