Não é piada. O pessoal na Califórnia, onde está o coração da indústria de internet dos Estados Unidos, anda fofocando que chegou o momento de tentar outra fusão do tipo AOL-Time Warner. Aquele desastre de US$ 164 bilhões exemplificou uma década de aquisições impensadas, egos irresponsáveis e vaporosas ‘sinergias’. Mas para os executivos e banqueiros de Hollywood que andam hoje em dia colados com seus iPads, a nova tecnologia os trouxe de volta para o velho diálogo sobre ‘conteúdo’ e distribuição.
Do mesmo jeito que a TV por assinatura transformou a distribuição de filmes e de canais de televisão, agora é a vez das cada vez mais evoluídas plataformas digitais, como a locadora de vídeo online Netflix, que tem 20 milhões de clientes, ou até o YouTube, do Google Inc. Enquanto essas plataformas brigam com as empresas de TV por assinatura e os conglomerados de comunicação pela atenção das pessoas, estão descobrindo a importância crescente de se diferenciar.
Isso significa filmes melhores, programas de TV melhores, clipes de comédia melhores e até mesmo notícias melhores, para poder concorrer com titãs como Comcast e Time Warner. Isso significa entrar tão a fundo nesse admirável mundo novo que você acaba voltando para o velho: uma estratégia de casar a mais nova plataforma de distribuição na internet com o melhor entretenimento da velha mídia. A Time Warner começou semana passada a oferecer filmes seus, como a série Harry Potter, para alugar no Facebook.
Oferta de 700 filmes
As empresas de comunicação da velha guarda estão tentando defender seu território de todos os jeitos, seja com a aquisição da NBC Universal pela Comcast, ou com o site de vídeos Hulu, fundado por empresas de mídia tradicional, como a News Corp., dona da TV e estúdios Fox e do Wall Street Journal. Mas a teoria é que, no fim, o sangue novo é que dará o grande bote: um acordo em que uma empresa de internet como a Netflix ou a Amazon abocanhe uma empresa jornalística, um estúdio de cinema ou uma grande produtora de TV. Imagine o Google comprando o New York Times, ou o Facebook comprando sua própria divisão de entretenimento.
Loucura? Ouça o diretor financeiro do Google, Patrick Pichette, falar sobre o desempenho do YouTube durante a Copa do Mundo do ano passado. Ele descreve algo bem parecido com… a Time Warner. ‘É um tipo de primeira página gigantesca e está atraindo público’, disse ele, notando que a Sony e a Coca-Cola compraram espaço publicitário no site, de olho nos apaixonados por futebol. ‘Esse é o poder do YouTube hoje em dia. É como se ele tivesse um público mundial.’
O chefão da Netflix, Reed Hastings, disse numa teleconferência no fim de janeiro que é ‘relativamente improvável’ realizar investimento direto em estúdios ou em produtoras e que é melhor para a empresa ‘deixar que outros assumam os riscos criativos’.
Essa atitude aparentemente mudou algumas semanas depois, quando a Netflix anunciou, em 17 de março, que vai produzir um seriado de suspense político, com 26 episódios, chamado House of Cards, avaliado em dezenas de milhões de dólares. Outra ambição da empresa ficou evidente sexta-feira (1/4), quando a Netflix anunciou um acordo de US$ 100 milhões e cinco anos para oferecer a seus assinantes pela internet o arquivo de 700 filmes do respeitado estúdio Miramax.
A era dos conglomerados de comunicação sob ataque
Ninguém ousa chamar isso de AOL-Time Warner 2.0. A Netflix tem valor de mercado de apenas US$ 12 bilhões. Mesmo depois de uma década de declínio na ação, a Time Warner ainda vale três vezes isso. Mas, de alguma maneira, o velho jeito de pensar foi rejuvenescido pela inspiradora ascensão das novas tecnologias e de novos comportamentos do público. Talvez a lembrança da fusão AOL-Time Warner também não dure para sempre. Mark Zuckerberg só tinha 15 anos quando o acordo foi anunciado, em janeiro de 2000. ‘A tecnologia ainda não estava pronta para a fusão AOL-Time Warner’, disse um dos principais investidores de Hollywood. ‘Agora está.’
O caminho da Netflix lembra muito o de outra grande inovadora do passado, o Home Box Office Inc. Fundado em 1972, o canal de TV por assinatura logo começou a incomodar os estúdios de cinema e, em 1983, já estava produzindo seus próprios filmes, primeiro sobre Terry Fox, o lendário corredor canadense de uma perna só. Em 1989, sua dona, a Time Inc., estava desesperada para conseguir seu próprio estúdio de cinema. Ela acabou mergulhando fundo e fechou o acordo histórico para comprar a a Warner Communications Inc., iniciando assim a era dos conglomerados mundiais de comunicação, que agora está sob ataque.
‘As pessoas criativas querem escrever livros e fazer filmes e fechar acordos com TV por assinatura’, disse em março de 1989 o então vice-presidente do conselho da Time, Gerald Levin. ‘O talento do futuro se sentirá mais confortável trabalhando numa empresa com uma base ampla e que tenha todos esses negócios.’
******
Do Wall Street Journal, em Los Angeles