Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O salto do mundo conectado

A humanidade ultrapassou a casa dos 7 bilhões de almas em janeiro passado. No mesmo mês, ressalta um relatório de Hamadoun Toure, diretor da agência de telecomunicações da ONU, outro marco foi superado. Agora há 2 bilhões de pessoas com acesso à internet. Mais espetacular é o crescimento da telefonia móvel, a próxima plataforma capilar da internet, que conta com mais de 5 bilhões de humanos, nas mais miseráveis regiões da África ou nas mansões em Manhattan, teclando torpedos ou simplesmente se comunicando. E uma fatia grande desse bolo entra na internet, faz compras e contrata serviços por meio dessa minúscula plataforma.

Nada mal: no ano 2000, havia apenas meio milhão de assinantes de celulares ‘primitivos’ e um quarto de milhão de usuários de internet. O mais significativo é que 57% desses novos usuários estão em países emergentes, em mercados não saturados, como os dos países que integram a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mas para que esse crescimento persista, a internet precisa de uma atualização fundamental: a reforma dos IPs – Internet Protocol System, uma espécie de CEP que indica o endereço de um determinado computador em uma rede privada ou pública.

O IPV4, atual, criado na década de 1970, praticamente esgotou sua lista de endereços disponíveis em janeiro de 2011. Ele é composto por quatro blocos de 8 bits (32 bits no total), que são representados por meio de números de 0 a 255, como ‘200.140.25.43’ ou ‘645.246.31.10’. Havia quase 4,3 bilhões de endereços disponíveis quando a internet foi criada, o que parecia ser um exagero. Não era.

O sucessor, o IPV6, que vai oferecer espantosos 340 undecilhões (ou seja, 340 seguido de 36 zeros) de endereços, está encalacrado porque vai exigir que sejam reescritas quantidades enormes de aplicativos para saltar dos atuais 32 para 128 bits. Provedores e criadores de aplicativos estão protelando a reescrita de seus produtos, que é mais custosa e trabalhosa que o famoso problema do bug do milênio. Essa mudança é essencial para a prometida ‘internet das coisas’, na qual até sua torradeira, freezer ou ar-condicionado vai ter um endereço IP na web para ser controlado à distância, por exemplo.

Um grande passo na evolução nessa direção foram os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, nos quais todos os serviços, da TV aos telefones, tráfego urbano e dados, circularam com total sucesso por redes com o IPV6. No Japão, as empresas de telecomunicações já oferecem o IPV6 desde 2000. E em algumas cidades sul-coreanas, a automação total pela internet já é rotina. No Brasil, a implantação do IPV6 está quase na estaca zero.

Lata de lixo na internet

Nova Songdo, na Coreia do Sul, apelidada de UCity (U de ubíqua, ou onipresente) vai ser a grande vitrine do futuro. A cidade inteira é um grande gadget, essas tralhas eletrônicas que fascinam o consumidor moderno. Os hiperconectados cidadãos de Songdo que jogam no lixo embalagens recicláveis recebem no fim do mês um abatimento correspondente na conta única de serviços da municipalidade. Quase tudo que circula na cidade vai ter embutido um quase invisível chip de identificação por radiofrequência, parecido com os usados nas lojas para evitar furto de mercadorias, só que minúsculo e infinitamente barato. Claro, sempre haverá a opção de o cidadão desativar o chip, caso não queira que ninguém saiba que ele está consumindo refrigerante calórico em vez do diet.

A conta caseira única, que inclui água, energia, telecomunicações e outros serviços, não é emitida por nenhum serviço público municipal como se conhece em todo o mundo. Será totalmente terceirizado. Devido à escala dos serviços completamente informatizados, a iniciativa privada reduziu tão drasticamente os custos que prevê tremendos lucros. De lambuja, nada de eventuais barnabés protelando as coisas de olho em propinas. O tráfego de carros não é um problema para suas amplas avenidas, mas a cidade já tem embutido um sistema que faria enorme diferença em qualquer grande metrópole do mundo construída sem planejamento. Lá, o GPS, gadget que orienta motoristas no trânsito e nas estradas, já é de outra geração. Em vez de depender apenas dos mapas na sua memória, está também conectado à central de trânsito.

‘Como todos os veículos estão sendo monitorados por um sistema central, podemos detectar indícios de formação de engarrafamentos e enroscos de trânsito mesmo antes que eles aconteçam’, explica Marcelo Ehalt, diretor de engenharia da Cisco brasileira, empresa conhecida por fabricar os roteadores cuja ala internacional aposta nesse tipo de solução urbana. ‘O sistema de controle de tráfego pode tomar decisões automáticas sem a intervenção humana, mudando as temporizações dos semáforos e enviando mensagens para todos os celulares na região sugerindo mudanças de rotas’, diz ele.

Além da Cisco, também a IBM tem projetos faraônicos para a ‘urbanização inteligente’, sendo que a alta tecnologia é o grande diferencial.

Mercado trilionário

A Cisco acredita que está para acontecer uma grande transição de mercado que vai sepultar modelos de negócios tradicionais e deixar emergir novos. Embora a empresa opere no nicho da alta tecnologia, ela foi garimpar oportunidades de novos negócios nas estatísticas demográficas. ‘Conforme dados das Nações Unidas, em 2020 80% das pessoas nos países desenvolvidos estarão vivendo nas cidades’, informou Ehalt. ‘O processo de urbanização acelerado das últimas décadas gerou os problemas conhecidos por todos nas grandes cidades: de transporte, emissão não controlada de gases, poluição, crescimento desordenado etc.’

Segundo a Cisco, esse é um novo nicho de negócios multitrilionário no qual a tecnologia de informação (TI) tem um papel fundamental. Transformar cidades em grandes gadgets pode ser um novo motor da economia mundial. Nos próximos cinco anos, 500 milhões de pessoas vão migrar para cidades e pelo menos 60% de toda a população, incluindo a África, estará vivendo em cidades em dez anos. O diretor do escritório de globalização da Cisco, Wim Elfrink, calculou para o jornal New York Times que uma cidade de 5 milhões de habitantes pode arrecadar 15 bilhões de dólares e criar 375 mil empregos nos próximos 20 anos com a urbanização inteligente. Como o mercado de celulares de última geração tende a estagnar (afinal, o número de ricos no mundo vai crescer muito modestamente), quase todo o crescimento da rede vai ocorrer nas classes mais baixas. Estima o Banco Mundial que o próximo bilhão de celulares no mundo vai pertencer a usuários de áreas rurais pobres. O resultado econômico disso já é avaliado: um aumento de 1% na quantidade de pessoas conectadas está correlacionado a um crescimento de 4,3% nas exportações dos países pobres.

As redes eletrônicas de fato se transformaram no motor de uma nova economia em todo mundo. O setor de serviços, que depende fundamentalmente de comunicações, já dá conta de 70% dos empregos e de 73% do PIB dos países desenvolvidos, e de 35% dos empregos e de 51% do PIB dos países em desenvolvimento.

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Jornalista