Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Obama e o Oriente Médio

Eis uma notícia do Globo, publicada na edição eletrônica de quarta-feira (23/7). Os grifos são meus:

Amã e Jerusalém – O candidato do Partido Democrata à Presidência dos EUA, Barack Obama, iniciou, nesta quarta-feira, uma visita a Jerusalém prometendo um firme apoio a Israel, que classificou como um ‘milagre’. Como parte de uma viagem ao exterior destinada a combater as críticas sobre sua falta de experiência internacional, Obama foi mais uma vez recebido com honras de chefe de Estado. Assim como no Iraque e no Afeganistão, por onde passou anteriormente, o candidato se reuniu com líderes locais, entre eles o presidente Shimon Peres, a chanceler Tzipi Livni, o líder oposicionista Benjamin Netanyahu, e o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas. Ele ainda terá encontro com o primeiro-ministro Ehud Olmert.

‘A relação histórica e especial entre os Estados Unidos e Israel é algo que não pode ser quebrado’

A idéia mais importante que eu quero reafirmar é a relação histórica e especial entre os Estados Unidos e Israel, algo que não pode ser quebrado – disse o candidato de oposição, depois de aterrissar no aeroporto Ben Gurion, na noite de terça-feira. (…)

Na tentativa de conquistar apoio do grande eleitorado judeu americano, Obama disse que, se eleito, trabalhará para revigorar o processo de paz no Oriente Médio. Em encontro com o presidente de Israel, Shimon Peres, Obama disse que Israel é ‘um milagre que floresceu’ desde sua criação, há 60 anos. Mais tarde, usando um solidéu, ele depositou flores brancas no memorial do Holocausto Yad Vashem.

‘Que nossos filhos venham aqui e conheçam esta história, para que possam somar suas vozes aos que proclamam ‘nunca mais’’, escreveu Obama no livro de visitantes do museu.

Candidato não comenta encontro com líderes palestinos

Obama, que enfrenta o republicano John McCain nas eleições de novembro, luta para superar desconfianças entre alguns eleitores judeus nos EUA sobre a intensidade de seu comprometimento com Israel, principal aliado da administração Bush no Oriente Médio.

Ele também tenta, porém, melhorar as relações com líderes palestinos, que se decepcionaram quando, no mês passado, o democrata disse que Jerusalém deveria ser a capital indivisa de Israel. Palestinos querem que o lado oriental de Jerusalém, tomado por Israel em 1967, seja a capital de seu futuro Estado. Obama afirmou posteriormente ter se expressado mal ao fazer o comentário.

O candidato foi a Ramallah, na Cisjordânia, onde passou uma hora com o presidente palestino, Mahmoud Abbas, e com seu primeiro-ministro, Salam Fayyad. Mas, para não desagradar o eleitorado judeu dos EUA, ele evitou dar muito destaque ao fato e não fez declarações posteriores – assessores disseram que ele iria divulgar mais tarde uma nota a respeito.

No caminho desde Jerusalém, o candidato passou pelo muro que separa a Cisjordânia de Israel e também por assentamentos judaicos, dois itens espinhosos no processo de paz da região. Obama prometeu trabalhar desde o seu primeiro dia de governo para garantir a assinatura de um acordo de paz entre Israel e os palestinos, mas ressaltou que essa seria uma tarefa difícil.

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Coloquei em itálico o que é repetitivo neste artigo, pela ordem:

1. Jerusalém. ‘Uma visita a Jerusalém, caminho desde Jerusalém’;

2. ‘A relação histórica e especial’: a mesma frase é repetida duas vezes seguidas e, mais além, ‘intensidade de seu comprometimento com Israel’

3. A importância do eleitorado ‘judeu norte-americano’: ‘tentativa de conquistar o apoio do grande eleitorado judeu americano’; ‘luta para superar desconfianças entre alguns eleitores judeus’; ‘não desagradar o eleitorado judeu dos EUA’.

Não é apenas que o caráter repetitivo do artigo fatigue o leitor e atrapalhe seu pensamento, incapacitando-o a se concentrar no que há de essencial. Isto poderia ser a importância do eleitorado judeu norte-americano, embora tal eleitorado não seja monolítico e homogêneo e, pelo contrário, como ocorre em Israel mesmo, esteja dividido pelo menos entre judeus ortodoxos e judeus liberais. Os judeus ortodoxos, por sua vez, encontram-se divididos entre aqueles que acham que a existência do estado de Israel é insensata, traindo a essência da religião judaica, e os que acham que a existência do estado de Israel justifica quaisquer medidas militares.

Mas, o essencial poderia ser ainda outra coisa: ‘Obama disse que, se eleito, trabalhará para revigorar o processo de paz no Oriente Médio’. Isto é o que destaca a revista norte-americana Slate em seu editorial da mesma data: ‘O Wall Street Journal dá em primeira página que `seu primeiro passo como presidente´ seria lutar para apaziguar israelenses e palestinos.’

Voto no carisma pessoal

Ora, não é exatamente isso que o Wall Street Journal diz, porém ‘a viagem do senador Barack Obama a Israel tem como objetivo ajudá-lo a estabelecer um contacto com os judeus norte-americanos, mas o candidate democrata à Presidência tem dois grandes problemas: o Iraque e o Irã’.

A orientação do Wall Street Journal e a do Globo é a mesma, embora o primeiro seja menos enfático.

O The Independent (24/7), da Inglaterra, destaca outro aspecto dos vários discursos de Obama: ‘A verdade também é que creio que uma paz duradoura é do maior interesse para a segurança de Israel. Não acho que estas posições sejam contraditórias’. Ou seja, Obama não acha que a aliança entre os Estados Unidos e Israel seja contraditória em relação aos esforços para a paz.

Entretanto, leia-se a primeira linha do Washington Post, edição eletrônica (24/7), em artigo assinado por Libby Copeland: pesquisas cobrindo um período de mais de 50 anos mostram que os norte-americanos votam de acordo com o carisma pessoal dos candidatos, e não segundo suas opções políticas internacionais ou mesmo nacionais.

‘Temos que nos habituar com ele’

‘É deprimente’, diz Michael Lewis-Beck, da Universidade de Iowa, um dos cientistas políticos que escreveu O eleitor americano revisto, publicado há um mês e inspirado na pesquisa de 1960 sobre ‘O eleitor americano’. Quando se pergunta a um eleitor norte-americano o que o leva a preferir um candidato, a resposta é: ‘Gosto do jeito que ele fala!’

Os autores da primeira pesquisa ficaram conhecidos como ‘os quatro cavaleiros’, referência aos ‘quatro cavaleiros do apocalipse’ mencionados na Bíblia. William G. Jacoby, da Universidade estadual do Michigan, afirma que o eleitor norte-americano é ‘incoerente, inconsistente e tem posições desorganizadas’. Entrevistas aprofundadas com 1.500 pessoas ‘acham que questões políticas são uma chatice’.

Entretanto, Amy Gershkoff, que escreveu seu doutorado em Princeton a respeito do comportamento eleitoral dos norte-americanos, afirma que existem duas questões importantes: a política de saúde pública e a questão da religião na escola, mas que a política internacional dos EUA não interessa muito.

O Washington Post, porém, já começa a afirmar que Israel é menor do que o estado de New Jersey e o deputado Henry Waxman, um democrata da Califórnia, importante representante dos judeus no Congresso, afirma: ‘No final das contas, ele (Obama) se sairá tão bem quanto qualquer candidato democrata, mas temos que nos habituar com ele.’

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Professor da Universidade européia da Bretanha Ocidental e diretor de pesquisa na Universidade de Paris 7