O jornalismo não é mais como antigamente. A criação da web e o surgimento da
internet comercial, nos anos 1990, mudaram a forma de publicação e distribuição
de notícias. Naquela época, todo jornal que se prezava tinha de ter uma versão
online de seu conteúdo, ainda que replicasse metáforas analógicas.
Multimídia era a palavra da ordem do dia. Não bastava simplesmente apurar
informação textual. Era preciso ir além. Editar áudio, vídeo e foto. Tratava-se
da cultura da página, fórmula do jornalismo de internet em vigor até o final dos
2000 – em alguns casos, ainda é.
E como é praxe, vieram os tropeços. Se a velocidade da publicação levava a
erros gramaticais e, muitas vezes, de informação, o design incomodava bastante.
Com formato PowerPoint, não fazia jus aos projetos gráficos que mudaram o
jornalismo nos anos 1960 e 1970.
Circulação em fluxo
Diagramados em coluna e hierarquizados, os portais que abrigam dezenas de
sites noticiosos, replicavam versões de jornais de papel cujos alguns formatos
não alcançavam a metáfora. Ted Nelson fez crítica semelhante 11 anos
atrás.
Até pouco tempo atrás, não havia critério no uso de elementos de composição,
como links ou multimídia. Design de superfície, redundância e imperativo
predominavam; o que Giselle Beiguelman chamou de ‘clicagens burras’
e virou título do blog desta jornalista.
Contudo, não se pode negar que houve avanços enormes. Entretanto, há um
porém: a cultura da página migrou para a cultura de dados, e isso coloca o
jornalismo em outra perspectiva. O anúncio foi feito pelo pai da World Wide Web,
Tim Berners-Lee, no TED 2009.
Clicagens burras:
Acertos:
Berners-Lee não foi o primeiro a pensar sobre isso. Lev Manovich e Victoria Vesna também apostaram na
estética baseada em dados. No Brasil, Elias
Machado escreveu Jornalismo Digital em Base de Dados (Calandra:
2007).
O conteúdo agora está em rede, pulverizado, e a produção é organizada em
micro-redes. Não há mais por que tê-lo concentrado em portais ou sites, que
ainda se mantêm, principalmente, por questões econômicas e culturais. André
Lemos e Nelson Pretto discutiram essa questão. Aliás, é de Lemos famoso
artigo ‘Morte aos
Portais‘, de 2000.
A dinâmica de acesso se dá em torno basicamente de tags, aplicativos,
reputação e recomendação. É com esse quarteto que a interface será construída e
reconstruída um sem-número de vezes.
Em rede, opera-se por agenciamento e revezamento. Termos deleuzianos que
colocam por água abaixo o trabalho sob demanda do jornalista e a cultura
estática. Pois, na internet, a interface é um mapa constituído em territórios
existenciais (para além na noção espacial) por agenciamento ou linkagens
temporárias.
Isso significa repensar a interface da notícia que circula em fluxo a partir
do input inteligente de dados. Ela tende a operar com algoritmos
de visualização de dados que não se restringem a textos, como o Google Goggles.
Em xeque
O aplicativo da empresa de Sergey Brin e Larry Page transforma imagens em
base de dados para identificar objetos e fazer busca relacionada para criar
dados compatíveis a qualquer sistema que, recombinados, configuram e
reconfiguram a interface.
O buzz mudou. Está agora no Twitter e no Facebook. No caso do Twitter,
especificamente, a hashtag é ao mesmo tempo termômetro e narrativa.
Nesse contexto, a pirâmide invertida só faz sentido quando é ponto de partida
para reconstruir a informação e colocá-la em rede. Porque, muitas vezes, o
buzz não está no lide, mas na recomendação. Essa validação é orquestrada
pelo produser, que recebe a informação, modifica o lide e a
distribui.
Isso derruba toda a lógica estrutural em vigor em empresas de internet. A
interface não é mais diagramada, opera por meio de agregadores. A hierarquia não
determina a importância da notícia e coloca em xeque o conceito de edição.
Ou seja, esse texto que você leu até aqui, caro leitor, poderia ser exibido
assim:
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Doutoranda na PUC-SP em Processos de Criação nas Mídias, autora do Guia de Estilo Web (Senac, 1999) e do blog Contra a Clicagem Burra; foi bolsista do UOL Pesquisa em 2008 e participou da criação do iG e do Último Segundo