Em um dia qualquer da década passada, estava na sala de TI de um antigo emprego quando notei que a equipe usava um navegador diferente. Apresentaram-me então o browser norueguês Opera. A pergunta “por que vocês não usam o Firefox?” foi respondida com um sorriso condescendente. Para esses técnicos, o Opera era outro nível de navegador, muito acima daquilo que o usuário comum estava acostumado a usar.
Criado em 1995, o Opera nunca teve muita chance de aparecer para a maioria dos pessoas devido à prevalência de grandes empresas americanas de tecnologia. Na era pré-mobile, quando a Microsoft era a empresa dominante do setor, usuários de Windows já recebiam no mesmo pacote do sistema operacional o navegador Internet Explorer. A prática levou a empresa de Bill Gates à Justiça, acusada pelo governo americano de ser anticompetitiva. Nos tempos da internet discada, baixar um outro navegador demorava, então usuários ficavam com o Explorer, prejudicando um concorrente como o Opera.
Hoje, situação parecida ocorre por causa do Chrome, que devidamente integrado com o leque de serviços criados pelo Google, como Gmail, YouTube e Google Maps, cria uma situação onde não há motivo para procurar outro navegador.
O Opera, que teve fatia do mercado global menor que 5%, em 2014, foi pioneiro em recursos depois adotados por rivais. Ele conta, por exemplo, com um botão que apaga em um único gesto dados de navegação e senhas usadas durante uma sessão, bastante útil quando se usa o computador de outra pessoa. A maioria dos usuários nunca vai saber dessas coisas vivendo em sua bolha do Google.
A iniciativa das autoridades europeias de acusar o Google de concorrência desleal, que pode resultar em multa equivalente a 10% de sua receita global, é positiva. Para os reguladores, o Google se aproveita de sua posição de cerca de 90% do mercado de buscas da regíão para promover sua ferramenta de comparação de preços Google Shopping, além de outros produtos. O sistema operacional móvel Android, com 70% do mercado europeu, também está sendo investigado.
Sem aviso
O Google facilita muito nossas vidas. Eu mesmo sou um usuário satisfeito do Gmail e do YouTube. Mas, monopólios ou domínio esmagador de mercado não são ruins apenas para o livre mercado. Eles sabotam nosso poder e diversidade de experiência enquanto cidadãos e consumidores.
A internet global hoje está tomada por esse padrão monopolista: temos uma grande loja de quase tudo (Amazon), uma grande rede social (Facebook), um grande navegador (Google) e por aí vai.
Porque nossas informações, compras, pesquisas ou comunicações devem estar restritas ao cercado de uma única empresa? Como fazemos para pressionar uma companhia se ela é a única opção que temos para determinado serviço?
O Facebook seguidamente irrita usuários, seja com seus critérios de remoção de posts (um exemplo recente foi a censura a uma foto de 1909 que trazia uma índia com o torso nu) ou seu nebuloso uso de dados pessoais.
Negócios menores também ficam à mercê dos gigantes. É o caso do blog comunitário americano MetaFilter, que tinha bom tráfego e com isso aferia boa receita por meio do Google AdSense, ferramenta que rentabiliza anúncios para sites. Em 2012, sem aviso nem explicação, o algoritmo do Google rebaixou o MetaFilter nos resultados de buscas e os anúncios vem caindo desde então. Sem ter para onde correr, o MetaFilter pode encerrar sua operação.
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Camilo Rocha, do Estado de S.Paulo