Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O Twitter pode te calar

Os movimentos ‘Cala a Boca’ no Twitter foram amplamente cobertos pela imprensa, inclusive pelo OI (ver aqui e aqui), que também abriu espaço para diversas análises e comentários de seus colaboradores (ver aqui, aqui e aqui).


O acompanhamento de dois movimentos que aconteceram durante a Copa do Mundo de 2010 e de um mais recente, envolvendo o diretor e ator de filmes de ação Sylvester Stallone, suscita algumas ponderações do que diz respeito às potencialidades democráticas oferecidas pela internet.


O microblog Twitter, ferramenta discursiva que permite o envio de mensagens até 140 caracteres (tweets), tem uma característica em especial que permite uma maior conexão e interação entre usuários, que são os trending topics (TTs). O próprio site do Twitter rastreia as palavras e hashtags (etiquetas de assunto da ferramenta) que estão sendo mais usadas nos tweets. Assim, ele informa aos usuários quais os trending topics ou simplesmente os tópicos mais comentados do Twitter. Os TTs são divididos por algumas regiões do mundo (EUA, Brasil, Reino Unido etc.) e existe o TT Worldwide, ou seja, os tópicos mais discutidos no mundo de forma geral.


Em junho de 2010, durante a Copa do Mundo, o locutor da TV Globo Galvão Bueno ficou conhecido por cometer inúmeros erros na transmissão ao vivo dos jogos, como errar ou pronunciar equivocadamente os nomes de jogadores, além do uso excessivo de jargões na transmissão. Por esse e outros motivos, a frase ‘Cala a Boca, Galvão’ se tornou TT no Brasil. Visando a torná-lo TT mundial, diversos usuários começaram a fazer campanhas falsas de modo a provar que o termo ‘Cala a boca’ significava ‘salvar’ em português e que ‘Galvão’ era uma ave em risco de extinção no Brasil.


Os limites do jornalismo e a necessidade da crítica


Assim, cada tweet com a frase ‘Cala a boca, Galvão’ representaria, segundo o boato criado, uma doação para o instituto que cuidaria de tal animal raro. A campanha contou, inclusive, com um vídeo ‘institucional’ com tradução e legendas em inglês (http://www.youtube.com/watch?v=bdTadK9p14A). O objetivo, assim, foi alcançado. A frase se tornou primeiro lugar no ranking mundial, permanecendo dessa maneira por cinco dias seguidos. Os números foram tamanhos que diários internacionais como o New York Times (http://www.nytimes.com/2010/06/16/nyregion/16about.html) e o El País (http://www.elpais.com/articulo/tecnologia/Cala/boca/Galvao/
elpeputec/20100614elpeputec_4/Tes
) noticiaram a brincadeira para seus leitores.


É interessante notar que a proporção tomada pela ‘campanha’ fez com que outras mídias dessem destaque ao fato. A revista Veja (http://veja.abril.com.br/230610/passaro-ruge-p-082.shtml), por exemplo, repercutiu a campanha na capa de sua revista dizendo ‘O fenômeno planetário que engolfou o locutor da Globo na Copa mostra… A fúria do Twitter’. Outros jornais, como a Folha, afirmaram que Galvão teria sido proibido de dar entrevistas a outros meios de comunicação sobre o assunto. E, finalmente, a TV Globo exibiu a resposta ‘oficial’, na qual o narrador admitia ter conhecimento da brincadeira e considerá-la normal e divertida (http://www.youtube.com/watch?v=enGB_rXzves).


Ainda durante a Copa de 2010, um segundo movimento ganhou repercussão no Twitter. O então técnico da seleção brasileira de futebol Dunga teria ofendido o jornalista da TV Globo, Alex Escobar, depois de supostamente não dar uma entrevista exclusiva (http://liberdadeaqui.wordpress.com/2010/06/
21/cala-boca-tadeu-schmidt/
) prometida à emissora. Por conta disso, o repórter esportivo, Tadeu Schmidt, leu durante o Fantástico uma nota oficial de repreensão ao técnico (http://www.youtube.com/watch?v=pzsb44vuXzo&feature=player_embedded), cujo comportamento em entrevistas não condizia com a atitude esperada de um técnico da seleção. A nota alegava inclusive o uso frequente de frases ‘grosseiras e irônicas’ tendo a imprensa como alvo a quem ele também não dava abertura de trabalho necessária. A nota gerou polêmica entre os internautas, que lançaram o ‘Cala boca, Tadeu Schmidt’. A campanha não só foi forte, como superou a primeira campanha contra Galvão Bueno. Num momento inicial, a campanha novamente ganhou tom de brincadeira, afirmando que ‘Tadeu Schmidt’ era um tipo de macaco, também em extinção, tendo seu próprio vídeo ‘institucional’ (http://jbonline.terra.com.br/pextra/2010/06/21/e21067147.asp). Mas, em seu andamento, a campanha mudou o foco e passou a tratar de assuntos mais sérios como o monopólio da TV Globo sobre a audiência dos jogos e a sua exigência por entrevistas exclusivas. Outras questões desencadeadas por esta campanha discutiam os limites do jornalismo e a necessidade da imprensa ser receptiva a críticas sem apelar para a ameaça de censura, como a emissora quis enquadrar a questão.


Repercussão sem precedentes


Dentro das próprias redes telemáticas, surgiu um movimento paralelo chamado ‘Dia Sem Globo’, no qual os participantes, em revolta à atitude da emissora, deixariam de acompanhar um dos jogos da seleção pela transmissão da TV Globo, para assistir em algum canal concorrente. Para coordenar e incentivar a campanha, foi criado um perfil no Twitter (@diasemglobo) e também foi alimentada a hashtag #diasemglobo. A campanha, entretanto, foi pouco efetiva (http://portalexame.abril.com.br/tecnologia/noticias/
dia-globo-emissora-mantem-audiencia-573392.html
).


Finalmente, ainda em julho de 2010, houve o ‘Cala boca, Sylvester Stallone’. O ator fez uma declaração ofensiva ao Brasil durante uma convenção de quadrinhos norte-americana, ao explicar o motivo de dirigir seu filme Mercenários no país. Ele afirmou: ‘Você pode explodir o país inteiro e eles dizem, `Obrigado e aqui está um macaco para você levar com você para casa´.’ (http://jbonline.terra.com.br/pextra/2010/07/23/e230719309.asp). A frase logo gerou revolta entre os internautas brasileiros, que realizaram a terceira grande campanha de ‘calar a boca’. Dessa vez não houve apelo a brincadeiras, apenas se evidenciou o respeito ao país e o fato do diretor ter tido boa receptividade quando esteve no país e, ainda assim, ter insultado o povo brasileiro. A campanha novamente ganhou repercussão entre americanos e outros internautas chegando também a se destacar em primeiro lugar no ranking do TT mundial. Em pouco tempo, a assessoria de imprensa do ator divulgou um pedido oficial de desculpas do diretor, no qual afirmava ter feito uma brincadeira infeliz, recomendando ainda a outros amigos diretores que filmassem no Brasil (http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,stallone-
detona-revolta-no-twitter-e-pede-desculpas,585206,0.htm
).


Em alguma medida, é possível admitir, como colocou Ronaldo Lemos (http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=595ASP013), que o movimento ‘Cala Boca’ no Twitter se iniciou como uma grande meme, como uma brincadeira que foi capaz de demonstrar a força do internauta brasileiro. Seja como for, fato é que o fenômeno gerou repercussão sem precedentes uma vez que, de alguma forma, mobilizou a opinião pública e exigiu retratação – sobre isso, ver Laurindo Filho (http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=596ASP008) e Erick Cerqueira (http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=596FDS002).


O impacto da internet


Esses exemplos do Twitter demonstram a interconexão entre os diversos públicos e mídias na formação da opinião pública. O intercâmbio é dinâmico e contínuo, apresentando uma tendência significativa de fortalecimento da discussão de modo que discussões iniciadas por veículos noticiosos de massa podem ganhar repercussão na internet da mesma forma que, num sentido oposto, um movimento de discussão online pode repercutir nas mídias de massa. Nesses exemplos, nos quais a discussão parecia se restringir à internet, a maior divulgação e visibilidade conferidas pelas mídias massivas atuou como um fator de colaboração ao movimento na medida em que fez alcançar outros segmentos de público. A visibilidade amparou a discutibilidade.


Finalmente, os casos ‘Tadeu Schmidt’ e ‘Sylvester Stallone’ permitem observar que outro patamar de discussões foi alcançado, a despeito daquele restrito a brincadeiras ou zombarias. Temas de relevância derivados das pautas discutidas puderam vir à tona abertamente, como os limites da Rede Globo, a atitude de jornalistas em relação a críticas e a defesa do Brasil em relação a desrespeito de estrangeiros. Apesar de, em nenhum dos casos poderem-se relatar impactos efetivos – as campanhas não surtiram em sua maioria efeitos significativos ao que se propunham, na medida em que não houve grandes impactos na audiência da Rede Globo ou nem provavelmente haverá no filme de Stallone – todos os casos geraram repercussão em diferentes meios noticiosos e chegaram a pressionar os envolvidos por respostas oficiais, além, é claro, de toda a repercussão e imagem negativa gerada pelos casos. São exemplos de que, em tempos de alargamento das liberdades de expressão, atitudes impensadas e declarações levianas podem repercutir de maneira imprevisível e ter seus resultados negativos fortemente agravados. Ou ainda, o impacto da internet, em comparação à TV, ainda é pequeno, mas quem ignorá-lo pode, efetivamente, ser calado.

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Jornalista formado pela UFJF e doutorando em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA, Salvador, BA e formada em Rádio e TV pela UFS e é doutoranda em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA, Salvador, BA